Lisboa é uma das mais antigas cidades da Europa, tendo sido fundada há
mais de três milênios. É juntamente com Setúbal, Alcácer do Sal e algumas
cidades do Algarve a mais antiga de Portugal e também a segunda mais velha
capital da União Europeia, após Atenas, mais antiga por quatro séculos que
Roma.
A sua história circula à volta da sua posição estratégica na foz do maior
rio da Península Ibérica, o Tejo; do seu porto natural ser o melhor para o
reabastecimento dos barcos que fazem o comércio entre o Mar do Norte e o
Mediterrâneo; além da sua proximidade no extremo Sul e Ocidente da Europa,
com os novos continentes da África Subsahariana e da América.
Napoleão Bonaparte |
Armada Invisível |
O Rei Habsburgo Filipe I de Portugal, II
de Espanha |
Pré-história
Existem vestígios de ocupação humana na área que hoje é Lisboa de há
muitos milhares de anos, atraídos pela proximidade do rio Tejo. Os
primeiros habitantes humanos da região teriam sido os Neandertais,
extintos há cerca de 30.000 anos pela chegada à Península do Homem
moderno. Durante o período Neolítico, os povos Iberos da região contruiram
os megalitos de função religiosa, tal como os restantes povos da Europa
Atlântica: dólmenes, menires e cromeleques terão sido comuns, e alguns
ainda sobrevivem hoje na zona.
Alis Ubbo: A fundação fenícia
Situação de Lisboa na margem norte do calmo Mar da Palha à direita. O
atlântico fica para a esquerdaDiz a lenda popular e romântica que a cidade
de Lisboa foi fundada pelo herói mítico Ulisses. Recentemente foram feitas
descobertas arqueológicas perto do Castelo de São Jorge e da Sé de Lisboa
que comprovam que a cidade terá sido fundada pelos Fenícios cerca de 1200
a.C.. Nessa época os fenicios viajavam até às Ilhas Scilly e à Cornualha,
na Grã-Bretanha, para comprar estanho aos nativos.
O Mar da palha ou estuário do Tejo é o melhor porto natural do percurso e
o rio uma importante via para as trocas de alimentos e metais com as
tribos do interior, tendo sido, talvez precisamente por isso, fundada a
colónia chamada Alis Ubbo, que na língua fenícia significa "porto seguro"
ou "enseada amena" (sendo provavelmente afilhada da grande cidade de Tiro,
actualmente no Líbano). A colónia estendia-se desde a colina onde hoje se
situam o Castelo e a Sé, até ao rio, que chamavam Daghi ou Taghi (que
significa "boa pescaria" em fenício).
Com o desenvolvimento de Cartago, também ela uma colónia fenícia, o
controlo de Alis Ubbo passou para essa cidade. Durante séculos, fenícios e
cartagineses terão desenvolvido a cidade a partir do que foi um simples
entreposto comercial para o comércio nos mares do Norte, para um
importante mercado onde eram trocados os seus produtos manufaturados pelos
metais, peixe salgado e sal da região e das tribos contactadas pela via
fluvial do Tejo. Os cavalos, antepassados dos actuais cavalos lusitanos,
já eram então famosos no Mediterrâneo pela sua velocidade, tendo Plínio
afirmado que as éguas do Tejo deveriam ser fecundadas pelo vento.
Os primeiros Judeus chegaram sem dúvida com os Fenícios, seus vizinhos. O
Hebreu é virtualmente idêntico ao Fenício e era raro o barco fenício que
não levava mercadores ou sócios da Judéia.
Com a chegada dos Celtas, estes misturaram-se com os Iberos locais, dando
origem às tribos de língua Celta da região, os Conni e os Cempsi.
Os antigos Gregos tiveram provavelmente na foz do Tejo um posto de
comércio durante algum tempo, mas os seus conflitos com os Cartagineses
por todo o Mediterrâneo levaram sem dúvida ao seu abandono devido ao maior
poderio de Cartago na região nessa época.
Olissipo: Lisboa romana
Ver artigo principal: Olissipo.
Olissipo situava-se na província romana da Lusitânia.Olissipo aliou-se aos
Romanos quando estes, liderados por Decimus Junius Brutus, procuraram
conquistar os Lusitanos e outros povos do Noroeste Peninsular. Os
habitantes da cidade lutaram ao lado das Legiões contra estas tribos
célticas. Em troca foi-lhes reconhecido o título de cidadãos romanos e à
cidade ampla autonomia como Município Romano. Foi incluida na província da
Lusitânia, encabeçada por Emerita Augusta.
A cidade situava-se entre a colina do Castelo e a Baixa, mas as zonas mais
ribeirinhas estavam nesse tempo ainda submersas pelo Tejo. Olissipo no
tempo romano foi uma importante praça comercial, estabelecendo a ligação
entre as províncias do Norte e o Mediterrâneo. Os seus principais produtos
eram o garum, um molho de peixe de luxo; o sal e os famosos cavalos
lusitanos.
A cidade foi um dos principais centros da introdução e desenvolvimento do
Cristianismo na Peninsula Ibérica. O primeiro Bispo foi São Gens.
As Invasões e os Germanos
Reino dos Visigodos antes da Conquista do Reino dos SuevosA degeneração do
Império, e a feudalização da sociedade romana levaram às primeiras
invasões dos povos Germanos, Hunos e outros. Inicialmente aceites como
colonos nas terras desertificadas pelas epidemias terriveis que mataram
grande parte da população da época (provavelmente de Sarampo e Varíola),
transformaram-se depressa em expedições militares com objectivos de saque
e conquista.
No início do século V os Vândalos (que depois se retiram para o Norte de
África) tomam Olissipo, seguidos dos não-germânicos Alanos. Em 419
Olissipo foi saqueada e queimada pelos Godos do Rei tribal Walia, e
finalmente em 469 integrada no Reino Suevo cuja capital era Braga. Após a
invasão dos Visigodos, estes estabelecem-se em Toledo e após várias
guerras durante o século VI, conquistam os Suevos, unificando a Peninsula
Ibérica, incluindo a cidade que chamavam Ulishbona.
Durante esta época conturbada, Lisboa perde as ligações políticas com
Constantinopla, mas não as comerciais. Mercadores Gregos, Sírios, Judeus e
outros, vindos do Oriente, formam comunidades que trocam os produtos
locais com os do Império Bizantino, Ásia e Índia.
Al-Ushbuna: Lisboa Muçulmana
Após três séculos de saques, pilhagens e perda de dinâmica comercial,
Ulishbuna seria pouco mais que uma vila no início do século VII. É nesta
altura que, aproveitando uma guerra civil do Reino Hispânico Visigótico,
que os árabes liderados por Tariq invadem a Peninsula Ibérica com as suas
tropas mouriscas, em 711. Olishbuna foi conquistada pelas tropas de
Abdelaziz ibn Musa, um dos filhos de Tariq, assim como o resto do
Ocidente.
Hispania MuçulmanaMais uma vez Lisboa, conhecida pelos árabes como
al-Ushbuna, torna-se um grande centro administrativo e comercial para as
terras junto ao Tejo, recolhendo os seus produtos e trocando-os por
produtos do Mediterrâneo Árabe, particularmente Marrocos, Tunísia, Egipto,
Síria e Iraque. Segundo as estimativas actuais a cidade teria no seu
apogeu, no século X, mais de 100.000 habitantes, e com Constantinopla,
Salónica, Córdova e Sevilha, seria uma das maiores cidades da Europa,
muitas vezes maior que Paris e Londres, que em plena Idade Média teriam
apenas 5-10.000 habitantes.
A maioria dos habitantes converte-se à língua árabe e religião muçulmana
da minoria invasora que se instala como elite. A população cristã ,
Moçárabe, com o seu próprio Bispo segue o rito moçarabe de tradições
visigoticas, falantes do árabe ou de uma variedade de Latim vulgar,o
moçárabe, romance semelhante ao falado na Galiza e províncias do Norte, é
tolerada na qualidade de de dhimmi em troca de imposto, o jizyah. Esta
comunidade moçárabe que seguia ritos e costumes cristãos visigoticos é
muitas vezes rejeitada quando entra em contacto com os católicos. Foram os
moçárabes que levaram para Lisboa os restos de São Vicente, que se
tornaria o padroeiro da cidade.
A comunidade Judaica, já existente desde a fundação da cidade pelos
Fenícios, é grandemente reforçada pelos Judeus que aí se estabelecem como
mercadores e financeiros, aproveitando a elevação da cidade a núcleo
comercial proeminente. Além do sal, peixe e cavalos, negociavam-se as
especiarias vindas do Levante, as plantas medicinais, os frutos secos, mel
e peles. Os saqualiba passam a integrar a população e a ter uma posição de
destaque. O eslavo Sabur al-Saqlabi torna-se, durante o que foi conhecido
por regulo eslavo, governante da taifa de Badajoz.
Al-Ushbuna é renovada e reconstruída de acordo com os padrões do Médio
Oriente: uma grande mesquita, um castelo no do monte (que de forma
modificada se transformou no Castelo de São Jorge), um palácio para o
Governador ou (alcáçova), uma almedina ou centro urbano e um alcácer. O
bairro de Alfama cresce ao lado do núcleo urbano original. A cidadela de
al-Madan, a actual Almada é fundada na margem Sul do rio para proteger a
cidade.
Os Árabes e Berberes introduzem nos arredores da cidade a sua agricultura
irrigada, que é muito mais produtiva que os métodos de sequeiro
anteriores. As águas do Tejo e seus afluentes são usadas para irrigar a
terra no Verão, produzindo várias colheitas por ano e vegetais como
alfaces e frutos como as laranjas.
Politicamente, de início, a cidade faz parte do Califado Omíada de
Damasco, Síria. Consta das crônicas uma grande rebelião dos Berberes ou
"Mouros" frente à elite dos Árabes da Arábia em 740, que precisou de
reforços do Califado para ser suprimida. A cidade está depois sujeita ao
Califado de Córdova, no qual os sobreviventes Omíadas ganham a
independência do novo Califado Egípcio dos Abássidas.
Com o início da Reconquista, a opulenta al-Ushbuna é um alvo dos raides
cristãos, que saqueiam a cidade primeiramente em 796 e por outras ocasiões
nos anos seguintes, liderados pelo Rei Afonso II das Astúrias, mas a
fronteira permanece a norte do Douro. Em 844 várias dezenas de barcos dos
Vikings surgem no Mar da Palha, e os Escandinavos estabelecem o cerco,
conquistam a cidade e os campos à volta,onde ficam durante 13 dias [1] .
Mas os Vikings acabariam por partir face à resistência continuada dos
habitantes da cidade liderados por Alah ibn Hazme.
No início do Século X surgem em al-Ushbuna várias seitas islmâmicas de
conversos da população hispânica. Estas seitas são formas de organização
política com que os autoctónes se revoltam contra os obstáculos postos na
sua ascensão social por um sistema hierárquico em que primeiro vinha a
pequena elite de descendentes do profeta Maomé, depois os Árabes de sangue
puro, a seguir Berberes ou Mouros e só depois os Latinos arabizados e
muçulmanos. Vários líderes Latinos surgem, como Ali ibn Ashra e outros,
que se declaram Profetas ou descendentes de Ali (xiitas) que com aliados
em outras cidades iniciam guerras civis com as tropas árabes sunitas. Os
moçárabes eram tratados ainda de forma pior, assim como os Judeus,
sofrendo por vezes perseguições que, apesar de lamentáveis aos olhos
modernos, eram uma pálida imagem do que fariam os católicos contra não só
muçulmanos e judeus, mas mesmo contra os próprios cristãos não católicos
das terras reconquistadas.
Novo ataque Viking seguir-se-ia sem sucesso em 966. O Rei Ordonho I das
Astúrias pilharia a cidade novamente em meados do século IX, assim como
Afonso VI de Leão em 1093, que a reteve no seu Reino de Leão por dois
anos, após conquistar a cidade de al-Santaryn ou Santarém.
Com a fragmentação do Califado de Córdova por volta do ano 1000 com as
lutas intestinas, os notáveis de al-Ushbuna oscilam entre a obediência à
Taifa de Badajoz ou à de Sevilha, conseguindo manobrar de forma a obter
uma autonomia considerável. No entanto em 1111 um novo Califado
pan-hispânico é estabelecido pela invasão a partir dos desertos de
Marrocos dos Almorávidas liderados por Ali ibn Yusuf, cujas tropas são
travadas apenas na região de Tomar por Gualdim Pais. Este dura pouco tempo
até que regressam os tempos da divisão das Taifas e da autonomia e
prosperidade de al-Ushbuna.
Cruzadas: Portugal conquista Lisboa
O Condado Portucalense, já incluindo Coimbra. O Condado do Porto fundou
PortugalEnquanto se fragmentavam as Taifas islâmicas do Sul, no Norte
secedia o Condado Portucalense do Reino de Leão, já em plena Reconquista
da Península Ibérica. Apesar de baseado em Guimarães, a força económica
que permitia a autonomia do Condado Portucalense estava na cidade do Porto
(Portucale ou porto da cidade de Cale, a actual Gaia). É interessante
pensar como foi o novo Reino, centrado no dinamismo comercial da jovem
cidade de mercadores do Porto, que usufruía de uma posição e importância
semelhantes na foz do segundo maior rio da Peninsula Ibérica, o rio Douro,
como Lisboa no rio Tejo, que acabaria por conquistar essa venerável
cidade.
Afonso HenriquesFamosa e opulenta, a cidade daria reino bastante
prestígio. A primeira tentativa de Afonso de conquistar al-Ushbuna deu-se
em 1137 e fracassou frente às muralhas da cidade. Em 1140 aproveita os
cruzados que passavam por Portugal para novo ataque que novamente falha.
Só em Junho e Julho de 1147, com a ajuda de uma força mais numerosa de
cruzados, cerca de 164 barcos cheios de homens, consegue ser bem sucedido.
Enquanto as suas forças portuguesas atacavam pela terra, os cruzados na
sua maioria ingleses e normandos, aliciados pelas promessas de pilhagem
livre, montaram as suas máquinas de cerco, como catapultas e torres, e
atacavam simultaneamente pelo mar e impediam a chegada de reforços vindos
do sul. No primeiros encontros os muçulmanos vencem os cristãos matando
muitos, e a moral dos cruzados fica afectada, ocorrendo vários conflitos
sangrentos entre os vários grupos de cristãos.
Cruzados com Máquinas de GuerraConta a lenda que, após muitas tentativas,
uma das portas é arrombada e o português Martim Moniz consegue mantê-la
aberta com o próprio corpo permitindo que os seus companheiros entrassem,
ainda que morrendo esmagado por ela. Mais provavelmente com a ajuda das
máquinas de sítio, as muralhas são ultrapassadas, em 23 de Outubro de
1147. Segundo Osbernus[2], depois de entrarem na cidade, os colonienses e
os flamengos não respeitam o juramento nem palavra dada ao rei de Portugal
e saqueiam a cidade, actuam sem respeito contra as donzelas e cortam o
pescoço ao bispo da cidade. Depois da conquista da cidade, uma epidemia de
peste dizima milhares de vidas entre os moçarabes e muçulmanos [3].
Dom Afonso Henriques toma posse oficialmente da cidade no dia 1 de
Novembro, quando numa cerimónia religiosa, manda tranformar a grande
mesquita de sete cúpulas, a Aljama, em Sé Catedral. O Bispo é Gilbert de
Hastings, um cruzado inglês, e a muitos dos cruzados mais proeminentes são
doadas terras da região e títulos. Santo António nasce em 1195 na cidade
com o nome de Fernando de Bulhões.
A Sé Românica de LisboaO Rei daria o Foral em 1179, e tentaria recuperar
as ligações comerciais da cidade inaugurando uma grande nova feira ou
mercado. O resultado destes esforços é que os mercadores Portugueses
Cristãos ou Judeus não só retomam algumas ligações comerciais da antiga
al-Ushbuna, como na Andaluzia (Sevilha e Cádiz), e no Mediterrâneo, até
Constantinopla, como abrem-se novas vias para os portos da Europa do
Norte, que os muçulmanos raramente visitavam devido às diferenças
ideológicas. De facto a primeira vocação da Lisboa Medieval Cristã é a
mais uma vez a mediação do comércio entre o Mar do Norte e o Mediterrâneo,
mas graças aos avanços na navegação oceânica os volumes são cada vez
maiores. Casas de mercadores Portugueses abrem em Sevilha, Southampton,
Bruges e nas cidades da Hansa, e os Judeus Portugueses continuam a
comerciar com os seus primos no Norte de África. Trocam-se as especiarias,
sedas e mezinhas mediterrâneas; ouro, marfim, arroz, alúmen, amêndoas e
açúcar comprados aos Árabes e Mouros; juntamente com o azeite, sal, vinho,
cortiça, mel e cera Portuguesas com os texteis de lã ou linho finos,
estanho, ferro, corantes, âmbar, armas, peles e produtos artesanais do
Norte. São fundados estaleiros para a construção de mais barcos comerciais
e militares, cuja Armada é essencial na protecção do comércio contra os
piratas sarracenos. Para responder à crescente demanda pelas populações
cada vez maiores da Europa no Século XII e Século XIII, são estimuladas as
inovações na construção dos barcos, que da barca forte mas tosca passam,
numa síntese de saber cristão, viking e árabe, para a caravela (primeira
referência em 1226), o primeiro verdadeiro navio atlântico. Às profissões
ligadas à navegação, como carpinteiros e marinheiros, são dados
privilégios e protecção, incluindo a criação em Lisboa de um Juiz próprio,
o Alcaide do Mar (1242).
Um efeito indirecto de todo este dinamismo de Lisboa é a ruína dos
comerciantes germânicos, que faziam o mesmo comércio por ter (uma rota
mais dispendiosa mas a única possível quando os navios muçulmanos e os
seus piratas controlavam o sul de Espanha e o estreito de Gilbraltar)
entre os Países Baixos e a Hansa e a Itália e os seus portos. O Sacro
Império Romano-Germânico perde influência sobre os seus reinos, ducados e
cidades-estado constituintes, e os mercadores alemães, até aí senhores do
comércio Europeu, são forçados a procurar novos mercados a oriente.
No seguimento desta prosperidade, e com o aumento de segurança em Lisboa
com a conquista definitiva dos Algarves no século XIII, em 1256 Afonso III
de Portugal constata o óbvio e escolhe a maior e mais vigorosa cidade do
seu Reino para Capital, movendo para aí a Corte, os Arquivos e a
Tesouraria (que estavam em Coimbra). Dom Dinis, o primeiro Rei a presidir
todo o seu reinado em Lisboa, cria aí a Universidade em 1290, que
transfere para Coimbra em 1308 apenas devido aos conflitos crescentes dos
estudantes com os lisboetas. É nesta altura que a zona onde hoje está o
Terreiro do Paço é reclamada ao mar, através de drenagens do terreno já
lamacento (era rio livre até ao tempo da conquista, mas sedimentou devido
aos depósitos do rio). Novas ruas são desenhadas, como a Rua Nova, e o
Rossio torna-se pela primeira vez centro da cidade, roubando essa
distinção à colina do Castelo. Outras construções de Dom Dinis foram uma
muralha frente novo Cais da Ribeira contra os piratas, e renovações do
Palácio Árabe (a Alcáçova, destruida no Terramoto de 1755) e da Sé.
Além das colónias de Portugueses nas cidades do Norte da Europa, colónias
de mercadores do resto da Europa estabelecem-se em Lisboa, uma das mais
importantes cidades do comércio internacional. Sem contar com os Judeus
(que já existiam como Portugueses), os Genoveses são os mais numerosos,
acompanhados de Venezianos e outros Italianos, além de Holandeses e
Ingleses. Estes mercadores trazem para Portugal novas técnicas
cartográficas e de navegação, além de técnicas bancárias, financeiras e
outras conhecidas como o sistema do Mercantilismo, além de conhecimentos
das origens Asiáticas dos produtos de luxo como as sedas e especiarias,
que trazem do Oriente Bizantino e Islâmico.
Politicamente as tensões com Castela são contrabalançadas com uma Aliança
assinada em 1308, que perdurou ininterruptamente até hoje, com o principal
parceiro comercial de Lisboa (e também do Porto), a Inglaterra. A aliança
forma um dos dois lados da Guerra dos cem anos, no outro lado estão além
de Castela a França. No tempo de Fernando de Portugal inicia-se uma guerra
com Castela, e os barcos lisboetas com canhões são recrutados assim como
os Genoveses num ataque mal-sucedido a Sevilha. Em resposta os castelhanos
põem cerco a Lisboa, tomando-a em 1373, mas são pagos para se retirarem. É
no seguimento deste desastre que são contruidas as Grandes Muralhas
Fernandinas de Lisboa.
Socialmente em baixo viviam todo o tipo de jornaleiros e mercadores de
rua, além dos pescadores e dos agricultores das hortas de vegetais. São
desta época as várias Ruas dos ofícios, nas quais se organizavam as
corporações dos mesteriais, dirigidos pelos Mestres: Rua do Ouro
(ourives); Rua da Prata (joalheiros de pratas); Rua dos Fanqueiros; Rua
dos Sapateiros; Rua dos Retroseiros e Rua dos Correeiros. Estas
corporações educavam os aprendizes e tinham sistemas de protecção social e
controlo dos preços que beneficiavam os seus membros. A aristocracia,
atraida pela corte, estabelecia-se contruindo grandes palácios, e
desempenhava funções burocráticas. Mas a mais importante classe social de
Lisboa, mesmo após o ganho de funções políticas enquanto capital, era a
dos mercadores, a burguesia que era a força deste núcleo comercial que era
dos mais importantes da Europa. São os magnatas do comércio que controlam
a cidade e o seu Concelho oligárquico. É devido às necessidades destes que
se organizam na cidade os profissionais: banqueiros para coordenar os
riscos; homens das Leis para proteger e manipular os seus direitos legais;
especialistas e cientistas para construir os seus barcos e instrumentos de
navegação. Com a sua influência, conseguem extrair da Monarquia medidas
mercantilistas que os favorecem, e são o grande impulso à exploração de
novos mercados. A Companhia das Naus é fundada, uma verdadeira companhia
de Seguros, que exige pagamento de cotas obrigatórias de todos os
armadores em troca da partilha de perdas após naufrágios, organizando os
mais de quinhentos grandes navios dos magnatas da cidade. Com os
crescentes lucros, os mercadores mais ricos adquirem títulos de nobreza,
enquanto os fidalgos mais pobres se dedicam ao comércio.
Entre as minorias, contavam-se as dos Judeus e dos Muçulmanos (não só
mouros mas também árabes e latinos islâmizados de língua árabe). Havia uma
grande Judiaria que ocupava as freguesias de Santa Maria Madalena, São
Julião e São Nicolau, na Rua Nova e dos Mercadores (onde ficava a Grande
Sinagoga). Os Judeus (talvez 10% da população, ou mesmo mais) são grandes
comerciantes, com ligações aos seus correligionários por toda a Europa,
Norte de África e Médio Oriente, e os que não praticam o comércio
constituem grande parte dos letrados, como médicos, advogados, cartógrafos
e especialistas nas ciências ou artes. A sua actividade é fundamental para
a vitalidade da economia da cidade. Entres Judeus Sefarditas de Lisboa
contam-se grandes nomes como os Abravanel. No entanto são forçados a viver
separadamente, proibidos de sair à noite, obrigados a usar distintivos nas
vestes e pagam impostos extra, além de serem sempre as primeiras vítimas
em situações de revolta popular.
A Mouraria era o gueto correspondente para os muçulmanos, contendo a
Grande Mesquita, situada na Rua do Capelão. Contudo não eram prósperos e
educados como os Judeus, já que as elites muçulmanas tinham fugido para o
Norte de África, enquanto os Judeus letrados falantes de Português não
tinham outra Pátria. A maioria eram trabalhadores de baixo nivel de
qualificações com salários baixos, e muitos eram escravos de cristãos.
Também eles tinham de usar símbolos nas vestes e pagar impostos extra, e
sofriam as violências das multidões. O termo saloio provém do imposto
especial que pagavam os muçulmanos que cultivavam as hortas nos limites da
cidade, o salaio; assim como o termo alfacinha vem do cultivo desses
vegetais pelos árabes, então pouco consumidos no Norte.
No entanto a prosperidade da cidade viria a ser interrompida. Em 1290
ocorre o primeiro grande terramoto histórico, morendo milhares de pessoas
e desmoronando-se muitos edifícios. Novos terramotos registam-se em 1318,
1321, 1334, 1337 e um grande em 1344 que destrói parte da Sé e da Alcáçova,
em 1346, 1356 (destrói outra porção da Sé), 1366, 1395 e 1404
possivelmente todos resultantes de reajustamentos na mesma falha. A fome
surge em 1333 e em 1348 surge pela primeira vez a Peste Negra, que terá
morto metade da população, com novos surtos de menor mortandade em cada
década, à medida que nasciam mais pessoas susceptíveis. Estas catástrofes
destruiram em Lisboa como na restante Europa a Civilização vibrante da
Baixa Idade Média, com as suas catedrais e o seu espírito de Cristandade
universal, mas prepararam o caminho para o surgimento da nova Civilização
dos Descobrimentos e do novo espírito científico.
Revolução
Na Batalha de Aljubarrota a nova elite burguesa de Lisboa derrotou a velha
aristocracia feudal de Portucale e o seu aliado, Castela.O novo capitulo
da história de Lisboa nasce com a grande revolução da Crise de 1383-85.
Após a morte de Fernando de Portugal, o Reino passaria para o Rei de
Castela, João I de Castela. Os grandes aristocratas e clérigos do Norte,
possuidores de grandes propriedades no Sul que adquiriram após a
Reconquista, tinham interesses e cultura semelhantes às dos Castelhanos
com enfâse nas distinções sociais baseadas na possessão da terra, no
espírito de cruzada contra os Mouros no Norte de África, e nos benefícios
da união de toda a Hispânia. Contudo não são esses os interesses dos
mercadores de Lisboa (muitos dos quais pequenos fidalgos). Para Lisboa, a
união com Castela significaria uma diluição das ligações comerciais com a
Inglaterra e o Norte, e também com o Médio Oriente; além de um desvio de
atenções dos privilégios aos mercadores e da contrução de barcos
comerciais e de guerra, para os exércitos terrestres e os privilégios aos
Nobres. É por isso que os mercadores e pequenos fidalgos mercantes
apoiavam inicialmente o Mestre de Avis, D. João. A guerra de 1383 é no
fundo uma guerra entre a Aristocracia conservadora católica e medieval,
muito semelhante e ligada às suas congéneres Galega e Castelhana, do
antigo Condado Portucalense centrado no Minho, e os mercadores ricos e
pluralistas de Lisboa. Os nobres do Norte tinham fundado e conquistado o
país e para eles o domínio crescente de Lisboa ameaçava a sua supremacia
enquanto a aliança com os nobres Castelhanos a restabelecia. Para Lisboa,
uma cidade do comércio, as práticas feudais e as guerras terrestres dos
Castelhanos eram um risco para os seus negócios. São os burgueses que
ganham a luta, com as suas ligações inglesas e capitais avultados: o
Mestre de Avis é aclamado João I de Portugal, vencendo o cerco de Lisboa
de 1384, e a Batalha de Aljubarrota sob liderança de Nun'Álvares Pereira
em 1385 contra as forças de Castela e dos fidalgos do Norte. A nova
aristocracia portuguesa é formada a partir dos mercadores Lisboetas, e é
só a partir desta data que o centro de Portugal passa realmente do Norte
para Lisboa, tornando Portugal numa espécie de cidade-estado, em que quase
apenas os seus interesses determinam o rumo e a independência do país.
Os novos nobres burgueses constroem os seus palácios ou paços no bairro de
Santos; outros edifícios são os da Universidade em Alfama, que regressa a
Lisboa; a Igreja do Carmo; a Alfândega; e alguns dos primeiros edifícios
de habitação em toda a Europa com vários andares, até cinco. A cidade é
composta de ruas estreitas e tortuosas, a maioria de terra batida, em que
as casas alternam com as hortas e os pomares. A cidade continua a crescer,
e o largo abandono das técnicas de regadio muito produtivas dos muçulmanos
significam que é necessário importar trigo de Castela, França, terras do
rio Reno e até de Marrocos. Lisboa é uma cidade que cresce demasiado para
o país, e este torna-se num território circundante semelhante aos de
outras cidades comerciais. Lisboa, juntamente com Antuérpia no Atlântico
servem a mesma função de organização do comércio que Veneza, Génova,
Barcelona ou Ragusa no Mediterrâneo; ou Hamburgo, Lubeck e outras no
Báltico. Em 1417 proíbe-se que se deite lixo perto do Mosteiro do Carmo e
de outras áreas de Lisboa. Em 1426 outra lei proíbe lançar lixo e deixar
galinhas soltas nas ruas de Lisboa sob pena de pagar multa.
A política externa segue os interesses de Lisboa: são assinados acordos
comerciais e de cooperação com as cidades-estado comerciais de Veneza
(acordo de 1392), Génova (1398), Pisa e Florença, cujos mercadores já
habitavam na cidade, e muitos dos quais são naturalizados e se tornam
nobres Portugueses. Ceuta é conquistada em 1415 para permitir aos
mercadores Lisboetas um melhor controlo local (e luta contra os piratas
sarracenos) do comércio Mediterrânico que passava para o Norte através das
Colunas de Hércules assim como a exportação do trigo marroquino a melhores
preços. Além disso, nesse tempo Ceuta recebia as caravanas do ouro e do
marfim, comércio que os Lisboetas queriam dominar, e temia-se a tomada da
cidade pelos Castelhanos da rival Sevilha ou dos Aragoneses de Barcelona.
A Aliança com a Inglaterra, um dos seus maiores clientes, é prosseguida.
Lisboa, a Senhora dos Mares
A colaboração estreita com os Italianos, que dominavam a navegação no
Mediterrâneo desde o tempo do Império Romano, trouxe frutos à cidade de
Lisboa. Várias expedições se empreenderam com tripulações Italianas e
Portuguesas, nas quais foram descobertos os arquipélagos dos Açores,
Madeira e Canárias. Alguns afirmam que terão mesmo chegado ao Brasil.
Estas ilhas permitem o estabelecimento de novas cidades-portos, úteis para
a exploração de novos mercados.
A prosperidade de Lisboa fica ameaçada quando o Império Otomano invade e
conquista os territórios Árabes do Norte de África, Egipto e Médio Oriente
no século XV. Os Turcos são inicialmente hostis aos interesses de Lisboa e
das suas aliadas Veneza e Génova, e o comércio das especiarias, ouro,
marfim e outros bens sofre fortemente. Os mercadores de Lisboa, muitos
descendentes de Muçulmanos ou Judeus com ligações ao Norte de África,
reagem procurando negociar directamente com as fontes dessas mercadorias,
sem usar os mediadores Muçulmanos. As ligações dos Judeus Portugueses aos
Judeus Magrebinos, e a conquista de Ceuta, permitem aos mercadores de
Lisboa espiar os mercadores Árabes, descobrindo que o ouro, os escravos e
o marfim vêem para Marrocos em caravanas pelo deserto do Saara, a partir
das terras do Sudão (que nesse tempo incluía todas as pradarias a sul do
Deserto, o actual Sahel); e que as especiarias como a pimenta são levadas
para os portos do Mar Vermelho no Egipto a partir da Índia. A nova
estratégia dos mercadores Portugueses, Cristãos e Judeus, e Luso-Italianos
é navegar directamente à fonte dos materiais.
O Infante Dom HenriqueO grande impulsionador deste objectivo é o Infante
D. Henrique, que se baseia na cidade de Tomar. Sede da Ordem de Cristo
(antigos Templários), e de uma grande comunidade de mercadores Judeus, a
cidade está também muito ligada a Lisboa pelo comércio dos cereais e
frutos secos (uma das principais exportações de Lisboa). Os capitais e
conhecimentos do Oriente por parte dos Templários e Judeus foram sem
dúvida fundamentais para se conseguirem os propósitos dos mercadores
Lisboetas. O Infante Dom Henrique é o impulsionador de um projecto que não
foi ele que imaginou, mas sim os mercadores de Lisboa. Estes que
sustentavam através dos impostos e taxas alfandegárias a Monarquia,
tornando-a praticamente independente dos recursos dos nobres territoriais,
convertem-na aos seus propósitos mercantilistas. O Infante Dom Henrique é
o organizador de um certo dirigismo de Estado: os grandes riscos e
capitais necessários à abertura das novas rotas precisam da cooperação de
todos os mercadores através do Estado (como hoje muitos projectos de
grande capital são empreendidos internacionalmente). O Infante Dom
Henrique organiza e dirige os esforços dos navios portugueses de atingir
as fontes do ouro, marfim e escravos, que estes por si mesmos já
empreendiam de forma ineficiente. Com os capitais da Ordem de Cristo, são
fundadas escolas de marinheiros e concentrados recursos e conhecimentos,
dos mercadores Lisboetas Judeus, Luso-Genoveses ou Luso-Venezianos, para
atingir o objectivo. Várias expedições são lançadas sob a forma de
contratos com alguns dos mais influentes burgueses de Lisboa, até que o
Golfo da Guiné é finalmente atingido por volta de 1460.
Nesta época há nova tentativa dos nobres feudais nortenhos que
permaneceram, de retomar o controlo do Reino, assustados com a crescente
prosperidade dos mercadores lisboetas contra as suas perdas de rendimento.
O propósito é a facilidade da conquista de Ceuta, que abre prespectivas de
mais conquistas relativamente fáceis no Norte de África. Esta empresa
seria favorável aos nobres, que ganhariam saque e mais terras e
arrendatários em Marrocos, mas é contrária aos interesses dos
mercadores-fidalgos e judeus de Lisboa, que seriam os pagadores dos
impostos extra necessários às expedições e que procuram antes investir as
forças e recursos do Reino na descoberta dos novos mercados Africanos e
Asiáticos e não em aumentar ainda mais o poder da hostil e pró-castelhana
nobreza Portucalense. Todas as lutas que Dom João II de Portugal manteve
contra esses nobres, com a ajuda dos mercadores Lisboetas, exprimem esta
realidade subjacente de luta entre Lisboa e o Norte, o antigo Portucale
berço da nação, pela definição do rumo do país. Após várias conspirações e
incidentes, nas quais mais uma vez os nobres nortenhos pedem auxílio aos
seus congéneres Castelhanos, vence mais uma vez Lisboa e os seus
mercadores, e os cabecilhas são executados, entre os quais os Duques de
Bragança e Viseu, mortos em 1483 e 1484. Todos os projectos de expansão
terrestre em África são abandonados em troca do comércio nas novas terras
descobertas mais a Sul. Depois da morte do Infante Dom Henrique, quando o
caminho já estava aberto, inicia-se a iniciativa privada. O mercador
Lisboeta Fernão Gomes é o primeiro, sendo-lhe reconhecido monopólio sobre
o comércio africano em 1469, em troca de descoberta de 500 quilómetros de
costa para Sul a cada ano e 200.000 reais.
As ilhas da Madeira e dos Açores são populadas, e programas de cultivo de
produtos comerciais para Lisboa são implantados prioritariamente: a
cana-de-açúcar e o vinho. Na recém-descoberta Guiné, produtos baratos como
potes de metal e tecidos são trocados por ouro, marfim e escravos a partir
de feitorias controladas pelos Lisboetas: os nativos deslocam a sua
actividade económica para trocar com os Europeus, mas não são
conquistados, já que seria dispendioso. Fazem-se casamentos dos habitantes
das feitorias com as filhas dos chefes locais, facilitando as trocas: o
objectivo é o lucro e não a colonização. O resultado é um novo impulso
para o comércio de Lisboa. Na capital aparecem o açucar de cana e o vinho
da Madeira, o trigo de Ceuta, o almíscar, o indigo e outros corantes de
roupa, algodão do Norte de África e significativas quantidades do ouro da
Guiné e do Reino do Gana, em grande falta na Europa no fim do século XV.
Além disso são traficados de forma brutal escravos Berberes das Canárias e
depois Africanos. Os primeiros escravos são distribuidos pelo território
Português, e aparecem os primeiros Africanos de pele escura mesmo nas
terras do interior, comprados pelos senhores das propriedades. Um produto
inovador foram as malaguetas. Estes frutos picantes seriam cultivados na
Índia (para onde foram levadas pelos mercadores Lisboetas) mas são
originárias da Guiné. Rapidamente este bem de monopólio Lisboeta ganhou
favor na culinária Mediterrânica.
Contudo os melhores mercados e produtos viriam de outra descoberta, a
Índia e o Oriente. A guerra entre o Império Otomano e Veneza aumenta muito
os preços da pimenta e outras especiarias e da seda trazidas pelos
venezianos para a Itália, para Lisboa e daí para o resto da Europa a
partir do Egipto (que recebia barcos árabes vindos da Índia no Mar
Vermelho. Para contornar o "problema turco" é organizada a viagem de Vasco
da Gama, mais uma vez por iniciativa dos mercadores Lisboetas mas com
capital régio, que chega à Índia em 1498. Daí os mercadores atingem a
China onde fundam a colónia comercial de Macau, as ilhas da Indonésia, e o
Japão antes do fim do século XVI. No caminho estabelecem contractos
comerciais e portos de escala com os chefes e Reis em Angola e Moçambique.
Um grande Império colonial é consolidado por Afonso de Albuquerque, cuja
armada segura o Oceano Índico e portos em localizações convenientes, para
os mercadores vindos de Lisboa contra a competição dos turcos e árabes.
Não são tomados territórios mas apenas portos e fortes de trocas com os
nativos. Do outro lado do Mundo, Pedro Álvares Cabral chega ao Brasil em
1500.
O resultado para Lisboa são os novos produtos que trafica com a restante
Europa em regime exclusivo durante muitos anos: além dos produtos
africanos chega a pimenta, canela, gengibre, noz moscada, plantas
medicinais, tecidos de algodão e os diamantes pela Carreira das Naus da
Índia; as especiarias da Molucas, as porcelanas Ming e a seda da China, os
escravos de Moçambique, o pau-brasil e o açucar brasileiros. Além disso
continua o comércio do peixe (bacalhau salgado pescado na Terra Nova), os
frutos secos e o vinho. As outras cidades portuguesas, como o Porto e
Lagos, contribuem para o comércio externo apenas de forma marginal,
praticamente limitando-se a exportar e importar de Lisboa. Os Lisboetas
controlam ainda muito do comércio de Antuérpia, da qual importam tecidos
finos para o resto da Europa. Os mercadores alemães e italianos, vendo as
suas rotas, terrestres no caso dos primeiros, Mediterrâneas para os
segundos, largamente abandonadas, fundam grandes casas comerciais em
Lisboa reexportando os produtos de todo o mundo para o Leste da Europa e
para o Médio Oriente.
Lisboa é o mercado para os gostos de luxo das elites de toda a Europa:
Veneza e Génova arruinam-se e a Inglaterra e Holanda vêem-se obrigadas a
imitar os Portugueses para travar as perdas de divisas. Os Lisboetas
controlam durante várias décadas todo o comércio desde o Japão até Ceuta.
A cidade ganha fama que chega a mito, e no século XVI é sem dúvida a mais
rica cidade de todo o Mundo. Para ela migram comerciantes de toda a
Europa, que se misturam com as já substanciais minorias Judaicas e
Muçulmanas, além dos grandes números escravos Africanos (seriam entre um
décimo e um quinto da população) e até alguns Indianos, Chineses e mesmo
Japoneses e Índios Brasileiros. No tempo do Rei Manuel I de Portugal, nas
ruas de Lisboa as festas são feitas com desfiles de leões, elefantes,
rinocerontes, camelos e outros animais não vistos na Europa desde o tempo
do Circo Romano. Um rinoceronte e um elefante chegam inclusivamente a ser
oferecidos ao Papa Leão X (ver Castelo de If). Na Europa o mito de Lisboa
e das suas descobertas é tão grande que quando Thomas More inventa a sua
ilha da Utopia, tenta dar-lhe credibilidade dizendo que foram os
Portugueses a descobri-la.
Junto à Torre de Belém ancoravam as naus que partiam para o movimento de
expansão ultramarina.Para organizar todo o comércio privado e recolher os
impostos, são criadas na capital do século XVI as grandes Casas
Portuguesas de comércio: a Casa da Mina, a Casa de Arguim, a Casa dos
Escravos, a Casa da Flandres (Países Baixos) e a célebre Casa da Índia. Os
grandes lucros são usados na construção de outros edíficios: são deste
século o Mosteiro dos Jerónimos e a Torre de Belém no novo estilo
Manuelino (que evoca o comércio de além-mar), o Forte de São Julião da
Barra numa ilha do Tejo, o Terreiro do Paço, o novo e imponente Palácio
Real (destruído em 1755) e o Arsenal militar todos contruídos junto ao Mar
(da Palha); e ainda o Hospital Real de Todos-os-Santos, e inúmeros
palácios e solares privados. O impulso à pavimentação das ruas com formas
geométricas e desenhos formados por cubos de calcário branco e basalto
preto (a calçada portuguesa) foi um luxo iniciado na época, que outras
cidades da Europa não podiam pagar. A cidade expandia-se atingindo quase
200.000 habitantes, sendo construido o Bairro Alto, inicialmente conhecido
por Vila Nova dos Andrades em honra dos ricos burgueses galegos que aí se
estabeleceram, e que rapidamente se torna o bairro mais rico da cidade. É
inaugurada em 1552 a Feira da Ladra, que ainda funciona hoje no mesmo
local.
Aspecto do Bairro Alto, com um Palácio ao fundo.Culturalmente vive no
século XVI em Lisboa a geração de ouro das Ciências e Letras portuguesas:
entre os cientistas o humanista Damião de Góis (amigo de Erasmo e Lutero),
o matemático Pedro Nunes, o médico e botânico Garcia da Orta e Duarte
Pacheco Pereira; entre os escritores Luís de Camões, Bernardim Ribeiro,
Gil Vicente e outros. Isaac Abravanel, um dos maiores filósofos hebreus, é
nomeado Tesoureiro do Rei.
Socialmente todas as classes beneficiam. Os fidalgos urbanos da
administração Real e os burgueses são os mais beneficiados, mas mesmo o
povo vive com luxos inatingíveis para os ingleses, franceses ou alemães
seus conteporâneos. Os trabalhos pesados necessários são feitos pelos
escravos africanos e pelos galegos. Os primeiros são vendidos na Praça do
Pelourinho, sendo separadas as famílias, e trabalham todo o dia sem
salário, alguns sujeitos a tratamento brutal. Aos segundos certamente
compensava a viagem face às condições miseráveis da Espanha rural, e a
língua praticamente idêntica facilitava a integração.
O Mosteiro dos Jerónimos, terminado em 1572.Os Judeus incluem como sempre
alguns pobres e outros que se contam entre os mais educados e ricos
comerciantes, financeiros e letrados da cidade. O primeiro livro impresso
em Lisboa foi o Comentários sobre o Pentateuco de Moisés ben Nahman, um
livro em hebraico, publicado por Eliezer Toledano em 1489. Em 1496 os
espanhóis expulsam os Judeus do seu território, animados pelo espírito
fundamentalista de uma Monarquia exclusivamente cristã. Muitos vêm para
Lisboa, tendo provavelmente a sua população duplicado (seriam depois da
expulsão um quinto dos Lisboetas, ou mesmo mais). Em troca de um casamento
real, os Reis Católicos de Castela e Aragão pedem a Manuel I de Portugal
que faça o mesmo. Reconhecendo a importância central dos Judeus na
prosperidade da cidade, Dom Manuel decreta antes que todos os Judeus são
Cristãos e não os deixa sair do País. Durante muitos anos estes
cristãos-novos praticam o Judaísmo em segredo ou abertamente e apesar de
motins e violências contra eles (como muitas crianças que são arrancadas
dos pais e dadas a famílias cristãs que as tratam como escravos) são
tolerados até à implantação da Inquisição em Portugal, muitos anos depois.
O resultado é a ascensão social dos cristãos-novos. Temporariamente sem as
limitações dos Judeus, progridem até aos mais elevados cargos da corte.
Novamente são as antigas elites descendentes da antiga aristocracia das
Astúrias e da Galiza (os nobres de Portucale) que criam problemas à
ascensão social dos Judeus, frequentemente melhor educados e mais hábeis
que eles. O mal-dizer dos Cristãos-Velhos culmina em massacres dos
Cristãos-Novos em 1506 incitados pelos Priores menores das Igrejas. Vários
milhares terão sido assassinados antes de serem impedidos pelas tropas do
Rei. Como resultado dos conflitos, o Rei é persuadido pelos nobres
territoriais a introduzir a Inquisição (em 1531) e as limitações legais a
todos os descendentes de cristãos-novos (semelhantes às antigas contra os
Judeus), que os impedem de ameaçar os cargos superiores do Estado à
Aristocracia dos cristãos-velhos. O primeiro auto-de-fé (morte de
heréticos na fogueira) é realizado no Terreiro do Paço em 1540. Além da
Inquisição surgem outros problemas. Em 1569 há a grande Peste de Lisboa,
em que terá morrido um terço da população.
A inquisição mata na fogueira muitos Cristãos-novos, mas expropria a
propriedade e as riquezas de muitos outros. Muitos mercadores
cristão-velhos são expropriados também após uma denúncia anónima falsa,
que os inquisidores aceitam como válida já que as riquezas dos condenados
para eles revertem. Por outro lado poucos mercadores não teriam
ascendência cristã-nova, devido aos casamentos comuns entre filhos de
burgueses que eram sócios em empresas importantes. A Inquisição torna-se
assim um instrumento de controlo social na posse dos antigos
cristãos-velhos contra quase todos os mercadores Lisboetas,
restituindo-lhes finalmente a supremacia há muito perdida.
Auto da Fé, Quadro de Pedro BerrugueteÉ neste clima de intolerância e
perseguição, em que os lucros obtidos pelos riscos e o génio dos
mercadores bem sucedidos é desfeito pela inveja dos grandes proprietários
de terras (que rendem muito menos), que a prosperidade de Lisboa é
destruída. O antigo clima liberal propício ao comércio desaparece e é
substituido por um fanatismo católico e conservadorismo absolutos. Às
elites do país exige-se o sangue puro antigo e cristão-velho, ou seja, do
Norte. Muitos dos mercadores fogem para a Inglaterra ou Holanda onde se
estabelecem difundindo os conhecimentos navais e cartográficos dos
Portugueses. Lisboa é tomada pelas mentalidades feudais dos grandes
nobres, e os mercadores Portugueses, sem condições de estabilidade,
segurança, apoio e crédito devido às perseguições da Inquisição, são
incapazes de competir com os mercadores Ingleses e Holandeses (muitos
deles de origem Portuguesa) que lhes roubam os mercados da Índia,
Indonésia e China. Em sua substituição as elites de Portucale convencem o
débil Rei, Sebastião de Portugal a virar-se para a conquista de um Império
territorial, com mais terras e rendimentos para os Nobres, no Norte de
África, que lhes permitiria manter a supremacia económica frente aos
mercadores. Após o desastre militar de Alcácer-Quibir em 1578, os
Aristocratas recolhem-se mais uma vez aos braços dos seus congéneres
Castelhanos de mentalidade semelhante. Desta vez bem sucedidos, em 1580 o
Castelhano Filipe II de Espanha é declarado Rei Dom Filipe I de Portugal,
depois de derrotar o candidato dos enfraquecidos mercadores, o Prior do
Crato, Dom António (o qual era cristão novo e mais liberal, filho de mãe
Judia). Filipe I completa assim a ambição do seu pai o Habsburgo Rei
Carlos I de Espanha também Imperador Carlos V do Sacro Império
Romano-Germânico (Alemanha), e Senhor da maior parte da Itália e Holanda
que afirmara famosamente Se fosse Rei de Lisboa, seria em breve Rei do
Mundo.
O Rei Habsburgo Filipe I de Portugal, II de Espanha.
Domínio Filipino
Filipe I de Portugal, o primeiro dos Habsburgos Portugueses, é assim o
primeiro Rei da Hispânia. Apesar de desde 1492 os Reis Católicos Isabel I
de Castela e Fernando II de Aragão terem dominado o que hoje é a Espanha,
o título de Rei das Espanhas foi inicialmente usado para Felipe II quando
conquistou Portugal e portanto, de facto, todas as Espanhas.
Filipe I tenta inicialmente conciliar os interesses da Nobreza na
aquisição de mais territórios na Europa, do Clero em derrotar os
Protestantes e da burguesia em eliminar a concorrência e pirataria dos
Ingleses e Holandeses. Todos os barcos capazes de acção militar de Lisboa,
Sevilha e Barcelona são reunidos numa Invencível Armada que é enviada
contra a Inglaterra. Devido a uma grande tempestade e à perícia dos
Almirantes Ingleses, a armada é destruida. Esta derrota converte
finalmente o Rei aos interesses da Nobreza territorial. Grandes exércitos
(os Terços) de mercenários, pagos pelos mercadores e comandados pelos
grandes Aristocratas de sangre puro Cristão-Velho, como o Duque de
Alba,são formados e atravessam a Europa para tomar as cidades e terrenos
férteis dos Países Baixos Calvinistas para o benefício dessa mesma
Nobreza.
Enquanto isso os Holandeses e Ingleses dominam os mares, e incapazes de
conquistar os Impérios territoriais Espanhois do México e Perú,
concentram-se em tomar as feitorias, portos e colónias costeiras dos
Portugueses, que traficam com Lisboa. São tomados os portos Nordestinos do
Brasil, Luanda em Angola, portos da África Oriental, o Cabo da Boa
Esperança, Ceilão (hoje Sri Lanka), Malaca e as Ilhas Molucas na
Indonésia, a ilha de Formosa (hoje Taiwan), a licença de comércio no Japão
e outros portos.
A Armada Invencível, Quadro de Philippe-Jacques de Loutherbourg,
1796Lisboa, com os seus mercadores já sob perseguição da Inquisição (que
expropriava os Cripto-Judeus e mesmo os Cristãos genuínos), perdera grande
parte da sua frota no desastre da Invencível Armadae que pagava impostos
altíssimos para sustentar os Exércitos dos Nobres Espanhois na Europa,
perde agora a maioria dos seus portos e produtos e é finalmente e
irreversivelmente arruinada, rapidamente perdendo importância. Em 1598 a
catátrofe é aprofundada por um terramoto e pela peste. Finalmente Filipe
II de Portugal torna-se exclusivamente Filipe III de Espanha e depois o
seu filho apenas Filipe IV de Espanha quando, sob conselho da Nobreza
Castelhana e com a aquisciencia dos Nobres territoriais Portugueses,
absorve o Reino de Portugal no Reino de Espanha. Lisboa, a grande cidade
cosmopolita é agora uma cidade de província sem qualquer influência junto
dos Grandes Espanhois de sangue puro, que governam da então Conservadora e
Fundamentalista Católica Madrid. Nesta época a cidade perde actividade
económica e habitantes, diminuindo a população até menos de 150.000.
As cosntruções deste período cabem em duas categorias: as defesas contra
os piratas do Norte, e os edifícios religiosos que apelam para a lealdade
à Monarquia Universal Católica pretendida pelo Rei. Foram construidos o
Torreão um maciço edifício junto ao Terreiro do Paço, que não sobreviveu
ao terramoto de 1755; o Convento de São Vicente de Fora; novas muralhas
com novas disposições de acordo com a engenharia militar da época, como a
Torre do Bugio numa ilha no meio do Mar da Prata; e fortificações em
Cascais, Setúbal e na margem Sul. Os piratas ingleses e holandeses, como
Francis Drake, fazem diversos ataques a algumas praças Portuguesas, mas
não se atrevem a atacar Lisboa.
Com o declínio economico e o desemprego, aumenta muito a miséria e a
criminalidade. As autoridades Espanholas são obrigadas a introduzir uma
espécie de corpo policial, os quadrilheiros que patrulham as ruas da
cidade e controlam o crime de rua, as lutas, a bruxaria e o jogo. Segundo
algumas crónicas do tempo, a taxa de assassinatos no ínicio dos 1600s
seria mesmo superior, numa cidade de 150.000 pessoas, à de hoje em Lisboa
com 2.500.000.
Os problemas para o comércio na cidade aumentam quando os Catalães, um
povo mercador como o de Lisboa, também oprimidos pelas taxas castelhanas,
se revoltam em 1636. É a Portugal que Madrid vem exigir os homens e os
fundos para derrotar os Catalães, numa tentativa de usar os de Portugual
contra os da Catalunha.
É então que os mercadores da cidade se aliam à pequena e média nobreza.
Tentam convencer o Duque de Bragança, Dom João, a aceitar o trono, mas
este, como o resto alta Nobreza, é beneficiado por Madrid e só o prospecto
de se tornar Rei o convence finalmente. Os conspiradores assaltam o
Palácio do Governador, aclamando o novo Rei Dom João IV de Portugal, com o
apoio inicialmente do Cardeal Richelieu de França, e depois a velha
Aliança retomada com a Inglaterra.
O Ouro do Brasil
A Lisboa pós-Restauração é uma cidade cada vez mais dominada pelas ordens
religiosas Católicas. Mais de 40 conventos são fundados na cidade em
adição aos 30 já existentes, e os religiosos ociosos cuja sustentação é
assegurada pelas esmolas e expropriações contam-se aos muitos milhares,
constituindo mais de 5% da população da cidade. O clima político é cada
vez mais conservador e autoritário e a Inquisição, depois de destruída a
classe mercadora, concentra-se no controlo das mentalidades, vigiando as
ideias e a creatividade, que suprime em nome da pureza da Religião. Os
segundos e terceiros filhos, que não recebem a profissão do pai, e que
antes se dedicavam ao comércio e às empresas além-mar, agora simplesmente
se refugiam nas ordens religiosas e vivem à conta de outrem, a maioria das
vezes de forma apenas superficialmente religiosa.
A situação de ruína económica é finalmente resolvida não pelos projectos
bem sucedidos dos mais capazes empreendedores, mas pela exploração
colonial pura e pelos subsídios do Estado: é descoberto Ouro no Brasil, no
actual Estado de Minas Gerais. O Estado Português cobra como imposto um
quinto do ouro extraído, que começa a chegar a Lisboa em 1699 e cujas
receitas Reais rapidamente chegam às várias toneladas anuais (mais de 15
toneladas após 1730) representando quase todo o orçamento do Estado. A
desligação do empreendimento económico e da riqueza, devido ao ouro que é
extraido por uma fracção do custo, permite a manutenção do novo clima
conservador autoritário na Capital. Em Portugal o Poder é de quem tem o
Ouro, que não deseja reformas e pretende manter o Antigo Regime.
O Palácio de Mafra: um edifício construido com o Ouro do Brasil, nunca
teve qualquer utilidade excepto proclamar o Poder da Igreja em PortugalCom
o ouro, obras faraónicas simbólicas da finalmente atingida supremacia
absoluta das forças socias conservadoras Portuguesas, o Clero Católico e a
Aristocracia Territorial, são construidas no novo estilo da
Contra-Reforma, o Barroco. O mais significativo é o gigantesco Convento de
Mafra (acabado em 1730 por mais de 50.000 trabalhadores, mas nunca usado),
nos arredores da cidade; o Panteão Nacional (ou Igreja de Santa Engrácia)
em Lisboa; grandiosas modificações do Palácio Real; juntamente com
inúmeros Palácios Aristocráticos e algumas obras úteis mas construidas com
desperdício, como o Aqueduto das Águas Livres (1720).
Contrastando com a enorme riqueza corrupta das altas elites, o povo vive
na miséria. A cidade cresce com a necessidade de mão-de-obra para as
contruções faraónicas, para 185.000, mas após as obras não há emprego. São
deste período as primeiras descrições de Lisboa como uma cidade suja,
degradada e não europeia: apenas dois séculos depois de sob governo dos
mercadores liberais, ter sido conhecida como a mais prospera e cosmopolita
da Europa.
terramoto de 1755Termina este período em 1 de Novembro 1755, dia de Todos
os Santos, em que ocorre o grande terramoto de Lisboa. Ás nove horas e
quarenta minutos a terra começa a tremer com uma intensidade que
provavelmente não foi ultrapassada até hoje em todo o Mundo. Após cerca de
um minuto, regressa a calma, seguida de novo tremor. A população acorre às
praças com espaço junto ao rio Tejo, para morrerem afogadas pelo enorme
Tsunami que vem do Atlântico. Depois do sismo, Lisboa está em ruínas. O
grande Torreão Real, a Casa das Índias, o Convento do Carmo, o Tribunal da
Inquisição, o Hospital de Todos-os-Santos são destruidos. Das 20.000 casas
das classes mais baixas, de construção menos sólida, 17.000 são destruidas.
Sobrevive o rico Bairro Alto, alguns edifícios de pedra sólida e poucas
outras áreas. Seguem-se as pilhagens e os grandes incêndios. No fim, dos
180.000 habitantes, mais de 10.000 terão morrido e muitos outros perderam
toda a sua propriedade. É esta catástrofe que abala a confiança do Antigo
Regime, e dá espaço ao Ministro, o Marquês de Pombal, de tentar por
finalmente em prática em Portugal as reformas cientificas e liberais já
usadas com sucesso no Norte, da novas teorias políticas e económicas do
Iluminismo.
O Marquês de Pombal
Século das Luzes
O Marquês de Pombal Sebastião José de Carvalho e Melo, Ministro da Guerra
e Negócios Estrangeiros e oriundo da Baixa Nobreza, reagindo celebremente
às ruínas do terramoto, terá dito que era necessário enterrar os mortos,
cuidar dos vivos e construir a cidade. Uma ideia que vai desenvolver de
seguida a nível da economia e sociedade. O poder da Igreja é limitado e a
sua falange, os Jesuítas, é expulsa do país. O poder da aristocracia
territorial conservadora é brutalmente suprimido, numa série de
conspirações e contra-conspirações, que acabam com a cruel execução da
família que lidera a reacção, os Távora. Estes teriam sido responsáveis
por um atentado ao Rei José I de Portugal numa tentativa de proclamar o
conservador Duque de Aveiro Rei, e demitir Pombal, embora haja
historiadores que defendam que esta acusação não terá passado de uma farsa
manipulada pelo próprio Marquês por motivos pessoais. A Inquisição é
extinta e os cristãos-novos, ainda então constituindo a maior parte das
classes médias educadas e liberais da cidade e do país, são libertados das
suas limitações legais e é-lhes finalmente permitido o acesso aos altos
cargos governamentais, anteriormente monopólio legal da aristocracia de
"sangue-puro". A indústria é apoiada de forma algo dirigista mas vigorosa,
sendo estabelecidas várias fábricas reais em Lisboa e noutras cidades, que
prosperam. Após o período Pombalino há 20 novas fábricas para cada uma que
existia anteriormente. Finalmente os vários impostos e direitos
alfandegários dentro de Portugal, prejudiciais ao comércio, são abolidos.
Em todoss estes propósitos, Pombal apoia-se nas doações e empréstimos dos
mercadores e industriais Lisboetas.
Estátua a D. José no Terreiro do Paço.Em Lisboa, o Marquês, recusando os
conselhos de alguns que pretendem mover a capital para outra cidade,
ordena a reconstrução de acordo com as novas teorias de organização
urbana, após ordenar uma avaliação da situação real através de um inédito
inquérito à população. É ainda o Brasil colônia que paga quase toda a
reconstrução, com mais de 20 milhões de cruzados. A cidade recebe ainda
ajudas de países como a Inglaterra, a Espanha e a Hansa alemã, enchendo-se
de estaleiros de construção. A maior parte da nobreza e aristocracia
portuguesa refugia-se nas suas quintas nos arredores de Lisboa. O Rei
instala-se num palácio improvisado de madeira ,a Tenda Real, enquanto o
novo em pedra começava a ser erigido em Belém então ainda uma região fora
da cidade de Lisboa. O grande volume de obras acontece, no entanto, no
centro da antiga cidade, com o desenho de um novo projecto para a Baixa, o
bairro mais atingido pelo terramoto. Este é projectado por Eugénio dos
Santos e Carlos Mardel e aprovado pelo Marquês, enquadrando-se no espírito
iluminista e pragmático da época: as ruas estreitas são substituídas por
largas ruas rectilíneas dispostas ortogonalmente. Estas permitiriam não só
a devida iluminação e ventilação das ruas (arejamento), como aufeririam
mais segurança (patrulhamento, acesso aos edifícios em caso de incêncio e
evitar a propagação de incêndios transversalmente à rua, etc.). Os
edifícios a construir também foram alvo de uma política consistente, tendo
a equipa projectista definido o desenho das fachadas, as regras de
construção da estrutura dos edifícios e elaborado um conjunto de outra
regulamentação com vista à produção de um conjunto habitacional capaz de
enfrentar melhor um eventual terramoto, assim como redesenhar a estrutura
social da cidade de Lisboa, atribuindo-lhe um novo pendor comercial à
cidade. A estrutura inovadora escolhida consistia num esqueleto de madeira
(a gaiola pombalina), uma malha rectangular com travamentos das suas
diagonais (em cruz de Sto. André) onde se procurava que a flexibilidade da
madeira se adaptasse à sobrecarga provocado pelo terramoto sem que a
estrutura quebrasse. Esta estrutura em madeira assentaria num embasamento
em alvenaria (que corresponderia ao primeiro piso das habitações,
destinado a lojas, oficinas e armazéns) com arcos em abóbada de berço, que
conferiria peso ao conjunto. Todos os edifícios da zona da Baixa
assentariam numa estacaria em pinho que permitiria dar mais resistência ao
solo arenoso da Baixa e garantir a transferência eficaz do peso dos
edifícios para o solo sem que este cedesse. Os novos edifícios eram de
arrendamento horizontal, estando hierarquizados em importância e qualidade
pela sua proximidade à rua (geralmente o último piso possui pé direito
mais baixo, varandas comuns, janelas mais pequenas, divisões menores, etc.
e seria destinado à famílias com menos posses). Todos os edifícios teriam
paredes corta-fogos de alvenaria a separá-los uns dos outros. A
estandartização das fachadas, das janelas, das portas, dos azulejos de
padrões geométricos simples no hall, etc. permitiria a aceleração do
processo de construção através da produção em série destes elementos fora
do local da obra. Todo o conjunto possui proporções e regras de composição
clássicas, com recurso à proporção áurea. O centro estruturante da nova
cidade seria a Rua Augusta que ligaria o limite Norte da cidade, o Rossio,
e o limite Sul, o Terreiro do Paço, onde uma disposição monumental dos
edifícios, o arco da Rua Augusta, um monumento ao rei e o Tejo a fechar a
praça, contribuiriam para o desenho daquilo que se pretendia que fosse o
novo coração da actividade comercial da reconstruída cidade de Lisboa. Os
edifícios do Terreiro do Paço estariam destinados à instalação dos
armazéns e grandes casas comerciais que se esperaria que voltassem a
surgir e a animar a praça, mas após vários anos de abandono acabaram por
ser ocupados por ministérios, tribunais, o Arsenal, a Alfândega e a Bolsa,
já no reinado de D. Maria I.
Rua Augusta: as novas ruas mais largas e rectilíneas, com prédios de
contrução em gaiola resistentes aos terramotos.Na extremidade Norte,
paralela ao Rossio, estaria projectado um novo mercado, que acaba por
nunca ser construído, tendo ficado a praça, inicialmente conhecida por
Praça Nova ou das Ervas, hoje denominada Praça da Figueira.
A nova Praça da Figueira foi construida como novo mercado no período
Pombalino.Ao contrário dos desejos e esperanças do Marquês de Pombal e da
sua equipa, a reconstrução da cidade demora muito mais tempo do que
esperado, tendo apenas terminado a sua reconstrução em 1806. A isto,
deve-se em grande parte a pouca capacidade financeira da burguesia de uma
cidade em crise. Apesar de tudo, e dentro da política de renovação da
economia portuguesa, começam a surgir lentamente indícios de
desenvolvimento. Moderadamente a cidade cresce até aos 250.000 habitantes
em todas as direcções geográficas, ocupando os novos bairros da Estrela,
Rato, então o novo centro industrial da cidade polarizado em torno da
recente fonte de abastecimento da água trazida pelo aqueduto (novas
fábricas de cerâmica), Alcântara, Ajuda, Sapadores, e as Amoreiras (onde
estavam as novas fábricas da Seda, cujos vermes são alimentados das folhas
dessa árvore). O Primeiro-Ministro tenta de todo o modo estimular as
classes médias, que via como essenciais ao desenvolvimento do país e ao
progresso. São formados os primeiros cafés propriedade de Luso-Italianos:
alguns sobrevivem hoje desse tempo, como o Martinho da Arcada no Terreiro
do Paço; o Nicola no Rossio, cujo dono Liberal iluminava a fachada após
cada vitória política progressista; entre outros. Surge o hábito das
soirées sociais entre os burgueses mais ricos, com a participação inédita
de mulheres, em que a Nobreza conservadora não participa. É deste modo que
surge novamente em Lisboa a classe média burguesa autoconsciente, composta
de cristãos-novos e cristãos-velhos provenientes do Povo, a origem dos
movimentos políticos pelo Liberalismo e pela República, que se manifestam
nos novos Jornais da capital.
Pombal viria a ser demitido após a morte de Dom José, e a ascensão ao
trono da muito religiosa Dona Maria I de Portugal, cuja grande
contribuição foi a Basílica da Estrela. Aconselhada pelo Clero e pelos
Nobres conservadores, além de demitir o primeiro-ministro procurou limitar
e até reverter algumas das suas reformas progressistas, num movimento
denominado a Viradeira. Segue-se a deterioração das condições económicas
que muito tinham melhorado no tempo Pombalino, e os problemas orçamentais.
Para lidar com a miséria e criminalidade novamente crescentes, é criada a
Polícia sob liderança de Diogo Pina Manique em 1780. Renova-se a
perseguição política desta vez sob forma secular: a Polícia persegue,
prende, tortura e expulsa todos os progressistas: maçons, jacobinos e
liberais; os jornais são submetidos à censura; muitas obras de filósofos
liberais ou Protestantes proibidas e os cafés vigiados por polícias à
paisana. A cultura é controlada e todas as manifestações menos Católicas
são ilegalizadas, incluindo o antiquíssimo Carnaval. Só o Teatro é
estimulado, com a construção em 1793 do Teatro de São Carlos no Chiado,
que vem substituir a Ópera destruída durante o terramoto. É, no entanto,
financiado pela iniciativa privada.
Guerra Civil: Liberais e Conservadores
No fim do Século XVIII, com a Revolução Americana de 1776, ganham peso as
ideias liberais por toda a Europa. Na França estala a Revolução em 1789.
Em Lisboa os liberais jubilam com a derrota da Aristocracia Francesa.
Rapidamente se radicaliza a Revolução em Paris, caíndo nas mãos da
extrema-esquerda, e o centrista Napoleão Bonaparte é chamado ao Poder pela
Burguesia assustada, acabando por autonomear-se Imperador. A sua política
na Europa é o Bloqueio continental, ou seja a proibição do comércio com a
Inglaterra. Aliado deste país, Portugal recusa e Napoleão envia Junot à
frente de um grande exército para conquistar o país.
Napoleão BonaparteJunot entra em Lisboa no dia 30 de Novembro de 1807. A
Família Real portuguesa, alta Aristocracia e Clero haviam fugido no dia
anterior. Junot é a princípio bem recebido pelos lisboetas e estabelece-se
no Palácio de Queluz. As novas ideias liberais são discutidas pela
burguesia Lisboeta com os oficiais franceses nos cafés da cidade, em
especial no Nicola do Rossio, onde se estabelece o Quartel General
Francês. Todos esperam a continuação das reformas do Marquês de Pombal,
mas Junot não quer estimular ideias radicais e nada faz. Portugal é antes
considerado um país a dividir: Lisboa seria directamente incorporada no
Império Francês, enquanto o antigo Portucale seria ressuscitado no Reino
da Lusitânia Setentrional.
A falta de reformas e o comportamento violento dos soldados franceses leva
finalmente à Junta do Supremo Governo a pedir o auxílio da Inglaterra. É
enviado um corpo expedicionário liderado por Wellesley e Beresford, e os
franceses em menor número, são obrigados a retirar-se em finais de 1808
entrando simultaneamente, seguindo um acordo de retirada, os Ingleses na
cidade onde se estabelecem em Arroios. Lisboa sofre economicamente com a
abertura dos portos do Brasil à Inglaterra. Os Ingleses recebem de D. João
VI, residente no Rio de Janeiro, o controlo do governo da cidade e país,
que administram como uma colónia. Os burgueses partidários da França são
executados. São então construídas defesas nos acessos à capital em Torres
Vedras, onde desde o tempo dos Romanos acabava o território de Lisboa. Aí
é vencida e forçada a retirar a nova força de invasão francesa liderada
por André Masséna, em 1811. Daí partiriam os ingleses e alguns portugueses
sob o General Wellington para libertar a Espanha. Napoleão será finalmente
derrotado em 1815.
Com os burgueses de Lisboa sob opressão dos ingleses, são os burgueses do
Porto que tomam controlo da cidade e se rebelam contra o colonialismo
inglês e pelo Liberalismo em 1820, seguidos pelos de Lisboa a que se
juntam expulsando os governadores ingleses num Golpe de Estado. As Cortes
são convocadas pelos Liberais e é promulgada uma Constituição de 1822, uma
Carta dos Direitos do Homem, e o fim dos privilégios do Clero e da
Nobreza. O filho do rei, D. Miguel de Portugal encabeça os Reaccionários
Conservadores Absolutistas, e inicia a Guerra Civil, contra as forças
Revolucionárias Constitucionalistas Liberais do seu irmão o Imperador
Pedro I do Brasil, depois Pedro IV de Portugal. É Dom Pedro que vence a
guerra em 1834, mas a Constituição promulgada é mais conservadora que o
esperado. No entanto são feitas algumas (poucas) reformas liberais, como a
extinção das Ordens Religiosas, e a expropriação de muitos bens da Igreja
Católica, que havia apoiado os Miguelistas. Desiludidos com Dom Pedro, há
nova conspiração em Lisboa no ano de 1836, dos Setembristas (pequenos
burgueses e letrados) que exigem a Constituição de 1822; e depois do
sentido contrário, dois golpes de Estado dos Absolutistas, em 1836 e 1837.
O País divide-se em dois grupos radicais que recusam dialogar um com o
outro. Neste ambiente de caos, as grandes potências do norte planeiam a
divisão das colónias e províncias do país.
No período de Governo Liberal (1820-1842) é marcado pelas guerras e
guerrilhas mas ainda assim são introduzidas diversas reformas e
empreendimentos. É finalmente implantado o velho projecto da iluminação
pública da cidade, já existente em muitas propriedades privadas da
burguesia, entre os anos de 1823 e de 1837. Inicialmente com lamparinas de
azeite, mas mais tarde com óleo de peixe, serão substituidos pelas
lâmpadas de gás em 1848. Além disso é contruida uma nova rede de estradas;
e são introduzidos os barcos a vapor ligando Lisboa ao Porto pelo mar. São
feitos planos para lançar os caminhos de ferro, mas a guerra com os
Conservadores não o permite, e o primeiro troço, entre Lisboa e o
Carregado só será inaugurado em 1856.
Este período é marcado pela perda de alguma viabilidade económica da
cidade de Lisboa. O Brasil torna-se independente e os seus produtos e ouro
já não escoam para a Capital. No período do Cabralismo são atribuídos
títulos nobiliárquicos a muitos grandes burgueses, para os compremeter,
com algum sucesso, com o partido conservador. Após a sua perda de
rendimentos do Brasil a dependência do Estado torna-se atractiva e a
classe ociosa teme a competição e apoia as divisões sociais artificiais e
rígidas. É nesta época que se multiplicam os Barões e Viscondes desligados
de propriedades territoriais, muitos hereditários mas muitos outros
limitados à vida do beneficiário, que recebem rendas do Estado ou se
dedicam à política corrupta do tempo. A grande aristocracia territorial
ganha o hábito de passar o Inverno em Lisboa, seguindo para os seus
solares apenas no Verão. No entanto é o povo que mais sofre com as guerras
e a perda do Brasil: a cidade estagna e perde importância e de quinta mais
populosa da Europa passa para décima e continua a descer. Os empregos
tornam-se mais precários e a miséria aumenta novamente.
Lisboa entre a Europa e a África
A Estação do Rossio.
O Elevador de Santa Justa, de 1902
Um americano eléctrico moderno
Mapa da cidade em 1885.Após terminarem as guerras e conflitos entre os
conservadores e liberais, Lisboa, tendo perdido o ouro e monopólio dos
produtos do Brasil, a fonte de toda a sua riqueza desde o fim do século
XVI encontrava-se numa situação económica desesperada. No Norte da Europa,
as nações iniciavam a industrialização, e enriqueciam com o comércio das
Américas (a Inglaterra viria a dominar o comércio brasileiro) e da Ásia. O
atraso de Portugal parecia irreversível.
Sem conseguir derrotar definitivamente os Liberais, e assustadas com o
desastre económico a que as políticas conservadoras tinham conduzido
Portugal desde o século XVI, em contraste com o sucesso liberal da
Inglaterra, França e Países Baixos, os Conservadores que dominavam o País
e a capital cederam parcialmente. Reformas limitadas seriam permitidas em
troca de manter o espírito Católico, rural e conservador e do poder
político ser mantido nas mãos dos grandes proprietários. Seriam realizadas
eleições mas apenas por aqueles qualificados pela propriedade avultada. A
patronagem do Estado seria partilhada com a nova classe e foram concedidos
títulos aos grandes burgueses e capitalistas. No entanto mantiveram-se os
privilégios e subsídios do Estado às classes dirigentes, e a
industrialização seria limitada aos interesses destas.
Neste período Lisboa é uma cidade pobre e suja quando comparada às cidades
do Norte da Europa. Quase toda a sua importância comercial se resume ao
monopólio que mantém sobre os produtos das colónias portuguesas,
especialmente Angola e Moçambique. O próprio país é descrito em Londres,
Paris e Berlim como uma extensão do Norte de África, ou seja, um
território incapaz de se governar a si mesmo. Iniciam-se as primeiras
emigrações já não para governar e dirigir outras terras, mas antes para
trabalhar a partir da mais baixa escala social: partem para o Brasil
muitos milhares de pobres lisboetas. Face à miséria e atraso de quase todo
o país surge em Lisboa uma classe alta muito rica que, como se cega, gasta
e comporta-se como se pertencesse às elites do Norte da Europa, enquanto
governa um país rural e atrasado, vergado pelo proteccionismo económico,
falta de educação e cuidados de Saúde providos pelo Estado. Com a
diminuição de importância da terra como factor de riqueza, nobreza
territorial e alta burguesia orbitam a Corte Real, vivendo luxuosamente
dos subsídios e salários distribuídos por esta com os impostos recolhidos
aos pobres. Estabelece-se um regime "de brandos costumes", onde cessam as
perseguições, mas também as reformas, e a corrupção é rotina e quase
sempre impune.
Entre os governantes inertes e corruptos, existem alguns que melhor
compreendem a necessidade de mudanças. Fontes Pereira de Melo é o ministro
que mais luta pela liberalização da economia e a industrialização. Vários
empreendimentos económicos e industriais são estimulados.
É contruída uma rede de caminhos de ferro ligando Lisboa ao Porto e
cidades intervenientes, a partir de duas novas estações de comboios, a
Estação de Santa Apolónia e a Estação do Rossio. A luz eléctrica é
implantada em 1878, substituindo a iluminação a gás. Em termos
urbanísticos, são criados os primeiros planos directores. É necessário
mudar a imagem da suja capital que choca os visitantes da Europa do Norte.
Os habitantes são então estimulados a usar azulejos ou pintar as fachadas
de cor-de-rosa, segundo as directrizes municipais (ainda hoje dominam o
centro da cidade os inúmeros prédios rosas com azulejos deste período).
Além disso são criados os primeiros sistemas de canalizações, esgotos e
tratamento de água, respondendo aos ataques de cólera que matam milhares.
Utilizando o novo proletariado miserável, é possível agora recalcetar as
novas e velhas vias (incluindo o Rossio) tal como havia sido feito em
menor escala no século XVI, com a velha técnica da calçada portuguesa.
Outras inovações importantes são os americanos ou carruagens transportadas
em carris por cavalos, introduzidos em 1873 (seriam substituídos em 1901
pelos americanos eléctricos, que ainda hoje existem); os elevadores
eléctricos que são instalados em muitas das colinas depois de 1880.
O centro cultural e comercial da cidade passa então para o Chiado. Com as
velhas ruas da Baixa já ocupadas, os donos de novas lojas e clubes
estabelecem-se na colina anexa, que rapidamente se transforma. Aqui são
fundados os Clubes, como o Grémio Literário famoso das histórias de Eça de
Queiróz, e frequentado por Almeida Garrett, Ramalho Ortigão, Guerra
Junqueiro, Oliveira Martins e Alexandre Herculano. Estabelecem-se ainda
lojas de roupas das modas de Paris e outros produtos de luxo, grandes
armazéns no estilo do Harrods de Londres ou das Galerias Lafayette de
Paris e novos cafés de Luso-Italianos, como O Tavares e o Café do Chiado.
Novas construções e vias abrem os novos bairros do norte de Lisboa,
estimulados pela Câmara Municipal apoiada pelos burgueses. Em 1878 o
Passeio Público é demolido e substituído em 1886 pela nova Avenida da
Liberdade, desenhada por Ressano Garcia. A Avenida tem mais de um
quilómetro e estende-se pelas terras agrícolas, antecipando a expansão
urbana. É criado a partir dela todo o eixo urbano central da cidade (hoje
em 2005 novamente em expansão). No cimo da avenida é construída a Praça do
Marquês de Pombal, da qual partem as novas vias da Nova Lisboa. Nestas
Avenidas Novas constroem palacetes as elites de Lisboa, junto a novos
edifícios públicos como o Liceu Camões (1907) e a Maternidade Alfredo da
Costa (1909). A mais importante destas é a Avenida Fontes Pereira de Melo,
para nordeste, que termina na nova Praça Duque de Saldanha. Daí parte a
outra grande Avenida, hoje da República mas inicialmente de Ressano
Garcia. Nas imediações deste existe o Campo Grande (então um descampado e
não um Jardim) e a nova praça de touros do Campo Pequeno, acabada em 1892
num estilo neomourisco. Novos bairros são construídos nas imediações
segundo planos semelhantes aos da Baixa Pombalina: o bairro de Campo de
Ourique para oeste, e o da Estefânia para leste. Junto ao bairro da
Estefânia é contruída nova grande Avenida Dona Amélia (hoje Avenida
Almirante Reis), ligando-a ao Martim Moniz. Todas estas novas construções
tranformam a cidade. O novo centro geográfico de Lisboa é o Marquês e a
Baixa é apenas a localização das grandes lojas. Para leste estabelecem-se
as pequenas classes médias e o povo, enquanto para oeste as altas classes
médias e os ricos burgueses.
Culturalmente este é o período em que as touradas e fado se tranformam em
verdadeiros entretenimentos populares regulares. A eles se junta o teatro
popular ou teatro de revista (inventado em Paris) que, com as velhas e
eruditas comédias e dramas, disputa os novos teatros da capital. Um
entretenimento típicamente português deste tempo é a Oratória, em que
actores corrompem a velha arte do Padre António Vieira em argumentos
cantados, floridos e quase sempre superficiais com que disputam prémios.
Surgem ainda os primeiros grandes jardins públicos, imitando o Hyde Park
de Londres e os jardins das cidades alemãs: o primeiro é o Jardim da
Estrela, onde passeiam os burgueses aos fins-de-semana.
Socialmente as classes altas são agora uma mistura de nobres conservadores
que são obrigados com relutância a aceitar algumas ideias liberais e
burgueses titulados que aderem a muitas ideias conservadoras. A eles
juntam-se os brasileiros, os emigrantes pobres e pouco educados que haviam
enriquecido no Brasil e voltado para a cidade na ânsia de aceitação nos
altos círculos sociais. Lisboa é o centro industrial do país (apesar de a
sua industrialização ser mínima comparada à da Inglaterra ou Alemanha). As
classes pobres de Lisboa crescem exponencialmente, com a chegada dos
primeiros proletários que trabalham nas novas fábricas. Estes vivem muitas
vezes em bairros miseráveis e degradados, onde grassa a cólera e outras
doenças, trabalhando todo o dia para apenas ter suficiente que comer.
Os liberais das classes médias traídas, cujos impostos pagam os luxos das
classes altas sem nada receber em troca, renovam-se num novo movimento
liberal mais radical, que ameaça não só os antigos proprietários de terras
mas também os novos barões e viscondes capitalistas dependentes do Estado.
Da aliança entre os proletários mais educados e as classes médias nasce o
novo Liberalismo Radical, melhor conhecido como Republicanismo devido à
sua oposição à aliança de antigos liberais agora dependentes do Estado
Monárquico (os burgueses titulados) e Conservadores (velha aristocracia)
Monárquicos: os grandes capitalistas, proprietários de terras e
dependentes da Corte.
A Revolução de 1910
A Bandeira do Partido Republicano é hoje a Bandeira de PortugalCom o
surgimento do compromisso entre os Liberais mais à direita e os
conservadores mais moderados, que se manifestou na Monarquia
Constitucional, a falta de desenvolvimento e de reformas ainda notável do
País levou a ala mais esquerdista, ou radical dos Liberais,contituida
principalmente pelas classes médias, a reformular os seus objectivos
políticos. Nasceu assim o Partido Republicano que defendia reformas
liberais radicais como o sufrágio universal, o fim dos privilégios à
Igreja Católica e das rendas aos nobres, e acima de tudo o derrube de uma
elite política cada vez mais desacreditada pela corrupção e incompetência.
O País endivida-se e está cada vez mais dependente dos Países do Norte. Um
episódio catárquico foi sem dúvida a humilhação frente ao Ultimato Inglês,
por uma nação aliada.
As condições que possibilitaram a subida ao poder dos Republicanos foram
acima de tudo económicas. No fim do século XIX, houve uma lenta e pouco
vigorosa industrialização em Portugal, mas ela concentrou-se bastante na
cidade de Lisboa. Apesar de o povo do país continuar rural e católico na
sua maioria, e apoiar o Rei e a Igreja, nasce então uma nova classe
popular em Lisboa (e em menor grau no Porto e na Beira) que partilha
ideias mais progressistas: o proletariado. A grande indústria de Lisboa é
então o fabrico de derivados do tabaco, mas também existem fábricas de
texteis, vidros, conservas e borracha, entre várias outras. No total, no
fim do século XIX haveria muitas dezenas de milhares de trabalhadores nas
indústrias numa população total de mais de 300.000 pessoas. As primeiras
"zonas industriais" de Lisboa são os bairros de Alcântara, Bom Sucesso e
Santo Amaro. As condições em que vive a nova classe popular de Lisboa são
miseráveis. Vindos em grandes números do meio rural sem nada, instalam-se
em bairros de lata extensos, nos arredores da cidade, e é frequente as
crianças trabalharem longas horas nas fábricas. Outros vêm em grupos
grandes da mesma aldeia, e instalam-se em terrenos abandonados, em núcleos
fechados no interior da cidade, conhecidos por pátios ou quintais (muito
comuns na Graça). Surgem os primeiros bairros operários, cujas habitações
são contruidas a custo mínimo por empresários para atrair força laboral.
Surgem então os primeiros sindicatos, muitos dos quais se afiliam com os
anarquistas. Em vez de se juntarem aos novos partidos Marxistas como
noutros países da Europa, outros proletários reúnem-se à volta das classes
médias e profissionais (médicos e advogados) do Partido Republicano. Como
resultado, o Partido, muito débil no norte do País (com a excepção do
Porto), ganha cada vez mais influência na capital. Apesar de defenderem a
propriedade e o mercado livre, os republicanos prometem melhoria das
condições laborais e medidas sociais. Contudo as classes altas vivem ainda
numa sociedade à parte, e não são capazes de reagir às novas exigências
excepto com a repressão. O resultado são as acções cada vez mais
violentas.
Alarmadas as elites impõem a ditadura em 1907 com João Franco, mas é tarde
de mais. Em 1908 a família real sofre um atentato em que morrem o Rei Dom
Carlos de Portugal e o Príncipe herdeiro, numa acção provavelmente
executada pelos anarquistas (que neste período atacam figuras públicas em
toda a Europa). Em 1909 os operários de Lisboa organizam extensas greves.
Em 1910 Lisboa revolta-se finalmente. A população da cidade forma
barricadas nas ruas e são distribuidas armas. Os exércitos ordenados a
reprimir a revolução são desmembrados pelas deserções. O resto do país é
obrigado a seguir a capital, apesar de continuar profundamente rural,
católico e conservador. É proclamada a Primeira República.
São promulgadas medidas liberais: apoio social aos trabalhadores, com
criação do Estado Providência, direito à greve, fim dos privilégios da
Igreja e nobreza, direito ao divórcio. Os impostos são modificados, de um
modelo que se baseava nas contribuições dos trabalhadores e classes
médias, para outro que tributava mais os mais ricos.
República
O período da República é marcado pelas disputas e violências políticas.
Apesar de a situação ser tensa neste período por toda a Europa, com vários
ataques terroristas e tumultos mesmo nos países mais desenvolvidos, em
Portugal a situação terá sido mais crítica. Entalado entre as elites
Monárquicas hostis e os movimentos laborais cada vez mais extremistas,
animados pelas novas teorias do anarquismo e marxismo, que apelam à luta
nas ruas contra os "regimes burgueses", e herdando uma dívida pública
recorde dos últimos anos da Monarquia, a República é um período de
convulsões: sucedem-se as greves gerais (agora legais), as manifestações e
mesmo os atentados à bomba e bala nas ruas de Lisboa, e a classe política
Republicana divide-se sobre o modo de lidar com a situação. Em 1912 os
Monárquicos aproveitam o descontentamento com as leis Liberais dos
Republicanos no Norte do País, e aí tentam o golpe de Estado, que falha.
Em 1914 Portugal entra do lado Aliado na Primeira Guerra Mundial, enviando
homens e recursos muito consideráveis num período de crise, e a situação
económica e política fica cada vez mais tensa, havendo mesmo episódios de
fome.
O resultado são mais golpes de Estado contra a República Democrática pelos
Conservadores e pró-Católicos, muitas vezes com o apoio dos líderes dos
sindicatos e movimentos de trabalhadores que pretendem criam distúrbios
que lhes permitam mais ganhos revolucionários: em 1915, toma pela força o
poder o General Pimenta de Castro, e em 1917 Sidónio Pais assume o Poder
de forma autoritária e inconstitucional. Ambos dissolvem o Parlamento e
governam de forma ditatorial. Em 1918 cai sobre a cidade a gripe
espanhola, que mata muitos milhares e piora a situação dos operários, que
de seguida se revoltam várias vezes, e Sidónio Pais é assassinado.
Neste período é construida grande parte dos edifícios de habitação ao
longo do norte da cidade aberto pelas Avenidas Novas. Pintados com as
cores tradicionais da cidade, amarelo, cor-de-rosa e azul claro, com
fachadas de vários andares encabeçadas por mansardas, formam ainda hoje a
mais visível face da cidade. Quase todos são erguidos por pequenos
empresários, na sua maioria oriundos da cidade de Tomar, e por isso
conhecidos como patos bravos. Alguns dos novos edifícios são construidos à
pressa e com poucas preocupações de segurança, que dariam origem a vários
acidentes com desmorronações e vítimas mortais nos anos seguintes.
O fim da República ocorre em 1926, quando a Direita Conservadora
anti-democrática (ainda em pleno século XX largamente liderada pelos
descendentes da antiga Nobreza do norte de Portugal e pela Igreja
Católica) toma finalmente o poder após mais duas tentativas em 1925,
alegadamente de forma a por fim à anarquia que ela própria tinha
largamente criado. Inicialmente militar, liderado pelo General Gomes da
Costa, o novo governo rapidamente adopta uma ideologia semi-fascista sob a
liderança de António de Oliveira Salazar