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Historia de Nova Veneza SC

 

Fundada em 1891, a colônia de Nova Veneza tornou-se um marco na história da colonização italiana no sul de Santa Catarina. Posteriormente subdividida em Nova Veneza, Jordão, Belvedere, Treviso e Nova Beluno, hoje Siderópolis.

Escola italiana de Rio Pio, na então colônia de Nova Veneza, hoje Treviso. 1914. (Nelma Baldin - http://www.fotostorica.it/)

A colônia de Nova Veneza foi planejada por uma companhia particular, a Cia Metropolitana de Miguel Napole, cuja meta era fundar um polo de imigração de dezenas de milhares de italianos para colonizar toda a região. Sob a promessa de que encontrariam uma cidade baseada na Veneza da Itália, dezenas de famílias imigraram para "Nuova Venezzia", servindo de mão-de-obra para o desbravamento da mata virgem. Para tanto recebiam terras a baixo preço, mesmo porque não tinham qualquer valor de mercado. Fornecia-se-lhes ferramentas, animais, sementes, o que deveria ser pago com a produção posterior. Nada chegava perto das promessas. O que era sonhado como uma "terra prometida" revelava-se uma região selvagem habitada por índios furiosos pela invasão e desrespeitos. Apesar disso e à custa de muito trabalho e sangue, os colonos prosperaram, construindo escolas, clubes e, principalmente, igrejas.

O engodo das promessas feitas no recrutamenteo suscitou uma pequena rebelião na colônia, que resultou no incêndio da " senzala" e em diversos mortos, cujas viúvas foram enviadas de volta à Itália. Outras famílias abandonaram a colônia e transpuseram a serra se instalando no Rio Grande do Sul. De fato, quem adentrar a mata na rua que segue ao lado do Hospital São Marcos, que à época era uma espécie de palácio sede da Cia Metropolitana, encontrará um cemitério abandonado, tomado pela vegetação, em cujas lápides se encontram alguns sobrenomes italianos mais comuns no Rio Grande do Sul.

Nova Veneza em 1968, dezenas de anos sem mudanças.

Hoje modernizada.

Em 1893, com a Revolução Federalista Brasileira, o fenômeno imigratório foi bruscamente interrompido. Em decorrência disso houve um esvaziamento dos núcleos da colônia de Nova Veneza, o que deu início ao seu declínio. Entre 1877 e 1893 os italianos chegavam aos milhares; em 1894, apenas 27 imigrantes italianos chegaram a Nova Veneza. Aqueles que lá permaneceram encontraram na agropecuária e derivados sua sobrevivência, e na cultura italiana seu maior legado, através da preservação do dialeto, da arquitetura, música, folclore e, principalmente, a gastrononia.

Hoje é uma atividade econômica crescente o turismo gastronômico que se baseia no macarrão rústico, polenta, puína (queijo pré-fermentado), queijos coloniais, salames, carnes e galinhas ensopadas, saladas de batatas com ovos, saladas de "radicio", pães e tantos outros pratos que podem ser encontrados em restaurantes e "cafés coloniais". Porém o potencial para o turismo ecológico é estupendo, haja vista que a região é regada de rios cristalinos e puros entre montanhas de matas virgens nos quais vivem até leões-da-montanha e jaguatiricas.

Apesar da história de progresso e perseverança, não se pode omitir que a colônia sofreu uma grande mácula já no seu início, pois houve o genocídio dos índios Xokleing, habitantes originais da região. Conta a história que o agrimensor Natal Coral, liderando vários colonos, matou centenas de homens, mulheres e crianças, invadindo as tribos durante a noite e degolando com facões as vítimas que se encontravam em sono pesado. Para se vingar os Xokleing raptaram a mulher de Coral e a mantiveram por dois anos. A última grande matança ocorreu na aldeia do Morro Redondo, localidade de São Bento Alto, por volta de 1905.

Igreja Matriz de Nova Veneza, 1991

Durante todo quase todo o século XX a Cidade se manteve em decadência, inclusive com declínio populacional, fenômeno talvez frutificado do ranço racista tipicamente europeu em voga até algumas décadas passadas.

Recentemente tem ocorrido o processo miscigenatório tipicamente brasileiro, o que tem embelezado ainda mais o povo da pequena cidade, além de ampliar sua carga cultural. Empresários internacionais têm instalado suas indústrias na cidade, o que vem tonificando sua economia.

Imigrantes e filhos de imigrantes em dia de festa na vila de Alto Rio Maina, Siderópolis/SC.

(meados da década de 60).

Na costa da serra, a mata atlântica virgem irrigada por riachos de água cristalina proporcionam um sentimento de paz e misticismo ecológico incomuns. Foi nesse ambiente que passei minha infância e adolescência, onde inclusive encontrei pontas de flechas, o que me impulsionou a pesquisar a história do conflito entre italianos e "bugres", resultando em um pequeno artigo no jornal local "Tradição de Vanguarda" que eu fundara com outros jovens da cidade: Marcelo Branco Pacheco, Ramiro Fernandes Pereira e Marcos Rivelino Gava.

Veja mais fotos!

Aprecie esta foto. Esse lugar não existe mais. Esse é o exato local sobre o qual foi construida a barragem para abastecer de água a região de Criciúma. Sem dúvida foi o lugar mais aconchegante no qual já estive. Só havia natureza e paz.

 

II - O Genocídio dos Bugres de Nova Veneza - Santa Catarina

Este chão que nossas famílias batizaram de Nuova Venezzia, no final do século passado possuía a magnitude da natureza virgem empolgante e pomposa. O Rio Mãe Luzia rasgava o chão com suas águas cristalinas repletas de peixes. A música selvagem da floresta com seus uivos, pios e alaridos impregnavam paz e misticismo em qualquer alma que ali pairasse.

Semi nus, bronzeados e em harmonia viviam às margens dos rios varando a floresta. Refiro-me aos verdadeiros filhos de Nova Veneza, os índios da raça Xokleing, conhecida como "bugres".

Os Bugres subiam a serra donde traziam o pinhão em balaios de bambu, depois, o armazenavam na gélida água corrente dos costões. Além do pinhão, extraiam o mel do qual faziam licores e cuja cera utilizavam para vedar cestos de carregar água e alimentos. Se alimentavam do palmito, frutos e principalmente da caça. Por exemplo, a anta preparavam colocando-a num buraco sob uma fina camada de terra e folhas, depois acendiam uma fogueira. Horas depois a retiravam e era repartida igualmente entre todos.

Da fibra da urtiga fabricavam as cordas dos arcos e teciam mantas para proteger as crianças e mulheres do frio. O barro, após ser especialmente temperado (tecnologia perdida), era moldado em forma de panelas. Suas ferramentas e utensílios, bem como as pontas das flechas e lanças eram confeccionadas em pedra ou madeira, já que não conheciam o beneficiamento dos metais.

A vida familiar dos bugres é pouco conhecida. Sabe-se, por narrativas de caçadores e bugreiros, que as mulheres tinham forte afeto por seus filhos e que quando sentadas cruzavam as pernas com recato. As mesmas pernas que inutilmente recusavam abrir aos assassinos: católicos italianos.

Os bugres eram fortes e ágeis. Podiam carregar uma anta nas costas por quilômetros. Na floresta se locamoviam rápida e silenciosamente. Podiam acertar, com seus arcos, alvos a mais de cinqüenta metros.

Quando os italianos e alemães chegaram a Santa Catarina, a fama do homem branco já era conhecida pelos bugres por meio dos portugueses do litoral. Talvez por isso pouco se mostravam aos imigrantes. Nessa época (meados de 1880) já tinham suas vidas modificadas, pois matas já haviam sido derrubadas e sua cultura sofria influências dos costumes e tecnologias dos brancos que freqüentemente eram observados pelos bugres escondidos nas orlas das florestas.

Com a chegada de mais italianos a situação foi se agravando. Os bugres viam suas matas caindo e seus recantos de natureza virgem rarear. Foram sendo progressivamente confinados nas costas da serra que não podiam subir devido à hostilidade dos fazendeiros de gado.

Os imigrantes, movidos pelo terror, atacavam antes de tentar uma aproximação amistosa. Nunca houve tentativas de contato amigável, exceto a do Frei Luiz, que foi frustrada em função dos ressentimentos até então já criados.

A Companhia Metropolitana financiava a implantação de novas colônias e os bravos imigrantes, sem alternativa, nada tinham a fazer além de obedecer a lei da selva: "o mais forte devora o mais fraco".

Os bugres, desesperados, começaram a atacar os ranchos dos colonos, com o intiuito de intimidar os destruidores da floresta e também de saquear os preciosos alimentos e utensílios do branco. Infelizmente, talvez por vingança, assassinavam freqüentemente mulheres e crianças.

O clima ficava cada vez mais pesado e os colonos apoiados e incentivados pelo Companhia Metropolitana, começaram a organizar expedições para afugentar os selvagens. Tais excursões, na realidade, constituiam-se em chacinas premeditadas e eram geralmente lideradas pelo agrimensor italiano Natal Coral.

Natal Coral jurara vingar a morte de seu amigo Giovanni Baldessar. Fontes respeitáveis, inclusive o livro sobre a imigrição italiana de autoria do Monsenhor Agenor Neves Marques, revelam um fato de grande polêmica: Os bugres, com o intuito de desmoralizar o bugreiro Natal, raptaram sua mulher e nela plantaram a semente de sua raça. Anos depois a devolveram sã, salva e grávida.

Natal coral era audacioso caçador. Sua casa sempre ornada de couros de onças e dentes de feras, era o atestado de que conhecia a mata e sabia galgá-la. Ele atendia, com um prazer até compreeensível, a incumbência de "caçar" os bugres.

No alto do morro onde hoje se localiza o Hospital São Marcos, se erguia altaneira e majestosa a sede da Companhia Metropolitana e residência de seu Diretor, Miguel Napoli. A mansão parecia um castelo e a escadaria de ascesso era toda de mármore carrara. O jardim descia desde a colina até a planície. Foi ali que Natal Coral, após localizar um grande acampamento de bugres pelos atalhos de Sant'Ana em direção à serra, combinou com Napoli o pagamento de dois mil réis por orelha de bugre. Natal mais duzentos homens foram à caça. Na madrugada, após grande festa, os índios caíram em sono profundo. Sono do qual jamais acordaram...

"Due malle", duzentas orelhas de homens, mulheres e crianças. Miguel Napoli, temendo as autoridades governamentais, recusou-se a ver o produto da chacina e fez com que todos se calasem. Todos se aquietaram, todos, menos os bugres.

As fechas vigativas sibilavam o ar agora mais freqüentemente. Mas as flechas eram mui penosamente fabricadas e os bugres, talvez por motivos religiosos, não guerreavam à noite. Diante desses ataques, os italianos tinham bons motivos para matar os índios. A extinção estava então desenhada pelo destino e provavelmente por mais alguém.

A última matança de que se tem notícia aconteceu no Morro Redondo, na localidade veneziana de São Bento Alto. De lá capturou-se um casal de bugrinhos. A menina vivia com a família Nuernberg, já cantava e rezava em alemão, quando ao secar-se a uma fogueira queimou-se morrendo depois pelas infecções. O menino foi adotado por um juiz da cidade de Araranguá, mas contraiu sarampo e também morreu. O único bugrinho capturado que sobreviveu foi adotado pela família Rufino e posteriormente viveu na fazenda da família Savio, no Costão da Serra, território da antiga Nova Beluno, hoje Siderópolis.

Os únicos três Xokleng sobreviventes, encontrados em 1947 na mata virgem de Lauro Muler /SC.

Todos os outros bugrinhos aqui capturados morreram. Há um certo constrangimento nas faces dos que contam as mortes dessas crianças. Mortes quase sempre de forma trágica em acidentes horríveis, como escorregar e cair dentro de um tacho fervente ou ser engolido por uma moenda de cana-de-açúcar. É justo e triste salientar que o preconceito racista era dominante na época e que os bugres eram considerados animais.

Que essa gente cruelmente violentada e assassinada aceite o arrependimento dos descendentes dos genocidas e que descansem na paz de Deus.

Eder Giovani Savio - Tradição de Vanguarda, n. 05, ano 2, Junho/91. Nova Veneza/SC. (versão com correções).

Fonte: Nucleo de Estudos e Tecnologias em Gestão Públical