Guerra
dos Emboabas foi um confronto travado de 1707 a 1709, pelo direito
de exploração das recém-descobertas jazidas de ouro, na região das
Minas Gerais, no Brasil. O conflito contrapôs, de um lado, os
desbravadores vicentinos, grupo formado pelos bandeirantes
paulistas, que haviam descoberto a região das minas e que por esta
razão reclamavam a exclusividade de explorá-las; e de outro lado um
grupo heterogêneo composto de portugueses e imigrantes das demais
partes do Brasil, sobretudo da Bahia, liderados por Manuel Nunes
Viana – pejorativamente apelidados de “emboabas” pelos vicentinos –,
todos atraídos à região pela febre do ouro.
Data 1706 - 1709
Local Atual Minas Gerais
Resultado Derrota dos paulistas.
Criação da Capitania de São Paulo e Minas de Ouro.
Combatentes
Bandeirantes, Paulistas e "Emboabas"
Portugueses e "Emboabas" de outras colônias
Comandantes
Borba Gato e Manuel Nunes Viana
|
|
Em novembro de 1708 Cachoeira do Campo, distrito de Ouro Preto, foi
um dos palcos do sangrento conflito envolvendo os direitos de
exploração de ouro na futura Capitania de Minas Gerais.
Este episódio não foi todo esclarecido ainda, sendo que há várias
passagens obscuras.
|
Dentro desta rivalidade ocorreram muitas situações que
abalaram consideravelmente as relações entre os dois grupos.
|
Os emboabas
Pepita de ouro.Logo que a descoberta do ouro se espalhou, milhares
de pessoas imigraram para a região, ficando pejorativamente
conhecidos como "emboabas". O significado exato dessa palavra
indígena, provavelmente tupi, é controversa.
Para algumas fontes, referia-se ao fato de que os imigrantes
protegerem as pernas[1] e os pés com botas e rolos de panos, ficando
parecidos com aves designadas por tal nome.
Outros referenciam como galinhas calçudas.
|
Segundo o
Dicionário Houaiss, emboaba seria a junção das palavras
tupis mbo ("fazer que") + aba ("ferir"), sendo que mbo'aba
seria um epíteto coletivo, aplicado a um grupo, e não apenas
a um indivíduo. Assim, "os que invadem, agridem". |
Contexto
Minas Gerais
em destaque
Conflitos na História do Brasil
- Período Colonial -
Movimentos Nativistas
Aclamação de Amador Bueno: 1641
Revolta da Cachaça: 1660-1661
Conjuração de "Nosso Pai": 1666
Revolta de Beckman: 1684
Guerra dos Emboabas: 1708-1709
Revolta do Sal: 1710
Guerra dos Mascates: 1710-1711
Motins do Maneta: 1711
Revolta de Felipe dos Santos: 1720
Movimentos Emancipacionistas
Conjuração Mineira: 1789
Conjuração Carioca: 1794
Conjuração Baiana: 1798
Conspiração dos Suaçunas: 1801
Revolução Pernambucana: 1817
Guerras indígenas
Confederação dos Tamoios: 1555-1567
Guerra dos Aimorés: 1555-1673
Guerra dos Potiguares: 1586-1599
Levante dos Tupinambás: 1617-1621
Confederação dos Cariris: 1686-1692
Revolta de Mandu Ladino : 1712-1719
Guerra dos Manaus: 1723-1728
Resistência Guaicuru: 1725-1744
Guerrilha dos Muras: todo o século XVIII
Guerra Guaranítica: 1753-1756 |
Minas Gerais em destaque |
Mapa do Brasil após a
guerra dos Emboabas |
|
A corrida pelo ouro atraiu para a região cerca de 50 mil pessoas
"que fervilhavam à beira dos rios e caminhos, nos sertões distantes
e inóspitos".
Os bandeirantes se denominaram com maiores direitos sobre o ouro das
minas, seja por eles serem os descobridores do lugar, ou seja, pelo
fato daquela região fazer parte da capitania de São Vicente, assim
como pelas sucessivas rejeições da Coroa e reveses em Palmares e
guerras de açu. Prova disso foi petição da Câmara de São Paulo, de 7
de Abril de 1700, que requereu que a outorga do território aurífero
fosse exclusivamente pelas autoridades desta capitania. Teve papel
no conflito o protetor de Manuel Nunes Viana, Pascoal da Silva
Guimarães.
Enquanto isso, os colonos da Bahia e de Pernambuco estavam muito
mais ligados aos portugueses que aos paulistas. Os nomes que
trocaram entre si mostravam suas diferenças. Os da terra eram
chamados de "nômades", ou "bandoleiros sem lei", apelidaram os
estrangeiros de emboabas, incluindo os vindos de outras capitanias.
Os baianos e pernambucanos e os outros considerados estrangeiros
ficaram do lado dos portugueses.
Para os paulistas, aqueles que não participaram dos esforços na
procura de ouro não deveriam ter os mesmos direitos na exploração. A
tensão entre os paulistas (também chamados de vicentinos) e os
demais exploradores crescia, motivada pelo aumento no fluxo
populacional e pela insistência dos paulistas e emboabas de
controlarem a região.
Apesar de se misturarem pelas regiões povoadas das minas, paulistas
e emboabas não se uniam, ao contrário, se juntavam cada grupo com um
representante. O ex-bandeirante Manuel de Borba Gato era o líder dos
paulistas, enquanto os emboabas eram liderados por Manuel Nunes
Viana, português que veio para Bahia jovem, e era conhecido por atos
de coragem que o trouxeram para a região onde era proprietário de
lucrativas minas.
Outra causa da guerra seria o alto preço dos mantimentos, inclusive
pela limitada oferta em ocasião do aumento da demanda. Os
comentários de Antonil em 1709 o provam e se tornou clássico o
trecho em que relata "a abundância de mantimentos e de todo o usual
que hoje há nas Minas e do pouco caso que se faz dos preços
extraordinariamente altos»: um alqueire de farinha em São Paulo
custava 640 rs, mas em Minas 43.000 rs! E assim por diante, uma
libra de açúcar 120 réis em São Paulo e 1200 nas Minas, uma galinha
de 160 para 4.000 rs, etc. Eliane Teixeira Lopes cita em sua obra um
ensaio de Eduardo Frieiro, “Feijão, angu e couve” de 1966 que
corrobora os acontecimentos. E J. Soares de Mello, em seu livro
«Emboabas», de 1979, página 48, comenta:
«Foi na época da fome como medida de prudência que Artur de Sá
concedeu a Amaral Gurgel o estanco ou monopólio dos açougues. Não
tardaram nada os abusos. O povo foi esmagado. E quando o monopólio
chegou aos seus anos derradeiros e veladamente começaram as
transações para o prorrogar, os paulistas se levantaram.»
Por carta, o Rei, para suprir a falta de gado, ordenara a D. Álvaro
conceder a maior parte possível das terras entre o Rio de Janeiro e
a serra dos Órgãos «com a obrigação de cada um dos donatários de pôr
um curral de gado dentro de dois e até três anos no sitio que se
lhes der, por se entender que com a fertilidade destas terras
abundarão as capitanias em gado.» Mas nada era assim tão simples…
Em 1702 o governador D. Álvaro da Silveira e Albuquerque fizera
doação, aumentando o domínio de Muribeca, no Espírito Santo,
propriedade do colégio dos jesuítas do Rio de Janeiro, fundado no
século XVII em terras doadas pelo Conde de Castelo Melhor, e que em
1701 possuía apenas 1.630 cabeças de gado - enquanto isso suas
fazendas no Rio e em Santa Cruz, Campos dos Goitacases e Campos
Novos de São João em 1701 teriam 20 mil.
Foram baldadas, de 1702 a 1705, as providências do governador da
Bahia, D. Rodrigo da Costa, para obstar a emigração que das
províncias beira-mar se estava dando para as minas descobertas no
atual Estado de Minas, principalmente vinda da Bahia, donde se
transportavam muitas pessoas com seus escravos.
D. Rodrigo estabeleceu diversos presídios no interior para apreensão
de escravos que fossem conduzidos para as minas. O ouro foi a pedra
iman, uma veemente atração: e formaram-se dois partidos, o dos
paulistas e o dos emboabas. O historiador Diogo de Vasconcelos
comenta: «paulistas e taubateanos teriam declarado talvez guerra
pela posse de terrenos em Minas se não surgissem os forasteiros,
inimigo comum que os amedrontou e uniu.»
Do reino, vinha o exemplo - formado de senhorios e conselhos
autônomos, fabricado aos poucos e aos pedaços, federação de
distritos fundidos pela política e nacionalizados pela História.
Quando no Brasil as capitanias passaram a ser incorporadas à Coroa,
ao Governo direto do Reino, o fizeram na forma por que de antes
existiam, não se tinha concebido a ideia abstrata e consolidaria da
pátria: forasteiro, para a gente Paulista, ou quase inimigo, era o
natural de outras províncias, porque entendiam pertencer-lhes
domínio exclusivo das minas por eles descobertas e povoadas no
sertão.»
O conflito
Pintura representando a Guerra dos Emboabas.Datam de 1706 as
primeiras dissensões no arraial da Ponta do Morro, depois do Rio das
Mortes, pela "morte injusta e tirânica que fez um paulista de um
humilde forasteiro que vivia de uma pobre agência". Outro cronista
diz por haver alguns índios carijós embriagados matado um português.
Diogo de Vasconcelos, por sua vez, descreve:
"Viajando por ali uns carijós para São Paulo, entraram a beber na
venda de um novato reinol; rivalidade era tema assentado de todas as
conversas; os carijós começam a falar de reinóis, defendidos pelo
novato, pouco experiente, entre a bebiba, houve altercação, e no
ardor da discussão, foi morto o português pelos carijós.
Fugiram estes, e houve dois dias de batida para os descobrir -
voltaram os do arraial, os moradores tinham-se reunido e determinado
enviar ao Rio uma comissão de procuradores pedir a D. Fernando
Martins Mascarenhas Lencastre compadecer-se da situação e lhes
mandar autoridade para reprimir malfeitores e bandidos."
Em 1707, no Arraial Novo do Rio das Mortes, dois chefes importantes
dos paulistas foram linchados pelos emboabas. Com medo de uma
vingança, fugiram para a mata, ficando apenas um pequeno grupo na
resistência. Os paulistas, apesar de terem motivos para agir,
limitaram-se a enterrar seus chefes, e não enfrentaram os emboabas.
Isso encorajou os emboabas que haviam fugido para a mata a voltar e
a não mais se aterrorizarem com os paulistas.
Não se deve pensar, segundo os historiadores, que estava em jogo
apenas o ouro: «Intervieram também criadores de gado e não apenas
mineradores emigrados de São Vicente. Os criadores reagiram ao
sistema de contratos com o objetivo de assegurar, com exclusividade,
o fornecimento a açougues de animais para o abate e de arbitrar a
venda da carne ao consumidor.
Em 1708, um choque inevitável aconteceu, e os dois lados voltaram a
guerrear. Manuel de Borba Gato interveio, banindo Nunes Viana da
região do Rio das Velhas, porém, sem sucesso.
Várias tentativas de acordo foram feitas, todas infrutíferas. Os
emboabas tomaram a iniciativa de desarmar todos os paulistas que
encontravam, com o pensamento que estes preparavam um grande ataque
contra eles. Houve pouca resistência, e ao fim de 1708 os emboabas
já tinham o controle de duas das três áreas de mineração mais
importantes. Os paulistas refugiaram-se na região de Rio das Mortes.
Os emboabas reuniram-se e proclamaram Nunes Viana governador da
região mineradora, um afronta ao rei o único a ter a prerrogativa
para a escolha. Em seguida, os emboabas encarregaram Bento do Amaral
Coutinho da expulsão dos paulistas restantes. Os paulistas não
opuseram resistência, e recuaram mais uma vez, desta vez para Parati
e São Paulo.
Capão de TraiçãoO mais trágico e emblemático episódio da Guerra dos
Emboabas ficou perpetuado na história como Capão da Traição. Após a
derrota dos paulistas na batalha campal de Cachoeira do Campo, estes
se renderam e foram anistiados com a pena de se retirarem da região
das minas. Vários paulistas pararam em um capão na região situada
próxima aos Arraiais da Ponta do Morro (próximo à atual Tiradentes)
e Novo de Nossa Senhora do Pilar (atual São João del-Rei),
provavelmente na região da antiga Fazenda do Córrego.
Talvez tivessem os paulistas a intenção de reorganizar a sua tropa e
marchar novamente contra os Emboabas, agora em guerra de cerco, ou
guerra de tocaia.
O exército "Emboaba" encontrava-se também nas imediações. Os
paulistas enviaram então alguns índios cativos para averiguar a
posição dos Emboabas e atraí-los para uma emboscada no capão. A
estratégia funcionou e o exército dos Emboabas marchou em direção da
armadilha paulista, sendo recebido a tiros e muitos de seus caindo
vitimados de disparos vindo de cima do arvoredo.
Mas houve o contra-ataque por parte dos emboabas comandados por
Bento do Amaral Coutinho. Após ver tombar seu negro de confiança,
Bento reorganizou seu exército em linha e marchando para traz todo o
destacamento Emboaba ficou fora da alça de mira dos paulistas. Estes
por sua vez viram-se cercados e resistiram bravamente por dois dias,
até solicitarem a trégua e a rendição a Bento do Amaral.
Este chefe Emboaba chegou a jurar pela Santíssima Trindade que após
a rendição e deposição das armas dos paulistas, não os mataria e
expediria livre conduto para estes seguirem para fora da região das
minas.
Mas, após a rendição e entrega das armas, Bento decretou o massacre
de todos os cerca de 300 paulistas capturados. Agindo como um
traidor, e perpetuando a derrota final aos paulistas no Capão da
Traição.
Derrota dos paulistasO confronto terminou por volta de 1709, graças
à intervenção do governador do Rio de Janeiro, Antônio de
Albuquerque Coelho de Carvalho, que destituiu Nunes Viana e manteve
a estrutura administrativa emboaba. Sem os privilégios desejados e
sem forças para guerrear, os paulistas retiraram-se da região.
Sua última tentativa de expedição punitiva contra os emboabas foi
derrotada no Rio das Mortes. Muitos deles foram para o oeste, onde
mais tarde descobriram novas jazidas de ouro, na região dos atuais
estados do Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás.
TestemunhosBorba GatoO melhor relato sobre os acontecimentos saiu da
pena do Superintendente Borba Gato, que escreveu longamente ao
Governador D. Fernando Martins Mascarenhas Lencastre em 29 de
novembro de 1708, das minas do Rio das Velhas:
«Muito tempo há que em profecia escrevia a Vossa Senhoria que se não
podia tratar nestas Minas do bem comum, menos da arrecadação da
Fazenda de Sua Majestade, que Deus guarde, nem da dos defuntos e
ausentes, sem que houvesse nelas Infantaria.
Agora posso afirmar que para se poder tratar destes (Ilegível) não
se necessita menos que um exército, porque se foram os homens que
entraram pela estrada proibida da Bahia desaforando de sorte que já
cada vez que querem fazer um motim ou levantamento, para isso tem
eligido cabos neste distrito e dado senhas, que não há mais que
dá-la um para todos estarem juntos.
Isto tem dobrado três vezes depois que saiu desta terra Cristóvão
Correia Leitão. Foi a primeira vez que um bahiense que meteu um
comboio em sua casa tão publicamente, em tão claro dia, que parece o
acusava a sua consciência em que eu lho havia de ir confiscar, porém
mal o podia fazer se nem por pensamentos tive notícia disso.
Tratou de juntar gente, prevenir armas e não devia ser para me
entregar o comboio. É incrível que seria para me descompor ou para
me matar. Como não fui a sua casa, desvaneceu-se desse levantamento
de que não tive notícia senão depois de se terem passado muitos
dias.
Depois disto tive notícia certa que de umas razões que teve Jerônimo
Pedroso de Barros com Manuel Nunes Viana se originaria uma ruína
muito grande, porque para que sucedesse assim tinha aquele convidado
não só os parentes que tinha no distrito mas ainda a seu irmão
Valentim Pedroso de Barros nas Minas Gerais e tinham passado palavra
que em uma segunda-feira se haviam de achar todos no Caeté.
Deu-me esta notícia em que cuidar pelo primeiro do bem comum e
inquietação de um povo que alvoroçado sempre traz consigo estragos
que dão que sentir, resolvi-me a fazer os editais que envio a Vossa
Senhoria para que, ausentando-se Manuel Nunes Viana com um pretexto
tão honrado se evitassem as ruínas que podiam suceder.
Também com a consideração de que este homem e a sua vinda a estas
Minas era tão prejudicial à Fazenda de Sua Majestade que Deus
guarde, porque não tem mais exercício no Rio de São Francisco que
esperar comboios da Bahia de uma grossa sociedade que tem naquela
cidade, e tanto que lhe chegam, não se contenta com marchar com
estes para as Minas, senão convir servindo de capitania aos mais
comboios, para que nenhum seja tomado do inimigo que nesta conta tem
a quem trata da arrecadação da Fazenda de Sua Majestade, que Deus
guarde.
Tanto que tem feito o seu negócio nestas Minas, passa palavra a
todos os que aqui se acham com ouro para ir por aquela estrada
proibida sem pagar quintos que se aparelhem para tal dia; juntam-se
todos e se vão com ele, reconhecendo-o por seu General, querendo
disfarçar tudo isto que é tão público com vir dar o ano passado
entrada a 47 cabeças de gado, como Vossa Senhoria se pode informar
de Cristóvão Correia Leitão, e este ano de 46, que nem se cansou em
a vir dar a esta oficina senão mandar.
Postos os editais, foi êle logo ao arraial do Caeté donde estavam a
tirá-los, como Vossa Senhoria verá da carta a qual lhe mandei esta
resposta, mas não deixei de ficar considerando o que poderia obrar,
porque se tomava aquela resolução em virtude do Capítulo 17 que Sua
Majestade foi servido dar no Regimento para o Governo destas Minas e
por ver quão prejudicial era este homem nelas à Fazenda do dito
Senhor; lembrando-me também do Capítulo 1° em que tanto recomenda
Sua Majestade que Deus guarde o cuidado que se há de por em atalhar
as discórdias que houver não só entre Mineiros, mas ainda entre
outras quaisquer pessoas que se achem nestas Minas, saí de minha
casa para o Caeté para que, quando não pudesse dar a execução o
capítulo 17, tratar de usar do primeiro.
Chegando àquela parte antes do dia que se tinha destinado, já achei
algumas ruínas que faziam as tropas que se ajuntavam. Tinham morto
dois negros do dito Manuel Nunes Viana e feito outras hostilidades.
Tratei de aquietar tudo, fazendo amigo a Jerônimo Pedroso de Barros
com Manuel Nunes Viana quando para este efeito fui a sua casa achei
nela toda a gente que tinha deixado neste Rio das Velhas e
Saberabusu.
Composto tudo, fiz jornada para minha casa donde vim saber como cá
se tinha feito um levantamento ou motim, sendo cabeças dele certos
homens que tenho em lembrança, entrando pelas casas dentro as
pessoas que achavam os acompanhavam senão os haviam de matar, com o
que não ia por vontade faziam ir à força, ficando tudo isto
despejado, metendo-se tudo em casa de Manoel Nunes (Viana) sem se
lhe dar do Edital que tinha posto para que o não fizessem. Como nós
não podemos ter maior fiscal das nossas culpas que as nossas
consciências, estas cabeças de Motim parece que considerando no mal
que tinham obrado em andar obrigando a força os homens para serem
contra os Paulistas, sucedendo uma noite vir um cunhado de Jerônimo
Pedroso de sua casa a Saberabuçu, que não é longe, dizem que a
procurar um pouco d ouro que de certa ciência sei havia mister para
pagar a outro Paulista que ia para povoado, que lhe tinha
emprestado, e pelo não achar mandou dizer à pessoa que lhe vinham
uns barris de aguardente, lhos vendesse logo por qualquer preço que
fosse;
começaram disto a formar argumento, porque se achavam na consulta
frades e clérigos, e diz que colheram de conclusão por consequência
certa que aquilo era para matarem aqueles que publicamente foram
cabeças do motim, e irem-se embora que por isso é que passaram de
noite e mandavam pela manhã vender a fazenda fosse pelo que fosse.
Com este pretexto fizeram outro levantamento, e o que não acudia a
este motim o iam tirar a sua casa, e faziam assistir nele, e houve
uns que tiveram sentença de morte.
Chegado Manuel Nunes Viana do Caeté, não deixando bahiense nem outro
homem algum dos que não eram Paulistas, diz que resolveram matarem
alguns Paulistas nomeados e os mais fazê-los despejar sem que
ficasse nenhum, e o que repugnasse matarem-no também.
Esta desordem diz que a mexeram frades e clérigos, também dizem que
houve outros que sem dúvida deviam de ser mais bem intencionados que
rebatendo esta fúria, vieram em que se moderasse a sentença que foi
ficarem os Paulistas sujeitos a leis que queriam estabelecer os
Bahienses: que são de que nenhum Paulista nem negro seu entre de
noite em arraial de homem da Bahia, e que fazendo-o serão mortos sem
que por isso sejam obrigados a pagarem os escravos; que de dia não
pudessem trazer mais que dois pagens; e outras proposições
semelhantes que em se dando a imprensa se se venderem enviarei a
Vossa Senhoria. Que isto seja castigo de Deus com evidência se
mostra, porque qual havia de ser o bahiense por mais poderoso que
fosse que entrasse cá nestas Minas se não fora o amparo que tinham
nos Paulistas, que eu com o meu pagem o não confiscasse, nem qual
era o pobre que chegava aqui para poder estar com sossego se não
fosse valer do arraial de algum Paulista.
Não sinto eu que os Bahienses façam isto aos Paulistas, para que
eles abram os olhos e reparem que são justos juízos de Deus que para
se porem e oporem contra as ordens de seu Rei a quem tanto amor
devem, diziam que os Bahienses não eram só seus amparados senão seus
filhos. O de que me fico lastimando é o que tenha de seguir daqui as
ruinas que isto há de causar, e o prejuízo que há de resultar à
Fazenda de Sua Majestade que Deus guarde. Estes dois (ilegível),
Senhor, deve Vossa Mercê ponderar muito, como tão amante do serviço
de Sua Majestade, que Deus guarde, para que lhe possa dar o remédio
que parecer mais conveniente, que aqui, da sorte que isto está, não
se pode devassar e menos proceder contra ninguém de que resulte
utilidade à Fazenda de Dua Majestade dando cumprimento às suas reais
ordens. (....) A pessoa de Vossa Senhoria Deus guarde muitos anos
com os aumentos e Estado que está merecendo. Minas do Rio das
Velhas, Manuel de Borba Gato.»
|
Estátua em Caeté em
homenagem a liderança de Nunes Viana na Guerra dos Emboabas. |
Este documento está na Biblioteca Nacional de Lisboa, Arquivo de
Marinha e do Ultramar, docs 3212 a 3225 do Rio de Janeiro. Borba
Gato é assim o primeiro historiador dos emboabas. Tumultos e
dissensões paralisaram as Minas, extinguiram trabalho e anularam
colheitas. Só se cuidava da guerra e os moradores estavam reduzidos
à miséria. Não era entretanto chegado o momento de descerrar ao
Governador quanto sabia. Escreveu não para acusar mas para apurar
responsabilidades.
João da Veiga da CostaJoão da Veiga da Costa, que era mestre de
campo do Terço dos auxiliares das Capitanias da vila de Nossa
Senhora da Conceição de Itanhaém, escreveria em 19 de abril de 1719:
«Certifico que havendo despejado destas Minas a maior parte dos
nativos da vila de São Paulo e suas anexas, pela alteração do povo,
ficamos assistentes nelas cento e tantos mineiros e lavradores e por
uma voz falsa de que vagavam nos matos da Itatiaia 600 homens de
armas dos nossos naturais para fazerem guerra aos frausteiros, nos
ameaçavam estes, de sorte que suposto tínhamos sujeitado nossas
armas em nome de Sua Majestade debaixo de cuja tutela supunhamo-nos
seguros, era tal o temor com que nos atemorizavam que
determinadamente desertamos também as ditas Minas, deixando ao
desamparo nossas fazendas de plantas, instrumentos de minas e terras
minerais, e tendo notícia deste fato Rafael da Silva e Souza, a quem
os ditos frausteiros tinham obrigado que por serviço de Sua
Majestade exercesse posto de capitão, não podendo capacitá-los a que
não ocasionasse a nossa total saída destas ditas Minas, mandou logo
alguns próprios a Manuel Nunes Viana, a quem os frausteiros tinham
feito seu capitão-regente, protestando pela grande perda que
receberia Sua Majestade nos seus reais quintos, com a retirada de
tantos mineiros e povoadores e advertindo-lhe os melhores meios para
evitar perda tão considerável, com cujo parecer ordenou o dito
Manuel Nunes Viana a todos os cabos dos ditos frausteiros que
impedissem com gravíssimas penas a que se não molestassem os homenss
da Serra Acima que nestas Minas assistiam na obediência em que
estávamos pelo zelo e inteligência e capacidade que reconheceu no
dito Rafael da Silva e Souza lhe ordenou que por nossos sítios e
Fazendas nos visitasse e capacitasse com a segurança de proteção em
nome deua Majestade que se deixassem ficar quietos e sossegados em
seus sítios e Fazendas, tratando de todas as suas conveniências pois
lhes prometia toda a segurança de suas vidas e Fazendas, o que logo
fez assim o dito Rafael da Silva e Souza com muito grande zelo e
cristandade, discômodos de sua pessoa e Fazenda, em cujo respeito e
conhecida lealdade no serviço de Sua Majestade nós resolvemos a
ficar em nossos sítios e moradas, e foi este um dos serviços pelo
qual merece que Sua Majestade o honre e premeie por ser o mais útil
que se fez à conveniência dos seus Reais Quintos. Passa o referido
na verdade pelo juramento dos Santos Evangelhos e por me ser pedida
esta, lhe mandei passar por mim assinada, em Minas Gerais.»
Bento do Amaral Coutinho
Estátua em Caeté em homenagem a liderança de Nunes Viana na Guerra
dos Emboabas.Datada de 16 de janeiro de 1709 temos uma carta,
escrita do arraial de Ouro Preto por Bento do Amaral Coutinho e
enviada a D. Fernando Martins Marcarenhas Lencastre - e por tal
carta demonstra que não seria facinoroso como a história quer,
porque o governador não se corresponderia amistosamente com um fora
da lei. Diz nela:
«Sem embargo que aos pés de Vossa Senhoria em toda a ocasião só
desejo ser anunciador de paz, nesta forçosamente o hei de ser de
Guerra, para dar parte a Vossa Senhoria do levantamento que agora
sucedeu em 20 de dezembro nestas Minas Gerais, tomando armas todos
os moradores destes arraiais e do campo contra os naturais da vila
de São Paulo e serra acima. Poucos dias antes deste, havia sucedido
o primeiro, nos arraiais do Caeté e Sabará das Minas do Rio das
Velhas, causado de uma avançada que ao capitão maior Manuel Nunes
Viana fora dar a Valentim Pedroso, para recuperar um desaire da
espada em que seu irmão Jerônimo Pedroso havia ficado de pior com o
dito Capitão-Maior, para o que foi incorporado de um tumulto de 600
armas, acompanhado do mesmo irmão, de José Pompeu, de Leão Leite e
de outros muitos parentes e amigos como além disso guarnecido de
mais armas, que chegando ao Caeté lhe foi levar em socorro o Tenente
Manuel de Borba Gato seu tio, administrador daquelas Minas que,
devendo como mineiro usar dos meios mais equivalentes para evitar a
ruína e atalhar a desordem que sucedeu, o fez pelo contrário,
excitando o incêndio até chegar a mandar fixar editais nas portas
das Intendências, feitos em seu nome e firmados por sua mão, que
nenhum morador ou forasteiro desse favor ou ajutório ao dito
capitão-maior com pena de proceder contra êles e lhe serem
confiscados os bens, só para que ficasse vencedor seu sobrinho.
Mas como durante esta prevenção fosse tão considerável a perda e o
saque se dece (?) aos moradores que se avirigua não se restituir com
cinco arrobas d ouro. Condoídos estes tanto da perda como da sem
razão que viam se queria usar com o Capitão-Maior, conspiraram no
levantam/ com dois mil armas, despejando violentamente aos
agressores, matando a um José Pardo, Paulista, por insolências que
fez, e ultimamente, tirando as armas a todos os Paulistas, como
instrumentos de suas desordens e mau viver, além de outras
capitulações que assentaram, fazendo corpo de Milicia, até recorrem
a Vossa Senhoria e a Sua Majestade considero fariam já.
Com este repente despejados Jerônimo Pedroso das Minas do rio das
Velhas e outros mais que lá eram moradores, apostaram a estas
Gerais, e logo de caminho deram um tiro a um dos moços moradores do
campo, irmão do Padre Manuel Pires, por sair ao caminho a livrar a
uma vaca sua dos cais, e fazendo daí passo para o sitio de Pascoal
da Silva, lhe disseram era mui acomodado aquele campo para uma
couteda ou marca, e recolhidos a Joatiaia, em poucos dias houve
notícia que juravam os Paulistas passar a ferro frio todos os
Emboabas, que assim chamam aos nossos portugueses assistentes por
aqui, estilo entre êles na conquista do gentio mui antigo.
Mas não parando aqui a coisa e começando a fazer varias preparações
de armas cada dia, em um foram vistas na Joatiaia 400, em outro
grande número que se não pode contar no Rio das Pedras, todos
Paulistas, e havia vários dizeres sobre o caso, até que se rompeu
uma voz que os Paulistas, vendo o desigual partido que tinham no Rio
das Velhas com os nossos, por serem muitos e viverem já guarnecidos
de Milicia e acautelados, conspiravam dar uma noite a saquear e
destruir êstes arraiais do Ouro Preto e Antônio Dias, matando tudo o
que pudessem matar por serem mais importantes e estarem
desprevenidos de liga e de Milicia; e nestas considerações do que se
dizia viviam já muitos com seu receio.
Alguns do povo em praticas particulares já capitulavam mas debaixo
disso havia parecer de maduro conselho que os divertia por ser
infausto o motim, de que se não serve Deus nem El-Rei, e comumente
parto de muitas desgraças, parecendo melhor acerto ir vendo ainda
com o tempo os sinais e indicios mais eficazes, até que, fazendo-se
exatas diligências para se alcançar daqui a verdade, constou por
cartas que se apanharam fazerem-se certas todas as demonstrações
passadas, e ultimamente um homem de serra acima, bem poderoso e
apotentado, falando em particular com certa pessoa, lhe disse que
fôra convidado para o mesmo efeito, porém se não queria meter nessas
alhadas.
E com o último desengano que neste particular se colheu das ditas
cartas, se levantou este povo do Ouro Preto e logo a uma fala o
arraial de Antonio Dias, e dai a poucas horas o campo, com que se
elegeu neste Ouro Preto um capitão que governasse de Armas e Guerra
que se esperava: e como na noite seguinte ao dia do levantamento se
mandou pôr fogo a êste arraial pelas duas (horas) depois da meia
noite por dois bastardos e um negro fora da parede de um rancho
junto ao punho de uma rede que estava armada daquela parte de que
ardeu grande parte, queimando-se nove ranchos de mercadores que se
avaliou em grande perda.
E fora se se queimaram 16 arrobas de polvora que estavam neles. Se
coligiu que de respirador da prevenção do levantamento, antes que
tivesse o intento efeito, mandaram fazer a queima sendo público
haver sido o agressor um Fernando Pais, paulista, que logo se foi
retirando e pondo de largo, mandando depois dizer Valentim Pedroso
que se não queixassem dele senão de Pais, que era o que mandara pôr
fogo ao arraial. E para confirmação de tudo por outra carta que se
alcançou alguns dias depois e aberta se viu que dizia por formais
palavras Vossa Senhoria estiveram a culpa em não fazer-se o efeito a
seu tempo, que já agora é tarde…»
Junta no Rio de JaneiroEm 16 de janeiro de 1709 houve Junta no Rio:
"Aos 16 dias do mês de Janeiro de 1709 nesta cidade de S.Sebastião
do Rio de Janeiro, nas casas de Sua Majestade que Deus guarde onde
assiste D. Fernando Martins Mascarenhas de Lancastro, governador e
capitão geral destas Capitanias, estando em Junta com o Ilustrissimo
Bispo D. Francisco de São Jerônimo, o Mestre de Campo Francisco
Ribeiro, o Desembargador Antônio Luís Peleja, o doutor juiz de fora
Hipólito Guido, o provedor da Fazenda Real Luís de Almeida Correia e
Albuquerque, o procurador da Coroa João Mendes da Silva, o doutor
Manoel Correia Vasques, juiz e ouvidor da Alfândega, e o capitão
Marcos da Costa da Fonseca Castelo Branco, almoxarife da Fazenda
Realito governador foi apresentada carta do Tenente General Manuel
de Borba Gato de 29 de novembro de 1708 em que lhe dá conta do
estado em que estão as minas, onde estão como em guerra viva os
paulistas com armas uns e outros nas mãos, acometendo-se com grande
número de armas de parte a parte, havendo levantamentos, ruínas e
inquietações de sorte que se seguirá uma total ruína não só de uns e
outros assistentes das minas mas também uma gravissima perda à
Fazenda de Sua Majestade, que Deus guarde, não so para o seu reino
mas também para os moradores desta cidade, pois com esta inquietação
e tumulto tem estado e está impedido todo o negócio das minas.
Para
evitar tão grandes perdas e ruinas pedia ao dito Governador lhe
pusesse o remédio de sorte que se aplace esta furia e atual estrago
que necessita do maior respeito e do maior poder, pois de outra
sorte nao se conseguiria o sossêgo daquele Povo amotinado; e vendo o
dito governador que Sua Majestade que Deus guarde por carta de 31 de
janeiro de 1702 lhe ordena que não vá às minas nenhum governador
desta Praça sem ordem especial sua, o que só limita havendo algum
acidente em que se não possa esperar ordem; e que da omissão em
acudir-lhe com remédio prontamente se lhe daria culpa: propôs se
este serviço atual das minas se complicaria no caso do acidente de
que fala a dita carta de Sua Majestade, e assim se devia nesta
ocasião o dito governador ir pessoalmente às minas para atalhar,
sossegar e remediar tão iminente ruina de que se seguem mui
prejudiciais consequências ao Reino, Fazenda e vassalos de Sua
Majestade e por todos uniformemente foi dito que, visto o trabalhoso
estado das minas, a carta e ordem de Sua Majestade se compreende o
caso dela o presente sucesso das minas e que era conveniente passar
a elas o dito Governador para com sua presença, respeito e podia
atalhar tanta ruína, sossegar aquele levantamento e motim para que
todos os assistentes das minas vivam em quietação e sossêgo e se
continue o negócio que por este acidente tem cessado e está
impedido, o que, visto pelo dito Governador, abraçando o voto e
parecer de todos, se resolveu e assentou passar às minas com
brevidade para os efeitos referidos e pelas razões ponderadas; de
que mandou o dito Governador fazer este Termo que todos assinaram. O
Secretário Bartolomeu de Siqueira Cordovil o fez.»
O Governador decidiu portanto partir a 2 de março, pois precisou de
um mês para os preparativos de uma jornada que imagina penosíssima -
tempo de chuvas, caminhos intransitáveis, colheita longe, gastos
excessivos.
Conseqüências
Mapa do Brasil após a Guerra dos Emboabas.Regulamentação da
distribuição de lavras entre emboabas e paulistas.
Regulamentação da cobrança do quinto.
Cisão da Capitania de São Vicente em Capitania de São Paulo e Minas
de Ouro e Capitania do Rio de Janeiro, ligadas diretamente à Coroa
em (3 de Novembro de 1709).
São Paulo deixa de ser vila tornando-se cidade
Acabam as guerras na região das minas, com a metrópole assumindo o
controle administrativo da região.
A derrota dos paulistas fez com que alguns deles fossem para o oeste
onde, anos mais tarde, descobririam novas jazidas de ouro nos atuais
estados do Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás.
Referências:
Wikipédia
Ache Tudo e Região
|