Por Antônio Houaiss*
Como é que você chama o órgão sexual feminino? O
acadêmico Antônio Houaiss tem 330 sinônimos
O desafio me veio de
fazer um estudinho sobre a nossa linguagem erótica. Logo ao esboçar seus
inícios, caí em mim: como comentar mais de 4000 registros dos
dicionários, especializados ou não, sobre a matéria? Iríamos a um
tratado – e de modo algo precipitado. Convinha e convém que limitemos o
campo. Amorosa, sensual, lasciva, obscena, licenciosa, fescenina,
pornográfica, devassa, pornofônica, libidinosa, cupidínea, cupidinosa,
voluptuosa, luxuriosa, dissoluta, corrupta, libertina, chula e
celestemente (...do céu islâmico, pelo menos...) – fiquemos com (e em
torno de) a máquina-de-fazer-menino.
Tomando como base de confirmação os nossos dicionários mais acessíveis (Aurélio
Buarque de Holanda Ferreira, Laudelino Freire, Caldas Aulete, Morais
Silva na sua segunda edição em 1813, Cândido de Figueiredo, Lacerda
etc.) fincamos pé na coleta de dois livrinhos relativamente recentes: o
Dicionário do Palavrão e Termos Afins, de Mário Souto Maior e o
Dicionário de Termos Eróticos e Afins, de Horácio de Almeida e
levantamos sobre vagina e/ou vulva – a máquina-de-fazer-menino – cerca
de 330 registros que comentamos a seguir. O primeiro fato relevante é
que seu glossário específico – quero dizer dessa maquininha – vai a
perto de 8% dos registros dos dois dicionários de base – o que dá uma
idéia da importância relativa do tema no universo erótico.
Como para o pênis se pode obter, no mínimo, uma igual contrapartida e
como, de sua conjunção, a cópula, se pode obter uma terceira
contrapartida proporcional, segue-se que, para esses dois órgãos e sua
função generativa (quando o é), há um vocabulário de cerca de 1000
registros, constituindo 25% do total geral. Lembremos que para outras
áreas erógenas o percentual é alto, como alto é também o relacionado com
as homossexualidades.
* Maior estudioso da língua portuguesa, o acadêmico Antônio Houaiss
(1915-1999) foi o organizador do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa,
que acaba de chegar às livrarias. Em 1985 ele escreveu este artigo para
Playboy.
A origem do nome
4000 Palavras Eróticas
Ora, isso, assim dito, é um disparate monumental. Eis por quê: toda
língua é um fato social e cultural, não tendo havido (nem haverá) grupo
humano com história própria mais ou menos solidária que não tenha língua
e, mais, sua língua. Admite-se que há 10000 anos havia na Terra 10
milhões de seres humanos com 20000 línguas – com a média de 500
indivíduos por língua (tudo, é óbvio, aproximativamente). Hoje somos 480
vezes mais, pois somos 4 bilhões e 800 milhões de seres, mas com uma
tremenda diferença, do ponto de vista linguageiro: há 10000 anos, cada
uma das 20000 línguas tinha, como dissemos, uma média de 500 falantes;
hoje, com cerca de (digamos) 10000 línguas (tem havido diminuição e
haverá mais ainda), a média de indivíduos seria de 480000 por língua –
com a pequenina particularidade de que há línguas de 40000 indivíduos
falantes e línguas de milhões de usuários (como o inglês, com 600 – 700
milhões, o espanhol, com 300 – 400 milhões, português 140 – 170 milhões
etc.).
O fato de que haja línguas com tradição escrita, tradição iniciada há
3000 anos, acarretou uma diferença clamorosa no estado de coisas das
línguas: embora intrinsecamente comparáveis nas suas regras fundamentais
de funcionamento, as que não são escritas, ditas "línguas naturais", têm
de regra um vocabulário de 3000 palavras mais ou menos, enquanto as
"línguas de cultura", as escritas têm vocabulário que chega a 400000
palavras ou mais. É aí que está o disparate: como haver, só para a área
erótica, 4000 registros ou averbações e só para vulva x vagina cerca de
330, se as "línguas naturais", para dizerem tudo, não têm senão 3000
vocábulos?
Começou Há 2500 Anos
Há claras explicações para isso, duas das quais aí vão: primeiro, em
nenhuma área do Brasil se usa de todas as palavras e termos referidos
como eróticos nas coletas; segundo, na imensa maioria dos casos as
"palavras" univocabulares eróticas são figurativamente eróticas, pois
são palavras e termos de outras áreas de sentido. Na língua árabe,
diz-se que há mais de duzentas palavras para designar o camelo; pede-se
exemplo e começa-se a ouvir "navio do deserto", "rei das areias",
"tanque d’água ambulante" etc.
Tais universos verbais funcionam dentro de certas pressuposições,
contextos e direcionamentos específicos dos interlocutores. Quando a
pressuposicão não é erótica, "máquina-de-fazer-menino" pode nada mais
significar do que isso mesmo, máquina que faz bonecos. Quando a
pressuposição entre os interlocutores é erótica ou afim, é inequívoca a
proposta "quero brincar com a sua ‘máquina-de-fazer-menino’, minha flor"
– tudo aí é metáfora, "quero", "brincar", "máquina", "boneco", "flor" e
mesmo "minha".
A Vagina Erudita
Mas não nos desencantemos. Pois é exatamente no jogo das pressuposições
e das figurações que está a magia desse universo verbal – que ninguém ao
vivo domina em sua totalidade, pois são termos e expressões
generalizados, com a marca da particular psicologia social com que é
vivida a matéria erótica. Rigorosamente falando, para designar o que
eruditamente é dito pelo complexo vulva x vagina, só há uma palavra, que
tem raízes populares remotas: é cono (que só quer dizer isso e não quer
dizer outra coisa, exatamente como em latim cunnus, que também só
significava isso); seu uso se atesta, também, nas origens do francês,
con, masculino como em português (ambas as línguas farão, depois, que
coexistam masculino e feminino, francês con/conne, português cono-cona).
É a palavra própria também em espanhol, coño, em catalão, cony, em
italiano, conno. Essa palavra, evitada em literatura "séria" e em
conversação "decente", vive vida viva sem solução de continuidade, há
cerca de 2500 anos e acha-se documentada com baixa freqüência em textos
satíricos e obscenos de todas as épocas.
Não sendo de emprego "decente", desde cedo duas palavras puramente
latinas foram empregadas em substituição nas línguas modernas de
cultura, a saber, em português, vulva e vagina. Vulva ocorre em latim de
forma anterior volva, presuntivamente conexa com o verbo volvere, por
isso, "voltada para dentro de si mesma" – o que já era metafórico,
embora em português ninguém dê à palavra outro sentido que o de
designativo do Patologia feminino na sua parte mais ostensiva. Vagina é em
latim efetivamente "estojo, bainha (sem o segundo sentido), envoltório",
sentido original esse que é do espanhol vaina e do português bainha,
seus originados. Essa palavra latina, no vulgar, deve ter tido uma
pronúncia vagina, origem do nosso português bagem x vagem, que é afinal
uma bainha com grãos, internamente.
Assim, com três palavras esgotamos os vocábulos universais em português
para a "fábrica" em causa: no popular cono x cona, no erudito, vagina e
vulva. O fato é que, para certos segmentos sociais, nas relações
amorosas, o primeiro vocábulo, a ser dito, é indelicado, senão que
ofensivo; e os outros dois de tal neutralidade e frieza, que têm valor
anafrodisíaco, quero dizer, desexcitante, inibidor, brochante – ao que
parece. Daí, a reserva enorme, em cada área, dos usos metafóricos (e
ocasionalmente metonímicos), figurados em comparações de local, de
estrutura, de função, de formato, de cheiro, de gosto, de tato etc. etc.
E uma certa aura machista também domina esse campo semântico – pois
afinal de contas é matéria verbal predominante de homem sobre matéria
natural de mulher. É muito possível que o vocabulário figurado conexo
com pênis apresente alguns caracteres de réplica.
O Clitóris e as Variações
Mas antes de entrar em matéria, consideremos alguns elementos
periféricos. O clitóris, por exemplo, é designativo greco-erudito para
algo que parece não ter vocábulo exclusivo original popular, pois os
registros parecem sempre metafóricos: berbigão, brebigão — é o vulgar
marisco-pedra, e a metáfora é cromática e, pela forma, aberta bivalve
com protuberância; ocorre no sul, de ambientes portugueses; botão — como
se diz das flores; seu uso acusa-se sobretudo no nordeste; camarão —
metáfora formal e cromática, ocasional em todo o litoral; castanha —
metáfora pela forma, de uso culto, por isso, potencialmente geral;
carlotinha — notemos essa primeira ocorrência de um nome próprio nesta
área erótica; outros virão. Na área do Rio de Janeiro (pelo menos),
carlotinha é sobretudo uma pequenina manga, deliciosa,
rosadinho-avermelhada.
Será a afinidade cromática e palatal? Sabemos que Carlota, mesmo no
diminutivo, é feminino de Carlos. Mas é audacioso, no diminutivo,
remontar à nossa Carlota Joaquina; contrapino — em Pernambuco e no
Nordeste é mais geralmente o pênis, mas como clitóris ocorre em outras
áreas regionais; é metáfora mecânica relativamente nova, pois contrapino
em sentido próprio é neologismo deste século; crica — é forma
predominante no passado, tanto em Portugal como no Brasil, já desde o
século XVI; no Brasil ocorre também a forma quirica, hoje em dia mais
geral que a anterior e já sem valor metafórico, como se fosse o
designativo próprio de clitóris, embora em pontos vários do país quirica
possa referir-se à vulva x vagina; originalmente, parece ser designativo
sinônimo de berbigão, como molusco, razão porque a metáfora seria de
igual natureza; dedo-sem-unha — alega-se ser de uso no Sul, em
particular no Rio Grande do Sul; a imagem, formal, é inequívoca.
Dente-de-alho — nordestino, além da forma, parece ter nexo olfativo;
espia-caminho — nordestino, designa tanto o clitóris, em particular,
quanto a vulva-vagina em geral; é originalmente o nome de certa erva
cuja flor figura uma vulva bem patente; de outro lado espia-caminho, no
puro sentido formal, lembra a metáfora atribuída à palavra testículos,
que seriam os pequenos testes, "testemunhas" do coito; espia-caminho
está em situação mais privilegiada...; grelo — é, talvez, no Brasil, o
mais generalizado designativo de clitóris, havendo muito usuário que não
sabe que grelo é brotação, germinação vegetal, hastezinha, fonte da
metáfora na comparação pela forma; pipi — órgão sexual masculino
preferentemente infantil; clitóris infantil; órgão sexual feminino
preferentemente infantil; urininha, de menininho ou menininha (nesta,
alterna com xixi); na forma pipiu é preferentemente vulva-vagina, mas
ocorre também como variante de pipi em todos os sentidos.
Essa diversidade de sentido não é ambígua ao vivo, pelas pressuposições
dos interlocutores em cada situação dada. Os dicionários – mesmo os
pudicos, que não registram termos ditos chulos – consignam que pipi é
qualquer ave que se convoca com esse chamamento, especialmente as
galináceas; mas estas têm todas um bico, não grande, que talvez seja a
fonte da metáfora masculina, depois generalizada; pevide — imagem
literária, provavelmente referida, também, a ânus, menos
expressivamente; pevide é, mais usualmente, a semente de certos frutos
carnosos (mamão, melancia etc.); pito — no sentido próprio é um cachimbo
rústico; designa, no figurado, o clitóris ou mesmo o órgão sexual
feminino e também, segundo as pressuposições, o masculino, não
raramente, em particular, infantil. São conhecidas as expressões "estar
com o pito aceso", estar animadíssimo(a) com a perspectiva de algo (não
necessariamente sexual), "sossegar o pito", tranqüilizar-se, não
necessariamente no ardor sexual; pelo Brasil inteiro, com um ou mais
desses sentidos, ocorre.
Nosso Poeta Maior pediu o pito de Mariquita, pois no seu pito estava o
infinito...; pinguelo nordestino, sendo paraense pinguel e, no geral,
no Brasil, no feminino, pinguela, uma pontezinha rústica; a imagem deve
provir da saliência do lance de uma margem para... o infinito; sambico —
dicionários registram essa palavra só como clitóris, quando não haveria
metaforismo; mas seu curso parece limitado ao Sul e muito episódico.
Mais vivo, no Sul ainda, é o vocábulo sambiquira, que designa a mitra, o
uropígio, a titela da galinha, parte saliente que, menor, no diminutivo,
seria clitóris; falta pesquisa no respeito; tamatiá — no Norte,
Amazonas, é clitóris ou a vulva-vagina; no sentido próprio é uma ave
como cegonha e uma planta tiliácea, ambas amazonenses; falece-me a
metáfora.
Pela listagem, vê-se que na língua falta um vocábulo popular próprio
para clitóris de uso universal no Brasil; recorre-se a metáforas, embora
algumas, regionalmente, passem a designar na mente do falante, de
preferência ou exclusivamente, o clitóris mesmo.
O hímen, o
útero e os pêlos pubianos
O Hímen: Começo em Roma
Com o selo vaginal dá-se a mesma coisa: vários designativos metafóricos,
nenhum termo próprio exclusivo, predominância do sentido metafórico em
certas regiões a ponto de os usuários do termo ignorarem seu "outro"
sentido (o original). Desse modo só hímen, greco-latino, fica-nos como
seu termo próprio, que tinha o sentido de "membrana, película", mas
ainda assim de uso culto (cujo radical nos aparece ainda em himeneu,
"canto nupcial, matrimônio"). Erudita ou potencialmente, fala-se, sempre
figurativamente, em selo vaginal, selo virginal, flor-do-corpo, honra,
virgindade; daí transita-se para expressões algo pícaras, como selo de
garantia, tampo ou tampos, três ou três-vinténs (alusivos a uma tríplice
prega).
Com o que se chega ao mais universal, no Brasil, dos seus designativos,
cabaço, que é associado à cabaça, "vasilha", de origem pré-romana (espanhol
calabaza), como se fosse o tampo da vasilha ou a vasilha mesma, embora
haja quem lhe atribua (menos verossimilmente) étimo indígena, caso em
que seria o termo próprio para a membrana. Há ainda casca-de-limão que
ocorre no Sul, e cheta ou chetas, mais corrente – se diz – em Portugal e
no Sul do Brasil: no sentido próprio é "pequena moeda de cobre", "vintém"
– ou seja, a mesma metáfora que há em três-vinténs acima referido.
O Útero
O útero, de cunho erudito, é pobremente referido, parecendo antes
vocábulo da área anatômica pura, ou da medicina popular, que erótica. Em
certas áreas rurais, pecuárias, é madre e matriz, como para as vacas.
Ocorrem como quase equivalentes o eruditismo ovário e sua forma popular
oveiro.
Os Pêlos Pubianos
Lembremos, ainda, que os pêlos pubianos ou mesmo o púbis desde muito
cedo foram metonimicamente, isto é, por contigüidade de uso, designados
por pente, que, no próprio, é utensílio denteado para alisar pêlos e
cabelos. Mas hoje em dia prevalecem derivados seus, como pentelho e
pentelhos, pentelheira, pentelhame, pentelhuda (substantivamente) –
aplicáveis a ambos os Patologias.
Acusa-se que ter "flor no jardim" é alusão aos primeiros pêlos pubianos,
no Sul do país. O púbis feminino mesmo é, em imagem erudita antiqüíssima,
o monte-de-vênus, que é, no Nordeste, a peladinha em certas fêmeas e
tambá, que no sentido próprio é "concha", imagem extensiva à vulva.
Os genitais e os
nomes afetivos
Até Bolsa-de-Valores
Os genitais, ditos também a genitália, no feminino (mas originalmente um
neutro plural latino), compreendem a vulva, a vagina, o útero, o ovário,
as trompas, o pênis, os testículos, a uretra, a próstata etc. –
cumulativamente macho e fêmea. A anatomia é mais analítica, designando,
por exemplo, como ninfa os pequenos lábios. Mas vulva e vagina são de
riquíssima nomenclatura – a principiar pelo emprego de adjetivos
femininos com o substantivo subentendido: larga, aguada, apertada,
arrombada, bela, perseguida/prissiguida, bochechuda, cabeluda, crespa,
papuda, pentelhuda, preta, suada, fofa (fofar é "copular"), gostosa –
numa distribuição regional difícil de precisar, pois dentro das
pressuposições entre interlocutores e/ou interlocutoras a acepção se faz
evidente, pela forte descritividade desses adjetivos, em que há
conotações díspares, ora menospresivas ora afetuosíssimas.
Uma das mais freqüentes imagens, no substantivo mesmo, é a de
receptáculo, estojo, bainha, entrada (como já o é no latim vagina mesmo):
arapuca-de-caçar-pinto, arca-conana (já em Gregório de Matos), bainha,
bainha-de-homem, barroca (ó), baú, boca-de-baixo, boca-de-bicho,
boca-de-cabelo, boca-de-jacaré, boca-de-sapo, boca-do-mato,
boca-do-corpo, boca-em-pé, boca-sem-dentes, boceta/buceta (sobre a qual
se fala adiante), boeta (variante pouco freqüente da anterior),
bolsa-de-valores, brecha, buraco-de-minhoca, caixinha-de-segredos,
caneco-de-couro, canoinha, carteira, cartola, castelo-do-amor, caverna,
chincha (= canoa, canoinha), concha, cova, loca, engole-cobra,
engole-espada, fenda, forno, furna, gaveta, grota, greta, gruta,
gretagarbo, gruta-do-amor, goelão, enxu (= vespeiro, colmeia), lance (de
lancetar), lanho, lasca, lascão, lascadinha, lascada, mealheiro (= cofre),
moente (= moedor = moedouro, sendo moer = "copular"), ninho-de-piroca,
ninho-de-rola, olha (ôlha = panela, já em Gregório de Matos),
panela-rachada (empregada em carta familiar pelo patriarca José
Bonifácio para sua filha recém-nascida), pichéu/pichel (= vasilha de
vinho), porteira-do-mundo, racha, rachadura, rego, rego-de-mijar,
samburá (= cesta), tabaqueira (donde "tirar o tabaco, da [tabaqueira]"=
deflorar), tabaco, tigela-com-pêlos, vaso, vaso dianteiro, vão...
Dos acima mencionados, lembre-se que boceta é, propriamente, uma caixa,
caixinha, escrínio, com o quase predomínio desses sentidos em Portugal,
onde há como nome (sobrenome) familiar e onde ainda se diz da caixa de
Pandora (a deusa de cuja caixa podiam sair todas as benesses e, digamos,
todas as malesses) "boceta de Pandora". Desse modo, em Portugal, quando
referida ao Patologia feminino, é sentida em toda a sua força metafórica, que
por seu étimo é conexa com o francês boîte, "caixa". No Brasil, em que a
pronúncia parece ser universalmente bu–, perdeu-se, no vulgar, o sentido
original, sendo por isso tomada como termo próprio do Patologia feminino e
dominantemente grafado nos escritos satíricos e fesceninos como buceta.
Com Carga Afetiva
Ressalta a relativa freqüência de nomes de animais (lato sensu) como
metáforas de vulva-vagina, em geral belos, ou esquivos, ou negros, ou
perigosos (ah, os psicanalistas!): aranha, arraia-preta, bacalhau (há
aqui alusão olfativa, dominantemente), bacorinho, barata, baratinha,
bichana, borboleta, cachorro, caranguejeira, caranguejo, concriz/concliz
(currupião), cururu (o sapo), lacraia, marisco-da-barra, marmota, mosca,
pássara, pássaro, passarinha (no masculino é em geral pênis), perereca,
periquita/priquita, pomba, pombinha, rata, rola, rolinha, sapo, sururu,
tatu, ursa... Cor, pêlos, fugitividade, beleza, rechonchudez, hediondez
fazem os ambientes para as conotações desiderativas, carinhosas,
despeitadas, pejorativas, nobilitativas...
Certas metáforas são de expressiva evidência, através de nexos
associativos ricos de cargas afetivas e desafetivas, libidinosas ou
ilibidinosas. Eis algumas: áfrica (alusão ao negrume do cabelo pixaim,
dominante entre nós, malgrado as louras e as falsas louras), almofada,
aposentos privativos, balceira (onde nas áreas em que a palavra é
empregada, todos sabem que balça é "mata espessa"), bigode, bisegre (por
sua função, como utensílio de sapateiro, de só ser eficaz se bem
esfregado), bombril (idem), cachimbo (já aqui como prazer de pitar, ver
antes), caiçara (no sentido de recesso ou mata espessa onde o caçador se
embosca), cara-preta, cara-de-sapo, casco-de-veado, casco-de-veadinho, (alusão
à forma, quando protuberante), cuscuz (uma abundância de sentidos: duplo,
doce, múltiplo para as chamadas partes, para os seios, para as ancas,
para as nádegas), engenho-d’água, entre-pernas (puro locativo),
fábrica-de-fazer-boneco (funcional), fábrica-de-fazer-menino (idem),
ferida (visual), fidel-castro (pelas barbas), fonte,
gramado (pelas ervas-pêlos), ilha-negra, ímã-do-mundo, isqueiro (porque
se incendeia e incendeia), lambedeira (= lambedouro, lugar onde se lambe,
cunilinga), nascedouro (onde se nasce), mapa-múndi (variação da mesma
pretensão de ímã-do-mundo, ver acima), máquina-de-fazer-menino, mata,
mata-homem, meio e meios (locativo), microfone-cabeludo (alusão ao
cunilinga), mijador, carne-mijada, mijadeiro, nascedouro, olho-d’água,
países-baixos, pé-de-barriga, jóia, joinha (infantil), prendas, rocinhas
(pelas ervas-pêlos), segredo, segredinho (infantil), tira-prova-de-homem,
touceira, triângulo...
Membro com
nome próprio e variações locais
Membro com Nome Próprio
Já se notou que, na linguagem intermasculina, não poucos interlocutores
se referem, picaramente, ao seu próprio membro viril por meio de um nome
próprio que não seja o do seu nome mesmo; assim um João pode falar do
seu Francisco, que é o membro, pura e simplesmente. Destarte, alguns se
consolidaram sem função conotativa, como zezinho. É possível que o fato
ocorra também interfemininamente. Seja como for, registramos para
vulva-vagina os seguintes (pelo menos) prenomes: chiquita, greta-garbo
(motivado, eufemisticamente, por greta), laurinha, paranho, margarida
(pode ser também a flor), tereza, zezinha...
Na flora também, flores e frutos, se sugerem aspectos visuais, palatais
e olfativos denotativos de vulva-vagina: barbiana, cebola-quente, flor,
flor-de-maracujá, maçã (que no plural são seios), margarida (meninesca,
ver supra), papoula, romã, rosa, rosinha (meninesca), tapioca...
Menos freqüentemente, ocorrem denotações com conotações olfativas e
palatais, como podem ser vários casos da série acima, ademais dos
seguintes: cheiro-de-bacalhau, filé, língua-de-vaca, nhaca, pão-crioulo,
xexéu (=bodum). Nas relações figurativas acima, nesta primeira tentativa
de depreender motivações comparativas em grupo, é possível que mais de
um denotador tenha sido mal colocado. O campo é extenso e fluido, por
demais. Somente quando as averbações ou pesquisas de campo forem
acompanhadas de abonações que elucidem pressuposições, contextos e
interlocutores, é que se poderá avançar no conhecimento da matéria.
Há, ademais, estruturações fonético-fonológicas que parecem motivadas
entre si: ninguém ignora a força expressiva de palavras infantis (e, por
conseguinte, impregnantes) como pipi, xixi. Será por acaso que, ao lado
de pipi, com o mesmo sentido, quase que em jogo, ludicamente, ocorram
denotativos (não metaforicamente motivados) como pichita, pililio, pitio,
pixana, pixéu/pichéu, prexeta, prexexa e, caindo no motivador xi, xe, xo,
se passe a xerecas, xereia, xeréia, xexeca, xexéu (que "significa",
vimos acima), xiba, xibio, xinxa, xinim, xiranha, xiri, xiricas, xiruba,
xixim, xota, xoxota, bixota, bixoxota, pachecha, pachuda, pachada,
pachocho, pachucha – muitas das quais ficam para ter fixada sua
ortografia, se em x ou ch?
Os Termos Locais
Os casos acima parecem não ser metafóricos, pois no geral não
significam, antes do chamado emprego erótico, coisa alguma. São,
tendencialmente, os termos próprios em certas pressuposições, ambientes
e regiões, sem terem, porém, força de universalidade pan-brasileira e
muito menos lusofônica. Há outros que são exclusivos de vulva-vagina,
mas muitos locais: arambá – amazônico; babaca, babau, bebas, belbas,
beubas; angiova, besugo, bijóia, bimba, bimba-grande; boçanha, breba,
brecheca (como supostamente diminutivo de brecha), brisda (possivelmente
de Brígida), buça (isto é, ou forma feminina de buço, por pilosa, ou
forma contracta de boceta/buceta), buçanha (ver acima boçanha, ambas
talvez de buça/boça referida, conexa com boceta/buceta), buque, búzio/buzio,
catrana, chana, chanisco, conaça, conana, crica/quirica, fanico ("deu"
ou "teve um faniquito"?...), loré (infantil), patameco, inhanha...
O universo de cunnus – dando-nos cono e cona –, por suas interdições e
tabus, comporta uma imagística cabeludíssima, com galharia para todos os
lados. Mesmo cunnus nos aparece, eruditamente, em cunilingo, cunilinga
(de lingere, lamber), cruzados com o órgão de execução, a língua (ela
mesma também do radical do verbo citado), donde cruzamentos menos
canônicos como cunilíngua, cunilíngue. E dizer que o campo verbal
relativo ao membro dito viril parece ser o dobro deste, pelo menos no
volume inteiro, a ele dedicado, do Dicionário Secreto, de Camilo José
Cela, o romancista espanhol cuja erudição erótica é de espantar...
sobretudo porque não há razão alguma, a priori, para crer que o
espanhol, como língua, seja mais rico que esta nossa língua... Que
alguém entre no assunto...
|
Conheça
o
Ache
Tudo e Região
o portal
de todos Brasileiros. Cultive o hábito de ler, temos
diversidade de informações úteis
ao seu dispor. Seja bem
vindo, gostamos de
suas críticas e sugestões, elas nos ajudam a
melhorar a cada ano.
|
|
|