Descoberta forma atômica do boro resistente como
diamantes
O boro é um átomo bastante simples: cinco prótons, cinco
ou seis nêutrons, cinco elétrons. Não é um elemento
onipresente, como o hidrogênio. E, ao contrário do que
acontece no caso do hélio, não faz com que a voz de quem
o ingere fique parecida com a do Pato Donald. Tampouco
se pode considerá-lo tão famoso quanto o carbono, seu
vizinho logo à direita na tabela periódica.
Talvez o problema seja o nome "boro" se parece demais
com "boring" (tedioso, em inglês). Mas, apesar da
simplicidade ele continua misterioso.
Por mais de dois séculos, o boro vem intrigando os
cientistas, o que resultou em algo que Artem Oganov,
professor de geociências na Universidade de Stony Brook,
define como 'uma série de descobertas e falsas
descobertas'.
Agora, os pesquisadores comandados por Oganov aumentaram
o número de verdadeiras descobertas. Descobriram uma
forma de boro que tem dureza quase igual à do diamante.
A descoberta serve até mesmo como ilustração do poder da
idéia da evolução, porque usa um novo algoritmo,
conhecido como "algoritmo genético", para decifrar a
estrutura de um novo cristal de boro.
"O trabalho é um belo exemplo de cooperação entre o lado
teórico e o experimental da ciência", diz Aitor Bergara,
físico na Universidade do País Basco, Espanha. Bergara
não participou do estudo, cujas conclusões foram
publicadas em artigo na mais recente edição da revista
Nature.
O boro tem uma longa história. Menções de compostos de
boro como o borax são milenares. Em 1808, em intervalo
de apenas 10 dias, duas pesquisas, conduzidas pelos
grandes químicos Sir Humphrey Davy, em Londres, e por
Joseph Gay-Lussac e Louis-Jacques Thenard, em Paris,
resultaram em anúncios de separação do boro.
Mas os dois anúncios não procediam. Outro famoso
químico, Henri Moissan, mais tarde demonstrou que os
dois grupos predecessores haviam na realidade produzido
um composto que consistia de cerca de 60% de boro.
Moissan, por sua vez, também alegou ter isolado o boro.
E ele, como os predecessores, também estava errado,
ainda que tenha se saído melhor ao criar um composto com
90% de boro.
Foi apenas em 1909 que uma amostra de boro com pureza da
ordem de 99% foi obtida.
Da mesma maneira que o carbono puro vem em forma de
diamante ou grafite, o boro surge em múltiplas formas -
até 16 já foram reportadas. Mas a presença de impurezas,
mesmo que em volume ínfimo, pode alterar a estrutura, e
ao que parece o elemento conta com apenas três formas
puras, disse Oganov.
Uma delas, conhecida como boro alfa, apresenta coloração
vermelha escura mas transparente. O boro beta é preto e
se parece com o carvão. Os cientistas até hoje não sabem
ao certo qual dessas duas formas é a forma estável. (A
probabilidade maior é de que seja o boro beta.) E
terceira forma é a que foi descoberta mais recentemente.
As propriedades incomuns do boro derivam dos três
elétrons em sua camada eletrônica externa. Para
elementos semelhantes, como o alumínio, que fica na
fileira de baixo da tabela periódica, os três elétrons
externos são facilmente arrancáveis de sua órbita, e o
elemento se comporta como metal. Mas o boro é menor e
por isso o núcleo retém os elétrons com mais firmeza, o
que o torna mais parecido a um isolante.
"O boro é um elemento verdadeiramente esquizofrênico",
disse Oganov. "Trata-se de um elemento de completa
frustração. Não sabe o que deseja fazer. O desfecho é
algo de horrivelmente complicado".
Dois dos colaboradores para o estudo publicado pela
Nature, Jiuhua Chen, da Universidade Internacional da
Flórida, e Vladimir Solozhenko, do Conselho Nacional de
Pesquisa Científica da França, produziram
independentemente a nova fase do boro em experiências de
alta temperatura e alta pressão conduzidas em 2004, mas
ambos foram incapazes de deduzir exatamente o que haviam
produzido.
Para descobrir, recorreram a Oganov, que empregou uma
técnica de computação que codifica parâmetros de uma
estrutura cristalina em uma sequência de dados.
Começando por algumas estruturas cristalinas de teste, o
programa calcula a energia necessária a preservar cada
uma delas, e descarta as versões que não se agrupam
confortavelmente.
Depois, como ocorre na evolução biológica, os parâmetros
dos cristais são alterados (o equivalente a um processo
de mutação) e porções da estrutura são transpostas (o
equivalente da recombinação). Depois de gerações de
cálculos, a resposta converge em forma estável.
O algoritmo já havia revelado novas fases do sulfeto de
ferro, carbonato de cálcio, enxofre e até mesmo uma
forma supercondutora de oxigênio, posteriormente
confirmada em experiência.
A forma recém-descoberta de boro é estável a pressões
superelevadas -mais de 100 mil vezes a pressão
atmosférica comum - e consiste de duas subestruturas.
Uma é uma formas esférica de 12 átomos de boro. A outra
tem forma de haltere e consiste de um par de átomos de
boro. As duas subestruturas se combinam de maneira
semelhante à do sal de cozinha (cloreto de sódio).
Quando a alta pressão é aliviada, o boro preserva sua
nova configuração. Experiências subsequentes provaram
que o material de fato possui as propriedades previstas
pelo algoritmo. Ainda que o boro gama não seja tão duro
quanto o diamante, resiste mais ao calor, o que pode
torná-lo atraente para determinados usos industriais.