O homem sem TV
Ciro Pessoa*
Nunca imaginei que
fosse passar cinco meses sem assistir a um só programa de televisão. Mas
o acaso urdiu esta engenhosa trama e aqui estou, um homem sem TV. Desde
que me dou por gente o aparelho faz parte da minha vida. A verdade é que
nascemos e, muitas vezes, morremos diante da TV. É algo que não se pode
escolher.
Suponho que tenha passado um décimo da minha existência assistindo a
noticiários, novelas, programas humorísticos, documentários, comerciais,
leilões de tapetes, jogos de futebol... Durante anos, principalmente
depois da TV a cabo, fui um compulsivo telemaníaco.
Mas o destino, sempre ele, fez com que, numa das minhas dezenas de
mudanças de imóveis, fosse parar num apartamento sem TV. Poderia comprar
uma, mas o tempo foi passando e não tomei nenhuma atitude. No começo,
fui invadido por um certo pânico. Olhava as pessoas e achava que estavam
sabendo de coisas que eu não sabia. Cheguei até a sondar lojas de
eletrodomésticos, mas, na hora H, comprei torradeira e liquidificador.
Dois meses foram suficientes para que eu chegasse à conclusão de que
poderia viver perfeitamente bem sem TV. Parentes e amigos tentavam me
convencer. "Ao menos o telejornal", dizia minha mãe, preocupada com meu
avançado estado de emancipação e alienação.
O tempo foi passando, as novelas foram mudando, programas novos no ar, e
eu cada vez mais por fora. Se alguém me dirigia um comentário sobre TV,
eu prontamente respondia: "Não tenho visto TV. Não sei do que se trata".
No balanço dessa "experiência involuntária", não ter visto novelas, por
exemplo, tornou-me mais audaz e criativo no quesito amor. Por mais
consciente que o telespectador esteja das mentiras e estereótipos que as
novelas embutem nas cenas, acaba sendo presa dessas fórmulas. Quanto aos
telejornais, idem. Todos têm sua interpretação dos fatos, manipulam como
querem a opinião pública. Sabia dos fatos por um jornal diário (igualmente
opinativo nas entrelinhas), até que minha assinatura expirou e não quis
renová-la. Minha fonte de informações básica, hoje, é a internet.
Então, onde quero chegar? Onde cheguei? Não sei. Como me disse um grande
amigo, nossa sociedade abomina a solidão. E, creiam, ela é muito difícil
de ser conquistada. Sem TV, mais ainda. Mas com certeza não é só a
solidão que quero alcançar. Ela é uma das peças do quebra-cabeça.
Existem outras que a vida está pouco a pouco me revelando. No fundo,
sinto que algo parece não ter dado certo na civilização.
E, é claro, não foi a TV.
*Ciro Pessoa é feliz, mesmo sem TV.
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