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      Meio Ambiente de Aripuanã

 

ARIPUANÃ - DECOBRINDO A TERRA ESQUECIDA

Texto e fotos: José Roque Teodoro Santos
      [Matéria integrante da Revista TP 243]


Cachoeiras com mais de 130 metros de altura. Trilhas que levam para atrás de uma cortina d'água, literalmente, embaixo de um rio.
Pescarias fartas em peixes. Um paraíso inexplorado!


 

A água brota da pedra. A vegetação brota da pedra. A Natureza explode em toda parte. As pratas da casa são as corvinas e cachorras. As opções, porém, são amazônicas, o que poderia ser traduzido por "infindáveis". O apelido de "terra esquecida" se deve à distância. Aripuanã é o último município do estado do Mato Grosso, na divisa do Amazonas e de Rondônia, bem próximo da fronteira com a Bolívia. Na língua indígena significa: "Rio de Pedras". A pequena cidade fica a 1.100 quilômetros da capital, Cuiabá. De ônibus são três dias de viagem. É uma das portas de entrada para a Amazônia Legal*.
 

A cidade até pode ser pequena, mas o município é gigante. Tão grande quanto suas belezas. É um dos maiores municípios do mundo, com 63.000 quilômetros quadrados, uma área igual a 42 municípios de São Paulo. Além de grande potencial para o ecoturismo e a pesca esportiva, a administração de Aripuanã também pretende desenvolver o turismo histórico. E não faltam histórias para contar. Na virada do século, o município recebeu dois importantes grupos de exploração e pesquisas: a "Expedição Langsdorff", no final século XIX, e, no início do XX, a "Expedição Científica Roosevelt-Rondon", guiada pelo mato-grossense Marechal Cândido Rondon.


As belas paisagens desse paraíso já serviram de cenário para vários filmes. Um deles é o Kuarup, de Ruy Guerra. Cachoeiras, como a de Dardanellos, e o Salto das Andorinhas foram algumas das locações escolhidas pelo cineasta. A dificuldade de acesso, por terra, manteve esse patrimônio natural praticamente desconhecido. O rio, meio de locomoção na Amazônia, também não colabora com o homem, em favor da Natureza. Cinqüenta e três cachoeiras e corredeiras quase inviabilizam a navegação até Manaus.
 

Um terço do território de Aripuanã está em áreas indígenas. Próximo à cidade há duas aldeias - Araras e Rio Branco - da Nação Cinta Larga. Houve tempos em que a convivência com o branco não era amistosa. A febre amarela e as histórias das onças também ajudaram a afastar a "civilização". Moradores mais antigos contam que, quando alguma autoridade da capital, Cuiabá, queria se livrar de um desafeto, o nomeava para algum cargo em Aripuanã. O rio de pedras, índios, malária e a própria floresta se encarregariam de dar cabo ao inimigo político ou ele, simplesmente, cairia no esquecimento.
 

Pescadores de aventuras

Avaliar o potencial de pesca dos rios Aripuanã, Branco e Roosevelt e as riquezas naturais da região foi o objetivo principal da equipe Troféu Pesca, nesta verdadeira expedição. Para tanto, foi traçado um roteiro. As cachoeiras abrem a grande aventura.
 

Uma trilha nos leva aos grandes saltos d'água. Antes, uma praia às margens do Rio Aripuanã, local onde, aos fins de semana, reúnem centenas de pessoas em busca de lazer. O visitante pode ainda chegar por uma escada de madeira com trezentos e sessenta e oito degraus, que corta a mata preservada. Mas, um aviso, é preciso muito preparo físico.

 

Na margem oposta, outra trilha pela mata, passando por pinguelas, riachos, pedras escorregadias. É o caminho das pedras para o encontro com as cachoeiras. Vinte minutos depois, um chuvisqueiro. É a névoa formada pela queda d'água: um "lava rápido para a alma". O barulho impressiona. Daí, é escalar a rocha maior para fazer parte do cenário cinematográfico. Vem a segunda etapa. Uma escada nos leva ao "pé da cachoeira", a cinco metros de uma queda d'água com mais de 130 metros de altitude.
Terminado o passeio? O mato-grossense Adauton César de Almeida, nosso guia, avisa que não. Segue para uma pequena trilha e mostra a escada de ferro, com um convite: "Que tal ficarmos, agora, atrás dessa queda, debaixo do Rio Aripuanã?!"

 

Subidos alguns degraus, a queda d'água vai ficando para trás e o rio já nos cobre. É a cortina d'água. Estamos num espaço entre pedras com cerca de seis metros de comprimento, quatro de largura e um e meio de altura. Está aí um lugar, onde a Natureza soube se esconder! A pescaria de "aventura" já compensa o esforço e o investimento na viagem. E isso é só o começo. Tem ainda a Cachoeira das Andorinhas, com mais de 80 metros. E nem começamos as pescarias!
 

Expedição Rio Branco
 

Afluente do Rio Aripuanã, o Rio Branco é mantido preservado com a ajuda de duas aldeias indígenas. Navegamos por ele, cerca de 100 quilômetros, pesquisando os melhores pontos de pesca. No final um veículo nos aguarda para o retorno por terra.

 

A partida de nossa equipe - Maraísa, Ademar, Adauton, Antônio, Francisco e o autor -, em três barcos, coincide com o sol nascente. A primeira parada é num poço, onde procuramos pelo pintado. Em dez minutos já dá para avaliar quem será nosso maior adversário nessa expedição, as piranhas. Nossas iscas, jejum, tuvira e minhocuçu não chegam ao fundo. Até nas artificiais é uma atrás da outra.
 

Continuamos a descida e aparece o primeiro obstáculo. Construíram uma ponte para a retirada de madeira, na Aldeia Rio Branco. Tentamos passar pelo pequeno espaço, que restou no leito do rio, com muita dificuldade os barcos menores chegam para o outro lado. O maior só mesmo arrastando pela terra. As informações dos três homens, que fazem a manutenção da ponte, não muito boas: "Há dois dias os índios não conseguem pegar nenhum peixe por aqui". A explicação é o rio muito alto e a lua cheia. Isso faz com que as piranhas não deixem os outros peixes chegarem até a isca.

Com muita dificuldade os barcos chegam do outro lado. Seguimos em frente. Mais uma parada e novamente muitos ataques de piranhas. Os barcos descem mais uma hora. O rio se abre como se fosse em uma grande rotatória, mas sem nenhuma placa indicativa. Alguns canais invadem mata adentro, outros somem entre as pedras.
 

Somente nesse momento ficamos sabendo que é a primeira vez que nossos guias estão navegando nessas águas. Tenta daqui, vai por ali, até que Antônio encontra uma saída. Ainda temos quarenta quilômetros pela frente. Insegurança, incerteza e medo. Esse é o clima predominante na equipe. A única informação disponível é de uma grande corredeira antes do final da expedição.

 

Parar para pescar? Nem pensar!
 

Voltar é impossível! Do local, onde iniciamos a expedição, até o hotel são mais de 60 quilômetros. Se descer o pequeno canal já foi uma aventura no escuro, tentar subir será um suicídio. A decisão é enfrentar a corredeira, deixando a pescaria para o final da expedição. Durante uma hora de navegação, o silêncio nos barcos é total. O som de água batendo em pedras quebra a mudez da mata. De repente, numa curva, o rio desaparece. À nossa frente só pedras e mais pedras.

O grupo desce dos barcos à procura de alguma saída, um fio de água pouco maior que o barco. A superfície do rio encosta nos galhos das árvores.
Parte da equipe vai caminhando pelas pedras, enquanto a outra entra na água e vai guiando os barcos sob as árvores. Uma hora é o tempo gasto para passagem dos barcos rio abaixo. Alívio geral, o clima é de festa. A última barreira foi vencida com sucesso. Só faltam os peixes.
 

Final de tarde, vamos ao encontro do guia que nos aguarda em terra. Logo avistamos uma clareira e lá está a Van que vai nos levar de volta ao hotel. Até o escurecer temos umas duas horas para pescar. Enquanto os equipamentos são preparados, recebemos a visita de um grupo de índios. Um deles acabara de apanhar um pequeno pintado. Seu jantar está garantido. Eles nos avisam que estamos pescando numa reserva. Pedem para deixarmos a área. Atendemos prontamente.
 

Piranhas, corredeiras, rio volumoso, lua cheia, os peixes esportivos não estão do nosso lado. Mas nada disso importa, a pescaria de aventura, a beleza gigante num paraíso gigante, faz com que os peixes sejam apenas um complemento. Ainda temos o Rio Aripuanã e o famoso "Rio da Dúvida" ou Roosevelt.
 

As grandes corvinas amazônicas
 

Um novo dia. Esperanças renovadas. O destino agora é o Rio Aripuanã. Conhecido na região pelas grandes corvinas e cachorras. Diferente do dia anterior, a mata parece estar cheia de vida. Nosso objetivo é encontrar as grandes corvinas. Há informações de que aqui elas atingem os cinco quilos. Do hotel, para chegar ao barco, o caminho escolhido é uma escada de madeira, com 368 degraus em meio às árvores, com mais de 30 metros. Um casal de araras, saguis por toda a parte. Os pássaros nos brindam com uma verdadeira sinfonia. Algumas garças acompanham a saída do barco.


Um ribeirinho - também chamado na região de "beiradeiro" - passa informações importantes: "Depois da segunda curva, tem um poção. É só deixar o barco rodando, quando o chumbo bater no fundo. Fiquem levantando e abaixando a isca, que elas atacam rapidamente. As corvinas começam a comer às 11 horas". Aprendemos mais uma. Agora até corvina tem hora certa para comer. Vamos em direção ao poção. Nas margens, um barulho. É um piau se debatendo. Tenta se livrar do ataque de algum predador. Linha na água, barco rodando e Maraísa fisga o primeiro peixe. Uma cachorra de bom tamanho. Descemos mais um pouco e já estamos bem próximo ao horário indicado. Soltamos a poita sobre o poço, a profundidade é superior a 12 metros. Adalton joga a linha. Logo que isca começa a trabalhar, uma pancada, um erro na fisgada, mas não desiste. Outra ação e, desta vez, um belo exemplar de corvina é trazido. O "beiradeiro" tinha razão, ali a corvina tem hora certa para comer. Mal o peixe é solto e Ademar fisga um mandi. Ajeita-o no anzol e o manda de volta como isca. Sente uma pressão na linha e fisga. A briga é boa, mas o peixe leva a melhor e escapa levando o mandi. A isca agora é um jejum e logo, outro exemplar é fisgado.

 

Outra batalha. É corvina e das boas. Quando ela chega à superfície, "devolve" o mandi que havia roubado a pouco. Pode parecer história de pescador, mas não é. Por sorte de Ademar, a cena foi filmada. Quatro quilos e meio, um recorde mundial. Segundo o boletim da IGFA, o recorde atual foi pego pelo americano Larry Larsen, no Rio São Benedito, e pesou 4 quilos e 8 gramas. Em duas horas e meia de pescaria, muitas corvinas foram pegas. Misteriosamente as treze horas as ações pararam por completo. Mais uma etapa foi cumprida. Aripuanã, a terra que já foi esquecida é hoje um pequeno pedaço do paraíso, no estado do Mato Grosso, mas com excelentes opções amazônicas.

 

Amazônia Legal é o termo usado para efeito administrativo da Amazônia Brasileira, integrada por seis estados: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, e parte dos Estados de Mato Grosso, Tocantins e Maranhão. Com mais de 5 milhões de quilômetros quadrados ocupa aproximadamente 61% da área do País. Nessa área caberiam sete países como a França ou 32 países da Europa Ocidental.

 

Um ex-presidente, no limite
 

Expedição Científica Roosevelt-Rondon (1913-1914)
 

Entre os meses de dezembro de 1913 a maio de 1914, o ex-presidente dos Estados Unidos Theodore Roosevelt e o Coronel Cândido Rondon iniciam, às margens do Rio Paraguai, uma grande amizade.

 

Juntos, lideram uma expedição científica americano-brasileira que percorre os sertões de Mato Grosso e do Amazonas, com o objetivo de colher exemplares de pássaros e animais selvagens para o museu de Nova York.


Da expedição fazem parte médicos, militares, cientistas e remadores. Também estava presente Kermit, o filho do ex-presidente norte-americano. A parte mais arriscada fica por conta de uma exploração do até então desconhecido Rio da Dúvida. Um rio que ninguém sabia para onde corria nem onde ia deságuar. Documentos dão conta de que, diante de um pequeno riacho, Roosevelt não acredita que aquele seria o rio misterioso que procuravam. Com o passar dos dias, porém, o rio mostra seu volume e sua força.

 

Num momento em que todos estavam contemplando a beleza e magia da selva, acontece uma tragédia. Desesperado, o ex-presidente vê o barco em que estava seu filho, ir em direção a uma cachoeira. Uma corda é jogada na tentativa de segurar a canoa. Os homens se atiram a água, Kermit se agarra em uma pedra e espera até ser salvo. Outros membros da expedição conseguem chegar até a margem, mas um deles não teve a mesma sorte, sumiu nas águas. Junto com os barcos perdidos nas cachoeiras desapareceu também boa parte dos alimentos. Muito trabalho e pouca comida. O grupo foi obrigado a racionar a comida. Até Roosevelt, que chegou a pedir perdão ao filho por tê-lo trazido a uma aventura tão perigosa, dá sua cota de sacrifício.
 


 

A essa altura, não tinham como voltar atrás, foram obrigados a seguir em frente. E, para complicar, fortes chuvas dificultam a caça e pesca. Durante uma desesperada busca de alimentos na selva, foram atacados por ferozes índios. Mesmo correndo perigo de vida, Rondon - autor do pensamento "Morrer se preciso for. Matar nunca!" - ordena que seus soldados, armados de espingardas e revólveres, atirem para o alto, só para assustar os nativos.

 

Daí em diante, tudo parece conspirar contra. O médico da expedição já não dá conta de tratar dos doentes. O próprio Roosevelt, com grave ferimento na perna, já não pode mais caminhar. Permanece numa maca improvisada, e acaba contraindo malária. Aquele notável homem público, sente-se desamparado. A ele só restava rezar.

 

Dois meses depois do início da viagem, quando já imaginam estar tudo perdido, avistam um sinal de civilização. Com a frase: "Viva, domamos o Rio da Dúvida!" encerram a expedição.

 

Por sugestão de Rondon, numa homenagem do governo brasileiro ao ilustre ex-presidente norte-americano, a partir desse momento o Rio da Dúvida passa a se chamar Rio Roosevelt.

 

Fonte: Exército Brasileiro

 

A trágica e apaixonada Expedição Langsdorff
 

A Amazônia teria sido descoberta, por acaso, em 1542. A partir daí, muitas lendas se formaram. Como a da existência de ferozes guerreiras amazonas e de Xangrilá, a cidade perfeita. Iniciaram-se, então, as primeiras expedições.

 

Lope de Aguirre, Gonzalo Pizarro e Walter Raleigh foram os pioneiros a se aventurar na selva amazônica em busca da cidade perfeita e das tais guerreiras. Ao retornarem, depois de muito tempo, sem nada encontrar, foram decapitados. Daí em diante, muitos grupos de exploradores seguiram Amazônia adentro, em viagens marcadas por tragédias. A Expedição Artístico-Científica Langsdorff é um deles. Doenças, febres, suicídios, delírios, lendas e paixões foram as marcas deixadas por essa aventura. Dois anos de viagem e, dos 34 integrantes, apenas 12 retornaram.

 

Financiado pelo Czar Alenxandre I, da Rússia, o médico, naturalista e antropólogo Georg Heinrichi von Langsdorff, cônsul geral daquele país, organizou, em agosto de 1825, uma das últimas viagens clássicas do início do século XIX.

 

A equipe era formada por médicos, cartógrafo, meteorologista, botânico, astrônomos e os artistas plásticos Rugendas, Florence e Taunay. Com seis barcos e um batelão, a expedição partiu, pelo Rio Tietê, na cidade paulista de Porto Feliz, 60 quilômetros a oeste da capital. Atravessou o estado de Mato Grosso, chegando à fronteira com a Bolívia. Ali dividiram-se em dois grupos que, por caminhos e cursos fluviais diferentes, atingiram o Rio Amazonas.

 

Langsdorff, pretendia chegar à Cordilheira dos Andes. Mas, na região de Aripuanã, um dos pontos mais inóspitos do Brasil - nem aldeias indígenas foram encontradas ali - a expedição vive seus piores momentos. Quatrocentos quilômetros de fortes corredeiras e cerca de 30 cachoeiras fazem com que a viagem seja interrompida.

 

Landsgorff é vitimado pela malária, perde a memória e não pode completar a expedição. As últimas anotações encontradas em seu diário estão datadas de 28 de maio de 1828.

 

Todo o material de pesquisa, foi enviado para o museu do Jardim Botânico de São Petersburgo, na Rússia. Ali ficou por mais de 100 anos sem ter sido estudado. Já os trabalhos dos pintores Rugendas, Florence e Taunay mostraram ao mundo a imagem de um Brasil amedontrador, paradisíaco e virgem.

Fonte Fiocruz.