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  OS NOMES DO PRAZER  
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Por Antônio Houaiss*

Como é que você chama o órgão sexual feminino? O acadêmico Antônio Houaiss tem 330 sinônimos

O desafio me veio de fazer um estudinho sobre a nossa linguagem erótica. Logo ao esboçar seus inícios, caí em mim: como comentar mais de 4000 registros dos dicionários, especializados ou não, sobre a matéria? Iríamos a um tratado – e de modo algo precipitado. Convinha e convém que limitemos o campo. Amorosa, sensual, lasciva, obscena, licenciosa, fescenina, pornográfica, devassa, pornofônica, libidinosa, cupidínea, cupidinosa, voluptuosa, luxuriosa, dissoluta, corrupta, libertina, chula e celestemente (...do céu islâmico, pelo menos...) – fiquemos com (e em torno de) a máquina-de-fazer-menino.

Tomando como base de confirmação os nossos dicionários mais acessíveis (Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Laudelino Freire, Caldas Aulete, Morais Silva na sua segunda edição em 1813, Cândido de Figueiredo, Lacerda etc.) fincamos pé na coleta de dois livrinhos relativamente recentes: o Dicionário do Palavrão e Termos Afins, de Mário Souto Maior e o Dicionário de Termos Eróticos e Afins, de Horácio de Almeida e levantamos sobre vagina e/ou vulva – a máquina-de-fazer-menino – cerca de 330 registros que comentamos a seguir. O primeiro fato relevante é que seu glossário específico – quero dizer dessa maquininha – vai a perto de 8% dos registros dos dois dicionários de base – o que dá uma idéia da importância relativa do tema no universo erótico.

Como para o pênis se pode obter, no mínimo, uma igual contrapartida e como, de sua conjunção, a cópula, se pode obter uma terceira contrapartida proporcional, segue-se que, para esses dois órgãos e sua função generativa (quando o é), há um vocabulário de cerca de 1000 registros, constituindo 25% do total geral. Lembremos que para outras áreas erógenas o percentual é alto, como alto é também o relacionado com as homossexualidades.


* Maior estudioso da língua portuguesa, o acadêmico Antônio Houaiss (1915-1999) foi o organizador do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, que acaba de chegar às livrarias. Em 1985 ele escreveu este artigo para Playboy.

A origem do nome

4000 Palavras Eróticas


Ora, isso, assim dito, é um disparate monumental. Eis por quê: toda língua é um fato social e cultural, não tendo havido (nem haverá) grupo humano com história própria mais ou menos solidária que não tenha língua e, mais, sua língua. Admite-se que há 10000 anos havia na Terra 10 milhões de seres humanos com 20000 línguas – com a média de 500 indivíduos por língua (tudo, é óbvio, aproximativamente). Hoje somos 480 vezes mais, pois somos 4 bilhões e 800 milhões de seres, mas com uma tremenda diferença, do ponto de vista linguageiro: há 10000 anos, cada uma das 20000 línguas tinha, como dissemos, uma média de 500 falantes; hoje, com cerca de (digamos) 10000 línguas (tem havido diminuição e haverá mais ainda), a média de indivíduos seria de 480000 por língua – com a pequenina particularidade de que há línguas de 40000 indivíduos falantes e línguas de milhões de usuários (como o inglês, com 600 – 700 milhões, o espanhol, com 300 – 400 milhões, português 140 – 170 milhões etc.).

O fato de que haja línguas com tradição escrita, tradição iniciada há 3000 anos, acarretou uma diferença clamorosa no estado de coisas das línguas: embora intrinsecamente comparáveis nas suas regras fundamentais de funcionamento, as que não são escritas, ditas "línguas naturais", têm de regra um vocabulário de 3000 palavras mais ou menos, enquanto as "línguas de cultura", as escritas têm vocabulário que chega a 400000 palavras ou mais. É aí que está o disparate: como haver, só para a área erótica, 4000 registros ou averbações e só para vulva x vagina cerca de 330, se as "línguas naturais", para dizerem tudo, não têm senão 3000 vocábulos?

Começou Há 2500 Anos


Há claras explicações para isso, duas das quais aí vão: primeiro, em nenhuma área do Brasil se usa de todas as palavras e termos referidos como eróticos nas coletas; segundo, na imensa maioria dos casos as "palavras" univocabulares eróticas são figurativamente eróticas, pois são palavras e termos de outras áreas de sentido. Na língua árabe, diz-se que há mais de duzentas palavras para designar o camelo; pede-se exemplo e começa-se a ouvir "navio do deserto", "rei das areias", "tanque d’água ambulante" etc.

Tais universos verbais funcionam dentro de certas pressuposições, contextos e direcionamentos específicos dos interlocutores. Quando a pressuposicão não é erótica, "máquina-de-fazer-menino" pode nada mais significar do que isso mesmo, máquina que faz bonecos. Quando a pressuposição entre os interlocutores é erótica ou afim, é inequívoca a proposta "quero brincar com a sua ‘máquina-de-fazer-menino’, minha flor" – tudo aí é metáfora, "quero", "brincar", "máquina", "boneco", "flor" e mesmo "minha".

 

A Vagina Erudita

 
Mas não nos desencantemos. Pois é exatamente no jogo das pressuposições e das figurações que está a magia desse universo verbal – que ninguém ao vivo domina em sua totalidade, pois são termos e expressões generalizados, com a marca da particular psicologia social com que é vivida a matéria erótica. Rigorosamente falando, para designar o que eruditamente é dito pelo complexo vulva x vagina, só há uma palavra, que tem raízes populares remotas: é cono (que só quer dizer isso e não quer dizer outra coisa, exatamente como em latim cunnus, que também só significava isso); seu uso se atesta, também, nas origens do francês, con, masculino como em português (ambas as línguas farão, depois, que coexistam masculino e feminino, francês con/conne, português cono-cona). É a palavra própria também em espanhol, coño, em catalão, cony, em italiano, conno. Essa palavra, evitada em literatura "séria" e em conversação "decente", vive vida viva sem solução de continuidade, há cerca de 2500 anos e acha-se documentada com baixa freqüência em textos satíricos e obscenos de todas as épocas.



Não sendo de emprego "decente", desde cedo duas palavras puramente latinas foram empregadas em substituição nas línguas modernas de cultura, a saber, em português, vulva e vagina. Vulva ocorre em latim de forma anterior volva, presuntivamente conexa com o verbo volvere, por isso, "voltada para dentro de si mesma" – o que já era metafórico, embora em português ninguém dê à palavra outro sentido que o de designativo do Patologia feminino na sua parte mais ostensiva. Vagina é em latim efetivamente "estojo, bainha (sem o segundo sentido), envoltório", sentido original esse que é do espanhol vaina e do português bainha, seus originados. Essa palavra latina, no vulgar, deve ter tido uma pronúncia vagina, origem do nosso português bagem x vagem, que é afinal uma bainha com grãos, internamente.

Assim, com três palavras esgotamos os vocábulos universais em português para a "fábrica" em causa: no popular cono x cona, no erudito, vagina e vulva. O fato é que, para certos segmentos sociais, nas relações amorosas, o primeiro vocábulo, a ser dito, é indelicado, senão que ofensivo; e os outros dois de tal neutralidade e frieza, que têm valor anafrodisíaco, quero dizer, desexcitante, inibidor, brochante – ao que parece. Daí, a reserva enorme, em cada área, dos usos metafóricos (e ocasionalmente metonímicos), figurados em comparações de local, de estrutura, de função, de formato, de cheiro, de gosto, de tato etc. etc. E uma certa aura machista também domina esse campo semântico – pois afinal de contas é matéria verbal predominante de homem sobre matéria natural de mulher. É muito possível que o vocabulário figurado conexo com pênis apresente alguns caracteres de réplica.

O Clitóris e as Variações


Mas antes de entrar em matéria, consideremos alguns elementos periféricos. O clitóris, por exemplo, é designativo greco-erudito para algo que parece não ter vocábulo exclusivo original popular, pois os registros parecem sempre metafóricos: berbigão, brebigão — é o vulgar marisco-pedra, e a metáfora é cromática e, pela forma, aberta bivalve com protuberância; ocorre no sul, de ambientes portugueses; botão — como se diz das flores; seu uso acusa-se sobretudo no nordeste; camarão — metáfora formal e cromática, ocasional em todo o litoral; castanha — metáfora pela forma, de uso culto, por isso, potencialmente geral; carlotinha — notemos essa primeira ocorrência de um nome próprio nesta área erótica; outros virão. Na área do Rio de Janeiro (pelo menos), carlotinha é sobretudo uma pequenina manga, deliciosa, rosadinho-avermelhada.



Será a afinidade cromática e palatal? Sabemos que Carlota, mesmo no diminutivo, é feminino de Carlos. Mas é audacioso, no diminutivo, remontar à nossa Carlota Joaquina; contrapino — em Pernambuco e no Nordeste é mais geralmente o pênis, mas como clitóris ocorre em outras áreas regionais; é metáfora mecânica relativamente nova, pois contrapino em sentido próprio é neologismo deste século; crica — é forma predominante no passado, tanto em Portugal como no Brasil, já desde o século XVI; no Brasil ocorre também a forma quirica, hoje em dia mais geral que a anterior e já sem valor metafórico, como se fosse o designativo próprio de clitóris, embora em pontos vários do país quirica possa referir-se à vulva x vagina; originalmente, parece ser designativo sinônimo de berbigão, como molusco, razão porque a metáfora seria de igual natureza; dedo-sem-unha — alega-se ser de uso no Sul, em particular no Rio Grande do Sul; a imagem, formal, é inequívoca.

Dente-de-alho — nordestino, além da forma, parece ter nexo olfativo; espia-caminho — nordestino, designa tanto o clitóris, em particular, quanto a vulva-vagina em geral; é originalmente o nome de certa erva cuja flor figura uma vulva bem patente; de outro lado espia-caminho, no puro sentido formal, lembra a metáfora atribuída à palavra testículos, que seriam os pequenos testes, "testemunhas" do coito; espia-caminho está em situação mais privilegiada...; grelo — é, talvez, no Brasil, o mais generalizado designativo de clitóris, havendo muito usuário que não sabe que grelo é brotação, germinação vegetal, hastezinha, fonte da metáfora na comparação pela forma; pipi — órgão sexual masculino preferentemente infantil; clitóris infantil; órgão sexual feminino preferentemente infantil; urininha, de menininho ou menininha (nesta, alterna com xixi); na forma pipiu é preferentemente vulva-vagina, mas ocorre também como variante de pipi em todos os sentidos.

Essa diversidade de sentido não é ambígua ao vivo, pelas pressuposições dos interlocutores em cada situação dada. Os dicionários – mesmo os pudicos, que não registram termos ditos chulos – consignam que pipi é qualquer ave que se convoca com esse chamamento, especialmente as galináceas; mas estas têm todas um bico, não grande, que talvez seja a fonte da metáfora masculina, depois generalizada; pevide — imagem literária, provavelmente referida, também, a ânus, menos expressivamente; pevide é, mais usualmente, a semente de certos frutos carnosos (mamão, melancia etc.); pito — no sentido próprio é um cachimbo rústico; designa, no figurado, o clitóris ou mesmo o órgão sexual feminino e também, segundo as pressuposições, o masculino, não raramente, em particular, infantil. São conhecidas as expressões "estar com o pito aceso", estar animadíssimo(a) com a perspectiva de algo (não necessariamente sexual), "sossegar o pito", tranqüilizar-se, não necessariamente no ardor sexual; pelo Brasil inteiro, com um ou mais desses sentidos, ocorre.



Nosso Poeta Maior pediu o pito de Mariquita, pois no seu pito estava o infinito...; pinguelo nordestino, sendo paraense pinguel e, no geral, no Brasil, no feminino, pinguela, uma pontezinha rústica; a imagem deve provir da saliência do lance de uma margem para... o infinito; sambico — dicionários registram essa palavra só como clitóris, quando não haveria metaforismo; mas seu curso parece limitado ao Sul e muito episódico. Mais vivo, no Sul ainda, é o vocábulo sambiquira, que designa a mitra, o uropígio, a titela da galinha, parte saliente que, menor, no diminutivo, seria clitóris; falta pesquisa no respeito; tamatiá — no Norte, Amazonas, é clitóris ou a vulva-vagina; no sentido próprio é uma ave como cegonha e uma planta tiliácea, ambas amazonenses; falece-me a metáfora.



Pela listagem, vê-se que na língua falta um vocábulo popular próprio para clitóris de uso universal no Brasil; recorre-se a metáforas, embora algumas, regionalmente, passem a designar na mente do falante, de preferência ou exclusivamente, o clitóris mesmo.

 

O hímen, o útero e os pêlos pubianos

O Hímen: Começo em Roma


Com o selo vaginal dá-se a mesma coisa: vários designativos metafóricos, nenhum termo próprio exclusivo, predominância do sentido metafórico em certas regiões a ponto de os usuários do termo ignorarem seu "outro" sentido (o original). Desse modo só hímen, greco-latino, fica-nos como seu termo próprio, que tinha o sentido de "membrana, película", mas ainda assim de uso culto (cujo radical nos aparece ainda em himeneu, "canto nupcial, matrimônio"). Erudita ou potencialmente, fala-se, sempre figurativamente, em selo vaginal, selo virginal, flor-do-corpo, honra, virgindade; daí transita-se para expressões algo pícaras, como selo de garantia, tampo ou tampos, três ou três-vinténs (alusivos a uma tríplice prega).



Com o que se chega ao mais universal, no Brasil, dos seus designativos, cabaço, que é associado à cabaça, "vasilha", de origem pré-romana (espanhol calabaza), como se fosse o tampo da vasilha ou a vasilha mesma, embora haja quem lhe atribua (menos verossimilmente) étimo indígena, caso em que seria o termo próprio para a membrana. Há ainda casca-de-limão que ocorre no Sul, e cheta ou chetas, mais corrente – se diz – em Portugal e no Sul do Brasil: no sentido próprio é "pequena moeda de cobre", "vintém" – ou seja, a mesma metáfora que há em três-vinténs acima referido.

O Útero


O útero, de cunho erudito, é pobremente referido, parecendo antes vocábulo da área anatômica pura, ou da medicina popular, que erótica. Em certas áreas rurais, pecuárias, é madre e matriz, como para as vacas. Ocorrem como quase equivalentes o eruditismo ovário e sua forma popular oveiro.

Os Pêlos Pubianos


Lembremos, ainda, que os pêlos pubianos ou mesmo o púbis desde muito cedo foram metonimicamente, isto é, por contigüidade de uso, designados por pente, que, no próprio, é utensílio denteado para alisar pêlos e cabelos. Mas hoje em dia prevalecem derivados seus, como pentelho e pentelhos, pentelheira, pentelhame, pentelhuda (substantivamente) – aplicáveis a ambos os Patologias.

Acusa-se que ter "flor no jardim" é alusão aos primeiros pêlos pubianos, no Sul do país. O púbis feminino mesmo é, em imagem erudita antiqüíssima, o monte-de-vênus, que é, no Nordeste, a peladinha em certas fêmeas e tambá, que no sentido próprio é "concha", imagem extensiva à vulva.

Os genitais e os nomes afetivos

Até Bolsa-de-Valores


Os genitais, ditos também a genitália, no feminino (mas originalmente um neutro plural latino), compreendem a vulva, a vagina, o útero, o ovário, as trompas, o pênis, os testículos, a uretra, a próstata etc. – cumulativamente macho e fêmea. A anatomia é mais analítica, designando, por exemplo, como ninfa os pequenos lábios. Mas vulva e vagina são de riquíssima nomenclatura – a principiar pelo emprego de adjetivos femininos com o substantivo subentendido: larga, aguada, apertada, arrombada, bela, perseguida/prissiguida, bochechuda, cabeluda, crespa, papuda, pentelhuda, preta, suada, fofa (fofar é "copular"), gostosa – numa distribuição regional difícil de precisar, pois dentro das pressuposições entre interlocutores e/ou interlocutoras a acepção se faz evidente, pela forte descritividade desses adjetivos, em que há conotações díspares, ora menospresivas ora afetuosíssimas.



Uma das mais freqüentes imagens, no substantivo mesmo, é a de receptáculo, estojo, bainha, entrada (como já o é no latim vagina mesmo): arapuca-de-caçar-pinto, arca-conana (já em Gregório de Matos), bainha, bainha-de-homem, barroca (ó), baú, boca-de-baixo, boca-de-bicho, boca-de-cabelo, boca-de-jacaré, boca-de-sapo, boca-do-mato, boca-do-corpo, boca-em-pé, boca-sem-dentes, boceta/buceta (sobre a qual se fala adiante), boeta (variante pouco freqüente da anterior), bolsa-de-valores, brecha, buraco-de-minhoca, caixinha-de-segredos, caneco-de-couro, canoinha, carteira, cartola, castelo-do-amor, caverna, chincha (= canoa, canoinha), concha, cova, loca, engole-cobra, engole-espada, fenda, forno, furna, gaveta, grota, greta, gruta, gretagarbo, gruta-do-amor, goelão, enxu (= vespeiro, colmeia), lance (de lancetar), lanho, lasca, lascão, lascadinha, lascada, mealheiro (= cofre), moente (= moedor = moedouro, sendo moer = "copular"), ninho-de-piroca, ninho-de-rola, olha (ôlha = panela, já em Gregório de Matos), panela-rachada (empregada em carta familiar pelo patriarca José Bonifácio para sua filha recém-nascida), pichéu/pichel (= vasilha de vinho), porteira-do-mundo, racha, rachadura, rego, rego-de-mijar, samburá (= cesta), tabaqueira (donde "tirar o tabaco, da [tabaqueira]"= deflorar), tabaco, tigela-com-pêlos, vaso, vaso dianteiro, vão...

Dos acima mencionados, lembre-se que boceta é, propriamente, uma caixa, caixinha, escrínio, com o quase predomínio desses sentidos em Portugal, onde há como nome (sobrenome) familiar e onde ainda se diz da caixa de Pandora (a deusa de cuja caixa podiam sair todas as benesses e, digamos, todas as malesses) "boceta de Pandora". Desse modo, em Portugal, quando referida ao Patologia feminino, é sentida em toda a sua força metafórica, que por seu étimo é conexa com o francês boîte, "caixa". No Brasil, em que a pronúncia parece ser universalmente bu–, perdeu-se, no vulgar, o sentido original, sendo por isso tomada como termo próprio do Patologia feminino e dominantemente grafado nos escritos satíricos e fesceninos como buceta.

Com Carga Afetiva


Ressalta a relativa freqüência de nomes de animais (lato sensu) como metáforas de vulva-vagina, em geral belos, ou esquivos, ou negros, ou perigosos (ah, os psicanalistas!): aranha, arraia-preta, bacalhau (há aqui alusão olfativa, dominantemente), bacorinho, barata, baratinha, bichana, borboleta, cachorro, caranguejeira, caranguejo, concriz/concliz (currupião), cururu (o sapo), lacraia, marisco-da-barra, marmota, mosca, pássara, pássaro, passarinha (no masculino é em geral pênis), perereca, periquita/priquita, pomba, pombinha, rata, rola, rolinha, sapo, sururu, tatu, ursa... Cor, pêlos, fugitividade, beleza, rechonchudez, hediondez fazem os ambientes para as conotações desiderativas, carinhosas, despeitadas, pejorativas, nobilitativas...



Certas metáforas são de expressiva evidência, através de nexos associativos ricos de cargas afetivas e desafetivas, libidinosas ou ilibidinosas. Eis algumas: áfrica (alusão ao negrume do cabelo pixaim, dominante entre nós, malgrado as louras e as falsas louras), almofada, aposentos privativos, balceira (onde nas áreas em que a palavra é empregada, todos sabem que balça é "mata espessa"), bigode, bisegre (por sua função, como utensílio de sapateiro, de só ser eficaz se bem esfregado), bombril (idem), cachimbo (já aqui como prazer de pitar, ver antes), caiçara (no sentido de recesso ou mata espessa onde o caçador se embosca), cara-preta, cara-de-sapo, casco-de-veado, casco-de-veadinho, (alusão à forma, quando protuberante), cuscuz (uma abundância de sentidos: duplo, doce, múltiplo para as chamadas partes, para os seios, para as ancas, para as nádegas), engenho-d’água, entre-pernas (puro locativo), fábrica-de-fazer-boneco (funcional), fábrica-de-fazer-menino (idem), ferida (visual), fidel-castro (pelas barbas), fonte,



gramado (pelas ervas-pêlos), ilha-negra, ímã-do-mundo, isqueiro (porque se incendeia e incendeia), lambedeira (= lambedouro, lugar onde se lambe, cunilinga), nascedouro (onde se nasce), mapa-múndi (variação da mesma pretensão de ímã-do-mundo, ver acima), máquina-de-fazer-menino, mata, mata-homem, meio e meios (locativo), microfone-cabeludo (alusão ao cunilinga), mijador, carne-mijada, mijadeiro, nascedouro, olho-d’água, países-baixos, pé-de-barriga, jóia, joinha (infantil), prendas, rocinhas (pelas ervas-pêlos), segredo, segredinho (infantil), tira-prova-de-homem, touceira, triângulo...

Membro com nome próprio e variações locais

Membro com Nome Próprio


Já se notou que, na linguagem intermasculina, não poucos interlocutores se referem, picaramente, ao seu próprio membro viril por meio de um nome próprio que não seja o do seu nome mesmo; assim um João pode falar do seu Francisco, que é o membro, pura e simplesmente. Destarte, alguns se consolidaram sem função conotativa, como zezinho. É possível que o fato ocorra também interfemininamente. Seja como for, registramos para vulva-vagina os seguintes (pelo menos) prenomes: chiquita, greta-garbo (motivado, eufemisticamente, por greta), laurinha, paranho, margarida (pode ser também a flor), tereza, zezinha...

Na flora também, flores e frutos, se sugerem aspectos visuais, palatais e olfativos denotativos de vulva-vagina: barbiana, cebola-quente, flor, flor-de-maracujá, maçã (que no plural são seios), margarida (meninesca, ver supra), papoula, romã, rosa, rosinha (meninesca), tapioca...



Menos freqüentemente, ocorrem denotações com conotações olfativas e palatais, como podem ser vários casos da série acima, ademais dos seguintes: cheiro-de-bacalhau, filé, língua-de-vaca, nhaca, pão-crioulo, xexéu (=bodum). Nas relações figurativas acima, nesta primeira tentativa de depreender motivações comparativas em grupo, é possível que mais de um denotador tenha sido mal colocado. O campo é extenso e fluido, por demais. Somente quando as averbações ou pesquisas de campo forem acompanhadas de abonações que elucidem pressuposições, contextos e interlocutores, é que se poderá avançar no conhecimento da matéria.



Há, ademais, estruturações fonético-fonológicas que parecem motivadas entre si: ninguém ignora a força expressiva de palavras infantis (e, por conseguinte, impregnantes) como pipi, xixi. Será por acaso que, ao lado de pipi, com o mesmo sentido, quase que em jogo, ludicamente, ocorram denotativos (não metaforicamente motivados) como pichita, pililio, pitio, pixana, pixéu/pichéu, prexeta, prexexa e, caindo no motivador xi, xe, xo, se passe a xerecas, xereia, xeréia, xexeca, xexéu (que "significa", vimos acima), xiba, xibio, xinxa, xinim, xiranha, xiri, xiricas, xiruba, xixim, xota, xoxota, bixota, bixoxota, pachecha, pachuda, pachada, pachocho, pachucha – muitas das quais ficam para ter fixada sua ortografia, se em x ou ch?

Os Termos Locais


Os casos acima parecem não ser metafóricos, pois no geral não significam, antes do chamado emprego erótico, coisa alguma. São, tendencialmente, os termos próprios em certas pressuposições, ambientes e regiões, sem terem, porém, força de universalidade pan-brasileira e muito menos lusofônica. Há outros que são exclusivos de vulva-vagina, mas muitos locais: arambá – amazônico; babaca, babau, bebas, belbas, beubas; angiova, besugo, bijóia, bimba, bimba-grande; boçanha, breba, brecheca (como supostamente diminutivo de brecha), brisda (possivelmente de Brígida), buça (isto é, ou forma feminina de buço, por pilosa, ou forma contracta de boceta/buceta), buçanha (ver acima boçanha, ambas talvez de buça/boça referida, conexa com boceta/buceta), buque, búzio/buzio, catrana, chana, chanisco, conaça, conana, crica/quirica, fanico ("deu" ou "teve um faniquito"?...), loré (infantil), patameco, inhanha...

O universo de cunnus – dando-nos cono e cona –, por suas interdições e tabus, comporta uma imagística cabeludíssima, com galharia para todos os lados. Mesmo cunnus nos aparece, eruditamente, em cunilingo, cunilinga (de lingere, lamber), cruzados com o órgão de execução, a língua (ela mesma também do radical do verbo citado), donde cruzamentos menos canônicos como cunilíngua, cunilíngue. E dizer que o campo verbal relativo ao membro dito viril parece ser o dobro deste, pelo menos no volume inteiro, a ele dedicado, do Dicionário Secreto, de Camilo José Cela, o romancista espanhol cuja erudição erótica é de espantar... sobretudo porque não há razão alguma, a priori, para crer que o espanhol, como língua, seja mais rico que esta nossa língua... Que alguém entre no assunto...



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