Joaquim José da Silva Xavier
Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, (Fazenda do Pombal, batizado
em 12 de novembro de 1746 — Rio de Janeiro, 21 de abril de 1792) foi um
dentista, tropeiro, minerador, comerciante, militar e ativista
que atuou no Brasil colonial, mais especificamente nas capitanias de
Minas Gerais e Rio de Janeiro. No Brasil, é reconhecido como mártir da
Inconfidência Mineira, patrono cívico e herói nacional.
Biografia
Nascido em uma fazenda no distrito de Pombal, próximo ao arraial de Santa
Rita do Rio Abaixo, à época território disputado entre as vilas de São João
del-Rei e São José do Rio das Mortes, na Minas Gerais.
O local de nascimento
é uma ironia da história. O Marquês de Pombal foi arqui-inimigo de Dona
Maria I contra a qual Tiradentes conspirou, e que comutou as penas dos
inconfidentes.
Joaquim José da Silva Xavier era filho do reinol Domingos da Silva Santos,
proprietário rural, e da brasileira Maria Antônia da Encarnação Xavier,
tendo sido o quarto dos sete filhos.
Veja a cidade de Tiradentes |
Tiradentes Esquartejado, em tela de Pedro Américo (1893)-
Acervo: Museu Mariano Procópio.
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Em 1755, após o falecimento da mãe, segue junto a seu pai e irmãos para a
sede da Vila de São José; dois anos depois, já com onze anos, morre seu pai.
Com a morte prematura dos pais, logo sua família perde as propriedades por
dívidas.
Não fez estudos regulares e ficou sob a tutela de um padrinho, que
era cirurgião. Trabalhou como mascate e minerador, tornou-se sócio de uma
botica de assistência à pobreza na ponte do Rosário, em Vila Rica, e se
dedicou também às práticas farmacêuticas e ao exercício da profissão de
dentista, o que lhe valeu a alcunha Tiradentes, um tanto depreciativa. Não
teve êxito em suas experiências no comércio.
Com os conhecimentos que adquirira no trabalho de mineração, tornou-se
técnico em reconhecimento de terrenos e na exploração dos seus recursos.
Começou a trabalhar para o governo no reconhecimento e levantamento do
sertão brasileiro. Em 1780, alistou-se na tropa da Capitania de Minas
Gerais; em 1781, foi nomeado comandante do destacamento dos Dragões na
patrulha do "Caminho Novo", estrada que servia como rota de escoamento
da produção mineradora da capitania mineira ao porto Rio de Janeiro.
Foi
a partir desse período que Tiradentes começou a se aproximar de grupos
que criticavam a exploração do Brasil pela metrópole, o que ficava
evidente quando se confrontava o volume de riquezas tomadas pelos
portugueses e a pobreza em que o povo permanecia. Insatisfeito por não
conseguir promoção na carreira militar, tendo alcançando apenas o posto
de alferes, patente inicial do oficialato à época, e por ter perdido a
função de comandante da patrulha do Caminho Novo, pediu licença da
cavalaria em 1787.
Morou por volta de um ano na cidade carioca, período em que idealizou
projetos de vulto, como o bondinho do pão-de-açucar e a canalização dos
rios Andaraí e Maracanã para a melhoria do abastecimento d'água no Rio
de Janeiro; porém, não obteve aprovação para a execução das obras. Esse
desprezo fez com que aumentasse seu desejo de liberdade para a colônia.
De volta às Minas Gerais, começou a pregar em Vila Rica e arredores, a
favor da independência daquela província. Organizou um movimento aliado
a integrantes do clero e da elite mineira, como Cláudio Manuel da Costa,
antigo secretário de governo, Tomás Antônio Gonzaga, ex-ouvidor da
comarca, e Inácio José de Alvarenga Peixoto, minerador.
O movimento
ganhou reforço ideológico com a independência das colônias
estadunidenses e a formação dos Estados Unidos da América. Ressalta-se
que, à época, oito de cada dez alunos brasileiros em Coimbra eram
oriundos das Minas Gerais, o que permitiu à elite regional acesso aos
ideais liberais que circulavam na Europa.
O movimento
Variação da bandeira inconfidente, cerca de 1789.
Além das
influências externas, fatores regionais e econômicos
contribuíram também para a articulação da conspiração nas Minas
Gerais.
Com a constante queda na receita provincial, devido ao
declínio da atividade mineiradora, a administração de Martinho
de Melo e Castro instituiu medidas que garantissem o quinto,
imposto que obrigava os moradores das Minas Gerais a pagar,
anualmente, cem arrobas de ouro, destinadas à Real Fazenda.
A
partir da nomeação de Luís da Cunha Meneses como governador da
província, em 1782, ocorreu a marginalização de parte da elite
local em detrimento de seu grupo de amigos. |
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O sentimento de
revolta atingiu o máximo com a decretação da derrama, uma medida
administrativa que permitia a cobrança forçada de impostos
atrasados, mesmo que preciso fosse confiscar todo o dinheiro e
bens do devedor, a ser executada pelo novo governador das Minas
Gerais, Luís Antônio Furtado de Mendonça, 6.º Visconde de
Barbacena (futuro Conde de Barbacena), o que afetou
especialmente as elites mineiras. Isso se fez necessário para se
saldar a dívida mineira acumulada, desde 1762, do quinto, que à
altura somava 538 arrobas de ouro em impostos atrasados.
O movimento se iniciaria na noite da insurreição: os líderes da "inconfidência"
sairiam às ruas de Vila Rica dando vivas à República, com o que
ganhariam a imediata adesão da população. Porém, antes que a conspiração
se transformasse em revolução, em 15 de março de 1789 foi delatada aos
portugueses por Joaquim Silvério dos Reis, coronel, Basílio de Brito
Malheiro do Lago, tenente-coronel, e Inácio Correia de Pamplona,
luso-açoriano, em troca do perdão de suas dívidas com a Real Fazenda.
Anos depois, por sua delação e outros serviços prestados à Coroa,
Silvério dos Reis receberia o título de Fidalgo.
Entrementes, em 14 de março, o Visconde de Barbacena já havia suspendido
a derrama o que de esvaziara por completo o movimento. Ao tomar
conhecimento da conspiração, Barbacena enviou Silvério dos Reis ao Rio
para apresentar-se ao vice-rei, que imediatamente (em 7 de maio) abriu
uma investigação (devassa). Avisado, o alferes Tiradentes, que estava em
viagem licenciada ao Rio de Janeiro escondeu-se na casa de um amigo, mas
foi descoberto ao tentar fazer contato com Silvério dos Reis e foi preso
em 10 de maio. Dez dias depois o Visconde de Barbacena iniciava as
prisões dos inconfidentes em Minas.
Dentre os inconfidentes, destacaram-se os padres Carlos Correia de
Toledo e Melo, José da Silva e Oliveira Rolim e Manuel Rodrigues da
Costa, o tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade,
comandante dos Dragões, os coronéis Domingos de Abreu Vieira e Joaquim
Silvério dos Reis (um dos delatores do movimento), os poetas Cláudio
Manuel da Costa, Inácio José de Alvarenga Peixoto e Tomás Antônio
Gonzaga, ex-ouvidor.
Os principais planos dos inconfidentes eram: estabelecer um governo
republicano independente de Portugal, criar manufaturas no país que
surgiria, uma universidade em Vila Rica e fazer de São João del-Rei a
capital. Seu primeiro presidente seria, durante três anos, Tomás Antônio
Gonzaga, após o qual haveria eleições.
Nessa república não haveria
exército – em vez disso, toda a população deveria usar armas, e formar
uma milícia quando necessária. Há que se ressaltar que os inconfidentes
visavam a autonomia somente da província das Minas Gerais, e em seus
planos não estava prevista a libertação dos escravos africanos, apenas
daqueles nascidos no Brasil.
A leitura da sentença de Tiradentes (óleo sobre tela de Leopoldino Faria).
Óleo sobre tela de Leopoldino de Faria (1836-1911) retratando a Resposta
de Tiradentes à comutação da pena de morte dos Inconfidentes.
Julgamento e sentença
Negando a princípio sua participação, Tiradentes foi o único a,
posteriormente, assumir toda a responsabilidade pela "inconfidência",
inocentando seus companheiros. Presos, todos os inconfidentes aguardaram
durante três anos pela finalização do processo.
Alguns foram condenados
à morte e outros ao degredo; algumas horas depois, por carta de
clemência de D. Maria I, todas as sentenças foram alteradas para degredo,
à exceção apenas para Tiradentes, que permaneceu com a pena capital,
porém não por morte cruel como previam as Ordenações do Reino:
Tiradentes foi enforcado.
Os réus foram sentenciados pelo crime de "lesa-majestade",
definida, pelas ordenações afonsinas, como traição contra o rei.
Crime este comparado à hanseníase pelas Ordenações Afonsinas:
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A leitura da sentença de
Tiradentes (óleo sobre tela de Leopoldino Faria). |
-“Lesa-majestade quer dizer traição cometida contra a pessoa do
Rei, ou seu Real Estado, que é tão grave e abominável crime, e
que os antigos Sabedores tanto estranharam, que o comparavam à
lepra; porque assim como esta enfermidade enche todo o corpo,
sem nunca mais se poder curar, e empece ainda aos descendentes
de quem a tem, e aos que ele conversam, pelo que é apartado da
comunicação da gente: assim o erro de traição condena o que a
comete, e empece e infama os que de sua linha descendem, posto
que não tenham culpa.”
Em parte por ter sido o único a assumir a responsabilidade, em parte,
provavelmente, por ser o inconfidente de posição social mais baixa, haja
vista que todos os outros ou eram mais ricos, ou detinham patente
militar superior. Por esse mesmo motivo é que se cogita que Tiradentes
seria um dos poucos inconfidentes que não eram maçons.
E assim, numa manhã de sábado, 21 de abril de 1792, Tiradentes percorreu
em procissão as ruas do centro da cidade do Rio de Janeiro, no trajeto
entre a cadeia pública e onde fora armado o patíbulo. O governo geral
tratou de transformar aquela numa demonstração de força da coroa
portuguesa, fazendo verdadeira encenação. A leitura da sentença estendeu-se
por dezoito horas, após a qual houve discursos de aclamação à rainha, e
o cortejo munido de verdadeira fanfarra e composta por toda a tropa
local. Bóris Fausto aponta essa como uma das possíveis causas para a
preservação da memória de Tiradentes, argumentando que todo esse
espetáculo despertou a ira da população que presenciou o evento.
Executado e esquartejado, com
seu sangue se lavrou a certidão de que estava cumprida a
sentença, tendo sido declarados infames a sua memória e os seus
descendentes. |
Óleo sobre tela de Leopoldino
de Faria (1836-1911) retratando a Resposta de Tiradentes à
comutação da pena de morte dos Inconfidentes. |
Sua cabeça foi erguida em um poste
em Vila Rica, tendo sido rapidamente cooptada e nunca mais localizada;
os demais restos mortais foram distribuídos ao longo do Caminho Novo:
Santana de Cebolas (atual Inconfidência, distrito de Paraíba do Sul),
Varginha do Lourenço, Barbacena e Queluz (antiga Carijós, atual
Conselheiro Lafaiete), lugares onde fizera seus discursos
revolucionários. Arrasaram a casa em que morava, jogando-se sal ao
terreno para que nada lá germinasse.
Legado
Martírio de Tiradentes, óleo sobre tela de Francisco Aurélio de
Figueiredo e Melo (1854 — 1916).Tiradentes permaneceu, após a
Independência do Brasil, uma personalidade histórica relativamente
obscura, dado o fato de que, durante o Império, os dois monarcas, D.
Pedro I e D. Pedro II, pertenciam à casa de Bragança, sendo,
respectivamente, neto e bisneto de D. Maria I, quem havia emitido a
sentença de morte de Tiradentes. Foi a República – ou, mais precisamente,
os ideólogos positivistas que presidiram sua fundação – que buscaram na
figura de Tiradentes uma personificação da identidade republicana do
Brasil, mitificando a sua biografia. Daí a sua iconografia tradicional,
de barba e camisolão, à beira do cadafalso, vagamente assemelhada ao
mito
Jesus Cristo e, obviamente, desprovida de verossimilhança. Como militar,
o máximo que Tiradentes poder-se-ia permitir era um discreto bigode. Na
prisão, onde passou os últimos três anos de sua vida, os detentos eram
obrigados a raspar barba e cabelo a fim de evitar piolhos. Também, o
nome do movimento, "Inconfidência Mineira", e de seus participantes, os
"incofidentes", foi cunhado posteriormente, denotando o caráter negativo
da sublevação – inconfidente é aquele que trai a confiança.
Tiradentes nunca se casou, mas teve dois filhos: João, com a
mulata Eugênia Joaquina da Silva, e Joaquina, com a ruiva
Antônia Maria do Espírito Santo, que vivia em Vila Rica.
Atualmente, foi concedida à sua tetraneta Lúcia de Oliveira
Menezes, por meio da Lei federal 9.255/96, uma pensão especial
do INSS no valor de R$ 200,00, o que causou polêmica sobre a
natureza jurídica deste subsídio, mas solucionado pelo STF no
agravo de instrumento 623.655. |
Martírio de Tiradentes, óleo
sobre tela de Francisco Aurélio de Figueiredo e Melo (1854 —
1916). |
Atualmente, onde se encontrava sua prisão foi erguido o Palácio
Tiradentes; onde foi enforcado ora se encontra a Praça Tiradentes e onde
sua cabeça foi exposta fundou-se outra Praça Tiradentes. Em Ouro Preto,
na antiga cadeia, hoje há o Museu da Inconfidência. Tiradentes é
considerado atualmente Patrono Cívico do Brasil, sendo a data de sua
morte, 21 de abril, feriado nacional. Seu nome consta no Livro de Aço do
Panteão da Pátria e da Liberdade, sendo considerado Herói Nacional.
Bibliografia
AQUINO, Rubim Santos Leão de; BELLO, Marco Antônio Bueno; DOMINGUES,
Gilson Magalhães. Um sonho de liberdade: a conjuração de Minas. São
Paulo: Editora Moderna, 1998. 176p. il. ISBN 8516021009
CHIAVENATO, Júlio José. As várias faces da Inconfidência Mineira. São
Paulo: Contexto, 1989. 88p. il. ISBN 8585134429
JARDIM, Márcio. A Inconfidência Mineira: uma síntese factual. Rio de
Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1989. 416p. ISBN 857011141X
MEIRELES, Cecília. Romanceiro da Inconfidência. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2005.
MAXWELL, Kenneth. A devassa da devassa: a Inconfidência Mineira: Brasil-Portugal
- 1750-1808. São Paulo: Paz e Terra, 1985. 318p. mapas, tabelas. ISBN
8521903979
Tiradentes: a sentença. Rio de Janeiro: ALERJ, 1992. 54p.
Tiradentes: os caminhos do ouro. Brasília: Imprensa Nacional, 1992. 26p.
il.
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