Produtos do uso da sociedade são deixados
na rua para serem coletados pelo serviço público. São toneladas e
toneladas de resíduos sólidos os quais se distribuem genericamente em três
categorias: Os produtos que podem ser reciclados ou re-utilizados, os
produtos orgânicos que poderiam ser aproveitados mediante processos de
transformação natural ou química e os rejeitos que devem ser descartados e
usualmente são enterrados em aterros sanitários. Infelizmente na maioria
das cidades todos os produtos acabam por ser destinados ou a lixões (onde
pessoas tentam recuperar os produtos recicláveis) ou a aterros onde tudo
se perde.
SEGUNDA:
Entre os produtos aproveitáveis existem os
que possuem um valor suficiente para produzir renda para manter as
famílias que podem deles se aproveitar. Ou seja: Essa história de
reaproveitamento de materiais pode produzir resultados financeiros
razoáveis, desde que se possa dominar todo o ciclo da produção e da
comercialização, além de contribuir com a melhoria das condições
ambientais. A atuação da ASMARE em Belo Horizonte, por exemplo, como
outras iniciativas em outras cidades, comprova que as famílias organizadas
na cooperativa têm efetivamente melhorado a sua renda e as condições de
vida.
TERCEIRA:
Existe uma quantidade muito grande de
pessoas que não tem alternativas de sobrevivência a não ser catando
resíduos dos lixões ou coletando recicláveis nas ruas das grandes cidades.
A atividade envolve principalmente mulheres e crianças porque são as que
estão disponíveis para acessar ao local. Não é uma atividade fácil. É
desgastante, é prejudicial à saúde, é preciso fazer muito esforço. E isso
não poderia ser trabalho a ser exercido por mulheres e crianças. Ainda
mais por crianças. Mas, isso se tornou quase a única alternativa de
sobrevivência e possibilidades de ganhos mesmo que mínimos para muitas
famílias.
QUARTA:
As pessoas que freqüentam os lixões ou
coletam produtos nas ruas, mesmo que submetidas a condições muito ruins,
acabam por se tornar especialistas em aproveitamento de materiais
recicláveis. Elas sabem distinguir o que é bom e o que não é, o que pode
ser útil, disponibilizado, como aproveitar, como guardar. É uma
aprendizagem que foi sendo construída por prática trágica e sofrida mas
acaba sendo útil para poder extrair do que se recolhe sobrevivência e,
quem sabe, alguns resultados financeiros para melhorar as condições da sua
vida. Claro que as coisas não são tão automáticas assim. Ainda, a maioria
das pessoas não conhece realmente o valor que os produtos recolhidos têm e
quanto poderiam se beneficiar se conseguissem controlar todas as etapas da
produção, industrialização e comercialização. Além disso, há de construir
processos organizativos coletivos que não são simples porque as pessoas
normalmente têm uma história de trabalho individual, centrado em sua
própria produção e, mais ainda, não conseguem entender que poderiam ser
elas mesmas, caso apoiadas especialmente por políticas e recursos públicos
e articuladas entre si, que poderiam assumir a comercialização do produto
depois de recolhido, sem necessidade de entregar e serem exploradas por um
intermediário.
Frente a essas questões, alguns tópicos de
reflexão me parecem necessários e nos encaminham para providências
essenciais que consolidem iniciativas autônomas e que efetivamente
contribuam para a melhoria das condições de vida dos catadores e catadoras
de recicláveis, organizados, em áreas urbanas do país:
1 – A COLETA DE PRODUTOS ABANDONADOS
Há de se considerar inicialmente que a
coleta dos produtos abandonados na via pública é de responsabilidade do
poder público, ou seja, normalmente da Prefeitura, apesar de que não tendo
essa condições de realizá-lo a responsabilidade é transferida ao Estado.
Antigamente as Prefeituras realizavam esse
trabalho por si próprias mas hoje em dia, especialmente nas grandes
cidades, a atividade é terceirizada e é feita por empresas privadas
contratadas. A execução do serviço, que consome parte considerável do
orçamento municipal, deve ser destinada a empresa que se habilitou em
processo de licitação a qual ocorrerá através de concorrência (quando o
valor for acima de R$ 650.000,00), convite (valor abaixo de R$ 80.000,00)
e tomada de preços (entre R$ 80.000,00 e 650.000,00), a não ser em caso de
emergência ou calamidade pública quando a Prefeitura pode convidar uma
empresa específica para realizar o serviço mas nesse caso é em caráter
precário e com prazo limitado (180 dias), devendo após isso proceder a
licitação, ou nos casos de serviços técnicos de notória especialização,
cumprindo uma série de requisitos previstos em lei.
2 - QUEM PODE SE HABILITAR PARA OS PROCESSOS LICITATÓRIOS ?
Todas as sociedades constituídas legalmente
e que apresentem condições mínimas para realizar a atividade, ou seja:
tenham equipamentos adequados e pessoal especializado.
Isso significa que, por exemplo, uma
sociedade de catadores e catadoras poderia se habilitar para uma
concorrência ou se apresentar para ser convidada a realizar o serviço.
Bastaria que tivesse condições de viabilidade técnica e financeira,
estivesse regularmente constituída e que fosse escolhida pela comissão
licitante, dentro dos critérios da Lei das Licitações.
Após escolhida, seria firmado um contrato
de prestação de serviços entre a sociedade e a Prefeitura em que a
primeira realiza a atividade de coleta para a segunda.
É importante assinalar que o contrato
firmado nesse sentido se limita à atividade de coletar e transferir os
produtos e não incorpora títulos de propriedade ou mesmo poder de polícia,
o que em outras palavras pode ser explicado da seguinte maneira:
-
Os produtos coletados, sejam de que tipo
for, não passam a pertencer à empresa que realiza a coleta já que o
contrato se limita à prestação de serviços. Isso não significa que não
poderiam passar à sua propriedade mas nesse caso o contrato deveria
realizar previsão de desconto no preço para deduzir ganhos possíveis
provenientes da apropriação dos produtos coletados.
-
A empresa coletora não detém o poder de
impedir o acesso aos produtos abandonados em via pública por outras
iniciativas a não ser que existam determinações legais anteriores que
reservam determinados produtos para coleta específica como por exemplo
dejetos hospitalares que só podem ser coletados em condições especiais
ou porque o acesso aos produtos pode se constituir em ameaça à saúde
pública mas nesse caso é o poder público que detém "poder de polícia" e
não a empresa privada, apesar de que, admitamos, possa a mesmo ser
delegado mediante contrato específico.
Em resumo, os processos licitatórios de
coleta de lixo se referem a uma prestação de serviços específica. Isso
deixa bastante claro que, por exemplo, organizações de catadores possam se
habilitar aos mesmos mas significa, por outro lado, que contratos de
coleta simples acabam por inviabilizar que as organizações de catadores
possam aproveitar materiais recicláveis.
Nesse caso, seria mais interessante que as
licitações separassem os produtos. A coleta seria dos dejetos e dos
produtos orgânicos mas não em relação aos materiais aproveitáveis cujo
acesso seria incentivado para as organizações coletivas dos catadores.
Isso também viabilizaria que se
distinguisse coleta e transporte de dejetos de aproveitamento ou
comercialização dos recicláveis dando destino sanitário aos primeiros e
destino de geração de renda e de desenvolvimento social aos segundos.
3 – A QUEM PERTENCEM OS RESÍDUOS SÓLIDOS ABANDONADOS ?
O conceito de "propriedade privada" foi
instituído vinculado ao instituto da compra em nosso sistema capitalista.
Na Idade Média, o conceito de domínio tinha uma vinculação ao direito
divino que era atribuído ao Rei e à Igreja e assim se estabeleciam os
direitos sobre bens e riquezas. Com a Revolução Francesa, o direito à
posse se estabeleceu com força, inclusive em relação à propriedade privada
da terra, mas no que se refere ao Brasil, isso acabou com a Lei de Terras
de 1850 que vinculou a propriedade à compra. E isso perdura até hoje,
excetuando-se quando cabe o instituto do usucapião. Nesse, quando uma
pessoa se apropria de um bem que é de outra, com a não resistência ou
oposição da mesma durante um determinado período, esse bem passa a ser de
quem detém a posse.
Do instituto do Usucapião se pode deduzir
que, quando uma pessoa não tem interesse de um bem, de uma riqueza, se
desfaz ou renuncia a ela, a pessoa que dela se apropria, depois de
determinado tempo e desde que a pessoa que dela se desfez esteja em plenas
condições de decidir a respeito e não haja arrependimento, se torna dona
dela. O Código Civil Brasileiro, no artigo 1.228 diz que: "O proprietário
tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la
do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha". E no artigo
1.275 diz que a perda da propriedade se dá pela venda, pela renúncia, pelo
abandono, pelo perecimento da coisa e pela desapropriação. O que nos
interessa aqui é a renúncia e abandono. Então somando os dois artigos
temos o seguinte: Quem coloca produtos na rua para serem recolhidos pelo
poder público ou outra pessoa, está renunciando ou abandonando seu direito
de propriedade sobre os mesmos. Mas, sendo abandonados ou tendo o
proprietário renunciado ao direito de propriedade, a quem pertencem ? Bom,
se foram encontrados em propriedade privada pertencem ao proprietário mas
se forem encontradas na via pública pertencem ao público, ou seja: à
sociedade e deverão ser recolhidos por quem está incumbido pela sociedade
a prestar esse tipo de serviço, ou seja: o Poder Público.
Antes de continuar, é bom lembrar que o
direito de propriedade não é absoluto. O próprio Código Civil lembra, no
parágrafo 1° do artigo 1.228 que: "O direito de propriedade deve ser
exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de
modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei
especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e
o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e
das águas". Isso segue o que é afirmado pela Constituição Federal, no
artigo 5°, que coloca a vida das pessoas, a liberdade e a igualdade acima
do direito de propriedade, o qual, lembre-se deve cumprir a sua função
social (Itens XXII e XXIII do Artigo 5°).
Mas, voltemos ao tema da propriedade do bem
abandonado ou sobre o qual o proprietário renunciou ao seu direito de
proprietário. De quem é ?
Em se tratando de bem imóvel, vale o
previsto originalmente, no caso do imóvel rural, no Artigo 17 do Estatuto
da Terra (Lei n° 4504/64) e, posteriormente, tanto para imóveis rurais e
urbano, determinado pela Lei n° 6.868/91 que instituiu o Usucapião
Especial e que modificou o Código Civil em vigor, que autoriza o Poder
Público a retomar propriedades de terras desde que abandonadas, sob o nome
de "arrecadação de bens vagos". O mesmo instituto foi reapresentado pelo
Novo Código Civil Brasileiro (Artigo 1.276) e se refere tanto a imóveis
rurais e urbanos quando, no caso do urbano, estando abandonado por três
anos, passa à propriedade do Município e o rural, também após três anos,
passa à propriedade da União, sendo que, em ambos os casos, se entende por
"imóvel abandonado" o fato do proprietário não exercer sinais de posse
(plantar, morar, ter animais, alugar) e deixar por três anos de satisfazer
as obrigações fiscais correspondentes.
Em se tratando de bem móvel ou, como diz o
Novo Código Civil (artigo 1.263) "coisa sem dono", aquele que se
"assenhorear" da mesma lhe "adquire propriedade", "não sendo essa ocupação
defesa por lei". Em outras palavras isso significa que estando a coisa
abandonada (sem dono), qualquer pessoa pode pegar. No entanto, aqui
deve-se ressalvar as atribuições. Ou seja: Mesmo que isso seja verdadeiro
de acordo com o citado artigo 1.263 do Código Civil Brasileiro, há de se
lembrar que existe uma atribuição do Poder Público de recolher as "coisas
sem dono" das ruas para manter a limpeza, a higiene, o saneamento público.
Analisando os dois aspectos temos, em
princípio, somadas a atribuição do Poder Público e a liberdade de outras
iniciativas de acessar ao bem abandonado, o que tanto "obriga" o Poder
Público de fazer a coleta dos resíduos que se encontram em local público
como "legitima" às iniciativas sociais que tenham acesso aos mesmos.
No entanto, é essencial dizer, o Poder
Público não adquire propriedade dos resíduos abandonados como "bem
público". Ele apenas está encarregado de recolhê-los e lhe dar destinação.
Isso significa também que quando o Poder Público contrata uma empresa para
fazer a coleta do lixo, por exemplo, ele não está transferindo a
propriedade mas apenas está encarregando-a de realizar uma tarefa pública.
É que o bem abandonado ou deixado na via pública para ser recolhido pelo
município não se transforma em "bem público", conforme se pode deduzir do
Artigo 99 do Código Civil Brasileiro. São bens públicos, diz o artigo 99,
"os de uso comum do povo", "os de uso especial" da administração e "os
dominicais" que são patrimônio das pessoas jurídicas de direito público.
Não estão aí os resíduos abandonados. Estes também não são "doações" do
particular para o público. Mas são bens que passam a não integrar
patrimônio algum. Dessa maneira, é importante repetir aqui, os resíduos
abandonados não são bens públicos e nem podem ser privatizados pelo poder
público. Isso significa que, teoricamente, o poder público que deve
regular a sua coleta, não pode autorizar qualquer iniciativa a se
apropriar dos mesmos. Nem mesmo e muito menos através dos contratos de
coleta de lixo porque os contratos não são instrumentos de doação ou
domínio.
4 – QUEM DEVERIA SE APROPRIAR DOS RESÍDUOS ABANDONADOS ?
A apropriação dos produtos abandonados
deveria se dar independentemente da ação do Poder Público em recolhê-los.
Como não são "bens públicos" e como o Poder Público não pode doá-los, isso
significa que o tempo todo, esses resíduos sólidos estão disponíveis para
que as pessoas da sociedade deles se apropriem.
Mas, há uma exceção. A empresa encarregada
(contratada) de fazer a coleta dos resíduos não poderia se apropriar deles
por direito pois, como vimos, o Poder Público não tem como lhe transferir
nem titularidade e nem reserva de domínio porque o contrato refere-se à
prestação de serviço e não à transferência de propriedade. Porque, se
assim fosse, haveria um ganho duplo da empresa sobre a sociedade vez que,
além de receber pelo serviço também receberia pelo produto. Além disso, há
também questões relacionadas ao ponto de vista político ou social. Porque
isso viria por um lado enriquecer uma ou duas pessoas donas da empresa e,
por outro lado, excluiria grupos que poderiam se beneficiar dos resíduos
para melhorar suas condições e terem mínimo acesso a condições de
cidadania. Nesse caso, o poder público faria uma opção entre a erradicação
da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e
regionais ou o beneficiamento de alguns concentrando renda e aprofundando
o fosso social que separa ricos e pobres no país.
Sendo assim, há de se concluir que somente
iniciativas que tenham papel social e congreguem exatamente as pessoas que
necessitam é que deveriam ter acesso e se apropriar dos resíduos
aproveitáveis deixados no espaço público e para isso serem incentivadas
pelo Poder Público, fazendo com que a renda potencial dos mesmos seja
distribuída socialmente e mais pessoas, e não só alguns empresários, sejam
beneficiadas. Aqui estamos falando inclusive da obrigação do Poder Público
de promover a Justiça Social, a igualdade de acesso aos bens e riquezas, a
igualdade de condições de vida de todas as pessoas do país. No entanto, é
importante assinalar, isso não cria obrigações das iniciativas sociais em
relação ao Poder Público mas sim em relação aos seus integrantes e com a
comunidade em geral.
Disso se deduz que existe, na verdade, um
direito inatacável dos catadores de se apropriarem dos resíduos sólidos
aproveitáveis e existe a obrigação ética, política e legal do Poder
público em apoiar as organizações de catadores e catadoras nesse sentido.
5 – COMO SE DARÁ A APROPRIAÇÃO DOS RESÍDUOS ABANDONADOS ?
Como vimos, a apropriação não pode se dar
através de contrato de coleta de lixo. Pelo fato de que os contratos são
de prestação de serviços e não podem contar transferência de propriedade e
além disso o próprio Poder Público não poderia transferir propriedade,
primeiro porque propriedade aos resíduos sólidos abandonados não têm e,
segundo, porque, caso tivesse, teria de cumprir o que determina a Lei das
Licitações e Contratos Públicos (Lei n° 8.666/93) que em seu artigo 17 diz
que "a alienação de bens da Administração Pública, subordinada à
existência de interesse público devidamente justificados, será precedida
de avaliação e obedecerá às seguintes normas: II - quando móveis,
dependerá de avaliação prévia e de licitação, dispensada esta nos
seguintes casos: a) doação, permitida exclusivamente para fins e uso de
interesse social, após avaliação de sua oportunidade e conveniência
sócio-econômica, relativamente à escolha de outra forma de alienação".
Isso significa que a apropriação dos
resíduos abandonados que possam ser aproveitáveis não se dará efetivamente
pelo contrato de prestação de serviços mas a partir de uma decisão
política de promoção social que envolve tanto o poder público como toda a
sociedade.
E também porque o que as organizações de
catadores estariam fazendo não se trata de uma prestação de serviços mas
sim uma intervenção que visa a mudança social, a melhoria das condições de
vida de muitas pessoas o que, nós todos sabemos, tanto o Poder Público
como a própria sociedade têm a obrigação de apoiar.
Mas, para isso o Poder Público terá
necessariamente de conseguir distinguir o que seja uma tarefa a ser
desenvolvida no exercício de suas funções e iniciativas que visam
primordialmente desenvolvimento e promoção social.
Nos últimos anos, toda a política de
definição das obrigações tributárias e de políticas públicas
lamentavelmente muito mais consideraram os interesses privados ou os
benefícios das estruturas do estado (e por isso, a gana de aumentar
impostos e passar a exigir obrigações tributárias inclusive de iniciativas
sociais) que os interesses da população, especialmente a que está em
situação subordinada ou excluída do acesso às riquezas e bens do pais.
Em resumo, o que estou propondo é que:
-
O acesso aos produtos recicláveis seja
garantido, pelo Poder Público, às organizações de catadores e catadoras
independentemente dos contratos de coleta de lixo. Isso não impede que
as mesmas organizações de catadores se habilitem nas licitações para
realização da coleta como uma prestação de serviços públicos e recebam
por isso.
-
Fica vedada a possibilidade de empresas
contratadas para realização de coletas de lixo se apropriarem dos
produtos recicláveis pelo fato de que nem os contratos podem transferir
domínio sobre os mesmos e nem o Poder Público pode eleger uma empresa
privada como beneficiária dos referidos produtos vedado que está pela
leis das licitações que exige, no caso de doação (caso o Poder Público
pudesse doar) que a finalidade seja de "interesse social".
Concretamente e, no meu ponto de vista uma
fórmula ideal seria seguir os seguintes passos:
-
O Poder Público, responsável pela coleta
de lixo, implanta um programa de separação de produtos em pelo menos
três categorias que considerem os recicláveis, os orgânicos e os
rejeitos.
-
A coleta dos produtos orgânicos e dos
rejeitos é efetuada pelo serviço público, diretamente ou através de
contrato de prestação de serviços, ao qual podem se habilitar inclusive
as organizações de catadores e catadoras.
-
A coleta de produtos recicláveis é
exclusiva das organizações de catadores e catadoras que deles se
apropriam para geração de renda e desenvolvimento.
Outra alternativa seria que a coleta fosse
feita por uma mesma empresa mas que o contrato determinasse que deveria
haver a transferência dos produtos recicláveis para as organizações dos
catadores e catadoras em determinado local antes do aterro.
6 – OBRIGAÇÕES DE QUEM SE APROPRIA DOS RESÍDUOS APROVEITÁVEIS
Temos demonstrado e insistido na nossa
convicção de que o caminho correto é que o acesso aos produtos recicláveis
deveria ser exclusivo das iniciativas sociais organizadas,
independentemente dos contratos de coleta e prestações de serviços para o
Poder Público e de eventuais monopólios que usualmente existem na limpeza
urbana.
Por outro lado, isso nos remete também ao
fato de que a iniciativa que se dedica a essa atividade precisa se
constituir com o objetivo de modificar a situação dos seus integrantes e
que utilize os resíduos sólidos no sentido de fazer com que o seu
aproveitamento se transforme em oportunidades para todos. Ou seja, ter
caráter social e transformador, como aliás, no caso, determina a Lei das
Licitações e Contratos Públicos.
Penso que somente construindo condições
para todas as pessoas e somente conseguindo implementar, pelos recursos
obtidos a partir da coleta de materiais recicláveis, novas relações
sociais e oportunidades coletivas, é que podemos vislumbrar a
possibilidade de uma nova sociedade a partir da organização das pessoas
que necessitam da mudança. Mas, não apenas na perspectiva da inclusão,
pura e simples, porque a atual sociedade vem marcada por mecanismo de
exclusão e quando pessoas são incluídas, acabam por excluir outras porque
o espaço de participação nos bens e riqueza no sistema capitalista é
absolutamente limitado.
A nova sociedade que desejamos construir é
a que busca que o atual sistema excludente seja superado e que os bens e
riquezas da humanidade sejam partilhados e usufruídos por todas as
pessoas, sem dominantes, empresários contratantes e sem subordinados, com
igualdade, com justiça e com fraternidade.
Daniel Rech