Dissertações sobre a
atual cidade do Namibe tendem a vestir-se de apenas duas roupagens: a
épico-bairrista e a bucólico-naturalista, referindo com maior ou menor
pormenor, respectivamente as afanosas idas e vindas de primeiros colonos
e pescadores, ou o ‘potencial’ turístico da welwitschia e o deambular
das cabras-de-leque. Pouco se lê sobre o elo entre a cidade e a maior
transformação socioeconômica da História moderna, a criminalização do
comércio em mão-de-obra escrava – o tráfico – e os papéis que muitas
figuras associadas com a cidade desempenharam nesse longo drama. Sem
entrar em pormenores sobre a origem e necessidade económica do tráfico,
merece a pena conferir algumas datas na larga periferia temporal da
localidade do sul de Angola: o sítio tem raízes compridas e espessas,
alimentadas durante séculos pelo enriquecimento das Américas.
Não tanto as razões humanitárias, de há muito expressas pelas nações
europeias – especialmente aquelas cujas economias não dependiam do
trabalho braçal em escalas industriais – mas a influência da
máquina-a-vapor inglesa sobre o Brasil independente, tornou possível a
libertação de todos os escravos daquele país em 1826. A medida causaria
na Angola do século dezanove sérios problemas administrativos –
derivados da despesa com a prevenção do tráfico ilícito e dos resultados
da ociosidade e potencial criminalidade dos libertos desempregados – se
a legislação portuguesa tivesse contemplado o caso de uma dívida do
Estado para com os senhores e mercadores angolanos. É duvidoso que o
problema pudesse resolver-se, mesmo se os governos Liberais que
promoveram a Abolição fossem perenemente fortes; assim, merece todo o
crédito a orientação política, tão judiciosa quanto o permitiam os
preconceitos da época e a conversão lenta da cultura económica colonial,
que veio a ser adoptada e passou pela criação de um foco de dispersão de
uma economia moderna a partir do antigo porto do barão de Moçâmedes, no
sul de Angola.
É ali, à beira do deserto do Namib, 1 que as convicções abolicionistas de
um outro barão, o de Sá da Bandeira, tomam corpo num projecto de
colonização em cuja cronologia se esboçam a coincidência e o contraste,
ocorrem situações extraordinárias e aparecem tipos humanos como os que
coloriram a literatura da época Romântica, a que pertenceu,
curiosamente, a Abolição.
Moeda de Angola
Aggry – Diz o autor serem
contas de vidro “com lindos desenhos... parece que tiveram origem no
Egipto... [e] os Fenícios que as trouxeram para África ao longo da Costa
Ocidental.”
Axiluanda – Quer dizer ‘lançar as redes’, segundo o autor, que segue assim
a interpretação de Mr. Alves da Cunha, associando o termo à rede dos
pescadores da ilha; no entanto a pesca ‘à rede’ não é referida pelos
missionários jesuítas que muito bem poderiam fazê-lo nas suas vívidas
descrições da indústria local após a sua chegada com Paulo Dias à
Luanda, em 1575. A palavra decompõe-se obviamente em a (“de”) e
tyilwanda, a palavra umbunda para ‘savana’, ou ‘planície sem vales’, e
mais provavelmente referia-se aos povos ‘de’ esta planície costeira da
costa angolana, ou mesmo à superfície rasa da cúspide arenosa a que se
tem chamado, impropriamente, ‘ilha’.
Bongue – Também escrito ‘bonge’ em documentos portugueses antigos, do Quim.
mbonge, ‘nós de caniço’, segundo o autor; os imbonge [seriam usados na
contabilidade tradicional e o termo veio a ser usado em referência ao
dinheiro miúdo, também contável], por onde o nome do ‘paninho’ fabricado
no Loango, que correu como moeda em Angola, o ‘libongo’.
Búzio – Termo usado genericamente pelo autor referindo-se à concha dos
moluscos univalves; especificamente, ‘búzio’ é a concha dos moluscos da
família Buccinidæ, e não a dos da família Cypreæ, a que pertence o ‘zimbo’,
búzio-moeda, ou caurim, angolano.
Caurim – O uso deste búzio como moeda teve origem na Antiguidade indiana –
onde se conhecia como córi, daí o nome em Inglês, cowrie – como o autor
menciona, sem especificar; refere a sua cultura sobre folhas de
palmeira, mergulhadas no mar, o que sugere um habitat diferente
(provavelmente sobre caules de plantas marinhas) do da/s espécie/s
angolana/s. Na primeira gravura da página 22 figuram duas cípreas e um
fuso, não sendo, este, um padrão monetário em Angola; os búzios da
segunda gravura também não são cípreas. O autor descreve o “búzio
africano” ou “de anel”: trata-se do geldkaurie, ‘caurim-dinheiro’, dos
Africaneres, uma espécie que habita as costas de Moçambique e da
província sul-africana do Natal; segundo o autor, os Holandeses,
precursores dos Africaners, não se utilizariam ainda do caurim africano
no século dezassete, quando ocuparam Luanda (1640-7), pois para ali
trouxeram como padrão de troca as ‘coralinas’, contas de material que
não especifica; este facto sugere que já então escasseasse o zimbo, e
corresse o libongo mais geralmente em Angola.
Chevron – Os pequenos objectos como as contas de feitio irregular na 2.ª
figura à p. 24, encontrados, segundo o autor, em algumas escavações em
Luanda com “aparência de serem antiquíssimas... exóticos trabalhos de
cerâmica corada confeccionados com sucessivas camadas de vária cores
sobrepostas... têm sido encontradas em túmulos no Continente Europeu e
na Índia.” O autor refere que se fabricavam “em Veneza e na Índia”.
Cruzetas – Diz o autor que “No século XVIII, em algumas localidades para o
Norte circularam pedaços de ferro e de cobre em forma de X... grosseira
imitação do... dez Reis em letra Romana... nas antigas moedas... de D.
Pedro II”; no entanto a gravura de uma “cruzeta” na p. 27 mostra um
objecto idêntico à handa do tipo ‘vela de moinho’ da figura na p. 33,
dita proveniente do Catanga e da Lunda, enquanto que os escritos
portugueses coevos não referem cruzetas nesta região, mas sim, e
abundantemente, a manilha ou ongondo. O fabrico da cruzeta da bacia do
r. Zambeze é certamente bem mais antigo que aquelas moedas portuguesas,
trazidas para Angola em 1694: o autor refere a primeira notícia de aspas
em forma de ‘velas de moinho’, de um relatório de D. Álvaro Vaz de
Almeida em 1516, que informava ter António Fernandes visto os nativos
das terras de Ambar, vizinha da Monomotapa, vender os objectos, feitos
de cobre proveniente (?) “dos rios de Manicongo, na Rodésia”.
As cruzetas fundiam-se em dois desenhos básicos: o normal, em ‘X’, das
culturas Luba e calunda, e o longo, as “cruzes de S.to André” da cultura
monomotápica, “típicas das minas de Manicongo”, segundo o autor, que
aparentemente se refere aos ‘rios’ mencionados pelo Fernandes
quinhentista. Cruzetas normais são os objectos representados nas moedas
de 1 e 5 francos de 1961 do Catanga, semelhante a espécimes encontrados
nesta região e na Lunda, as chamadas handas de tipo ‘vela de moínho’; do
segundo tipo são algumas, de confecção bem mais cuidada, com um rebordo
e secção trapezoidal, encontradas nas margens do r. Mpofu, Zimbabwe, e
aparentemente precursoras das cruzetas do Catanga. As cruzetas normais
atingiam os 30 cm de envergadura e chegavam a pesar 1700 g;
representavam, refere o autor, o preço de um escravo, e, mais
recentemente, o objecto dava-se em troca de uma esposa, entre os Baluba.
O autor refere que, segundo o P.e Arnot, os Basanga fabricaram lingotes de
cobre até 1891, de minas de malaquite e em fundições exploradas por
certas famílias aristocráticas, possivelmente até uma casta. Os nativos
mencionados pelo Fernandes eram “povos mais brancos que escuros” que
Tracey coloca “além do r. Hnugani”.
Natural de Moçâmedes, hoje Namibe, Angola. Amigo e colega no Helderberg
College, África do Sul. Depois de terminar os estudos universitários, em
Geologia, fixou residência naquele país.
Endereço ao Júlio Victor os meus agradecimentos pela sua valiosa
colaboração.
Angola nas Vésperas da Abolição (1820-1845)
a) O Quadro Africano (1)
A sociedade nativa: a população angolana em fins do século XVIII era menos
de 10-20 milhões (2) numa área de 2,5 km2 com distribuição muito
desigual, preferencialmente congregada em aldeias linhageiras (3) nos
vales dos grandes rios e nos planaltos férteis de Luanda (‘Congo
highlands’) e Benguela (‘Huambo’), (4) dado que os agregados da savana
eram muitos escassos e dispersos. As interacções culturais dos povos da
região seriam (p. 324) «milenárias...» (5) e cultivavam-se
tradicionalmente «bananeiras e, especialmente, palmeiras...» (6) . A
alimentação de origem americana teria entrado no baixo Zaire (p. 325) no
século XVI. (7) . No reino do Congo os antigos chefes regionais vieram a
exprimir «a sua unidade através de forte adesão a ritos e símbolos
cristãos, tais como a investidura da Ordem de Cristo, o direito de
enterro nos túmulos reais cristãos situados em S. Salvador e o casamento
cristão» que reputavam protegê-los «ao mesmo tempo, dos efeitos da
feitiçaria.» O ntotela viu, porém, o seu poder reduzido, a partir de c.
1800, [e à semelhança do Papa] às imediações da sua capital.
A sociedade da região [pensa Dias] era ‘linhageira’ [porém já antes de
1565 havia guerreiros profissionais, ou a nziku (‘anzicos’),
provavelmente escravos, e no tempo de Cadornega (1680) os súbditos do
ngola encontravam-se completamente estratificados em duas camadas bem
definidas: a gente mulenda (‘de mulinda’) ou linhageira e a do ki nyiku
(‘de quinjico’) ou adquirida – guerreiros, serviçais, escravos.] e que a
sua escravização se intensificou em resposta ao tráfico. [Esta é a
conclusão lógica, porém a priori: de facto, a escravização jurídica
tradicional, que decorria a) da condenação de indivíduos, seria limitada
pela impraticabilidade de fabricar acusações para criminalizar alguém,
(8) prática de que só o soba beneficiaria; e b) o deflagrar ‘normal’ de
conflitos entre etnias por razões territoriais – pastos, lavouras, águas
– tenderia a reconhecer-se como contra-produtivo para os interesses das
próprias populações. O aumento da escravaria no século XVIII não
significará, portanto, uma intensificação do tráfico dentro do
território, mas, primeiro, uma extensão da prática a territórios
vizinhos – historicamente o vasto império Luba – agenciada pelos chefes
de Cassanje, e finalmente ao trato directo de Luanda com os chefes do
interior de África].
O tráfico em geral: os africanos obtinham pelo tráfico têxteis e armas de
fogo, estas e a pólvora em 3º lugar de preferência, (9) ou seja 10% do
valor exportado, seg. Miller (1980). O número de pessoas exportadas
legalmente para a América, de que há registos, entre meados do século
XVI e 1850, totalizou aproximadamente 2 milhões. A partir de 1780 o
tráfico de Luanda e Benguela escalou-se seg. Miller (1980) de 168.000 na
década de 1791-1800, 188.400 (1801-1810), 246.000 (1811-1820) a 248.900
(1821-1830), (10) com um impacto demográfico incerto (11) mas que
geralmente se considera coberto pela fertilidade natural das mulheres,
já que, maioritariamente, eram homens o que se exportava.
Congo e Luango: territórios onde «o governo português de Luanda... tinha
pouco ou nenhum poder de intervenção efectiva...» (12) e onde quem
agenciava o tráfico, desde o século XVII – entre o vale do r. Cuango e
os Bavili, cruzando o Cacongo – eram os “Mubires”, muito respeitados por
exercerem o ofício semi-mágico de ferreiro: (13) trocavam os escravos
nas feitorias norte-americanas, brasileiras, espanholas e portuguesas da
costa do Luango por mercadorias europeias que utilizavam em parte para a
aquisição de mais escravos além-Cuango; (14) para sul a actividade dos
mubires penetrava o reino do Congo e chegava aos distritos de Dembos,
Dande e Zenza, em território português. Estes mercadores, precursores
(15) de uma oligarquia comercial e burguesa na costa africana [entre o
Luango (hoje Cabinda) e o Ambriz], subordinavam-se às [i. é, negociavam
directamente com] as «autoridades linhageiras locais». (16) A sul do r.
Zaire bem como e ao norte (o Cacongo) o poder central [exercia-se, por
tradição, apenas no domínio religioso, e pareceria, assim, que] estava
moribundo: o ntotela, e o maloangu do Maiombe, apareciam como figuras de
ritual nas administrações feudais respectivas; assim, «...as relações
formais entre o governo português e o Mani Congo, no século XIX,
reduziam-se... à manipulação política dessa dimensão ideológica e
espiritual, (17) uma vez que os missionários... se encontravam em
Luanda.»
1. Dias refere frequentemente J. C. Miller (The Way of Death, Madison,
1980).
2. Enorme variação! Ainda hoje pouco ultrapassa os 10 milhões,
incertamente.
3. A visão idealista da ‘sociedade linhageira’ – essencialmente pré-banta
e descrita do sub-continente por Vedder em relação aos Berg Damaras –
deve-se provavelmente a Miller: já no tempo de Diogo Cão a sociedade
banta do território se regia por monarquias eleitorais de chefes
religiosos a norte do rio Dande, e por tiranias hereditárias baseadas em
linhagens ‘de sangue sagrado’, da tradição dos Grandes Lagos, a sul
daquele rio – os miata calundas, os oulombe ovimbundos, os ngolas
mbundos e os jagas bângalas.
4. Portanto na metade setentrional do território actual.
5. Mas não no actual território de Angola, com referência aos povos
bantos, dos quais os mais antigos, antepassados dos Ovimbundo, terão
passado a Cameia no século IX, e a monarquia conguesa se terá
estabelecido no século XIV.
6. A primeira sim, a segunda brotava de pés múltiplos, sendo os palmares,
então, aflorestações naturais.
7. Assumindo que a mandioca e o milho foram plantados ao princípio dos
contactos portugueses com o reino do Congo, o que é duvidoso, já que a
gramínea fora trazida para o golfo da Guiné pelos Espanhóis nas
primeiras décadas do século XVI mas Cadornega (1680) ainda não menciona
o seu plantio pelos nativos, e a raiz só foi introduzida como cultura em
Angola pelo governador Fernão de Sousa em c. 1624, temendo um bloqueio
pelos Holandeses, que haviam tomado a Baía.
8. Dias refere aqui o ordálio, que era uma prática particular – usava-se
entre pessoas aparentadas – e não jurídica; de resto, sendo evidente que
tendia a causar a morte ou severa debilitação do suspeito, não caberia
no esquema de um chefe para aumentar o números de seus ‘filhos’
vendáveis.
9. Não se indica o que estava em 2º lugar.
10. Total: 850.400 em 40 anos, à média anual de 21.260, deixando 1.149.600
para o período 1550-1790 (240 anos), ou seja, à média de 4.790 por ano.
11. Não se faz menção de taxas de crescimento natural.
12. Naturalmente, já que eram territórios independentes, sendo o Congo, em
teoria, um estado aliado da Coroa de Portugal; o Luango era, também em
teoria, um território vassalo do Congo, com Cacongo e Ngoio.
13. Sendo, assim, provavelmente, de origem Vili, tradicionalmente os
grandes ferreiros da região.
14. Tuckey, J. K. – Narrative of an expedition to explore the River Zaire,
pp. 126, 282-3, 285. Degrandpré, L. – Voyage à la côte occidentale d’Afrique
fait dans les années 1786 et 1787, Paris, 1801.
15. Semelhantemente aos ‘pumbeiros’ angolanos dentre os quais, a partir de
Ambaca, saíram algumas futuras famílias comerciais nativas do século
XIX.
16. Proyart, L. B. – Histoire de Loango, Kakongo et autres royaumes d’Afrique,
Paris, 1776, pp. 77, 95, 155.
17. Trata-se de conclusão a priori: havia missionários no Congo, embora a
sede da diocese (de Angola e Congo) fosse em Luanda; não é evidente que
a Igreja se prestasse no século XIX à ‘manipulação’ do reino
independente do Congo com fins políticos – e quais? De resto, segundo
Dias, D. Garcia pediu missionários em 1804 que só chegaram em 1814 – mau
método de ‘manipular’ o monarca.
Natural de Moçâmedes, hoje Namibe, Angola. Amigo e colega no Helderberg
College, África do Sul, nos anos 60. Depois de terminar os estudos
universitários, em Geologia, fixou residência naquele país.
Nativismo – Nome
moderno da convicção política de que certas diferenças de opinião têm
uma base genética, eufemismo para xenofobia, a aversão às influências
estrangeiras; na Etiópia (q.v.) ocidental, a tendência do partido que
tomou o poder após a morte de um rei lusófilo.
Este, o rei Afonso I (q.v.) Mpemba a Nzinga, filho do rei-sacerdote João I
Nzinga a Kuwu, não terá deixado herdeiro nomeado: suporia que o povo
apoiasse o seu também devoto filho,¹ o príncipe Pedro Nganga a Mpemba,
que consigo mais se parecia. Em vez disso, eclodiu uma guerra civil
(1542-43) que opôs, uns aos outros, súbditos portugueses, nativos de
Portugal e de Santomé (q.v.), respectivamente fieis e contrários à Coroa
europeia, e congueses de convicções idênticas: o trono conguês foi
finalmente entregue a Francisco Mpudi a Nzinga, irmão do falecido
monarca.
O herdeiro do príncipe Francisco era o voluntarioso Diogo Nkumbi a Mpudi,
que por esta via indirecta chegou ao trono da Etiópia ocidental (q.v.)
em fins de 1544. As queixas do feitor de Santomé (q.v.) que se seguiram
à ascensão do rei, e o envio de um vigário conguês para Ambasse (q.v.),
ter-se-ão afigurado a Diogo I (q.v.) como uma tentativa de controlo do
comércio régio e uma ameaça séria aos seus rendimentos, levando-o a
informar Lisboa, por carta de 25.02.1547,² que não era verdade a
escravagem (q.v.) escassear no Congo (q.v.), que expulsara o vigário de
Santomé por ele se ter revelado inútil, e que desejava prestar
obediência independente ao Papa. O rei português, auscultando talvez o
padre Diogo Gomes, confessor do monarca africano e portador da carta
deste, obteve então a bula papal de 16.07.1547 que lhe concedeu o
direito ao uso da Sociedade (q.v.) para fins políticos, desde que
promovessem o Catolicismo.
A Companhia mais denodada das hostes da Cristandade ia ser posta à prova
em três tentativas de conversão religiosa, senão as mais arriscadas,
pelos as menos públicas e mais inglórias da sua história: em sessenta
dias a primeira missão da Sociedade (q.v.) à Etiópia ocidental partia do
Tejo.
1. Cujo patronímico Mpemba sugere que o fosse: geralmente, pela tradição o
herdeiro seria um sobrinho uterino (filho de uma irmã consanguínea), com
um patronímico diferente, mas, no caso especial de um rei, seria um
príncipe de qualquer linhagem nobre, desde que eleito pelos anciãos.
2. Delgado (1946), vol. I, p. 220, nota 1.
Escravidão e Linhagem
Resenha por Júlio Alves Victor *
Boskop – A hipótese afrocentrista de uma raça negra pré-coisânica
encontrou algum apoio na descoberta deste famoso crânio na fazenda do
mesmo nome no distrito de Potchefstroom, África do Sul, em 1913;
trata-se, porém, segundo R. Singer (E.B., vol. 3, pp. 982-3), de um
fóssil coisânico.
Drávida – Grupo isolado de línguas dos povos aborígenes da Índia e Ceilão,
sem associações com outras línguas asiáticas, faladas actualmente por
povos geneticamente muito diferentes; a mais arcaica é o Kuwi (ou ‘Cuí’),
aparentada com o Konda falado pelas etnias Gondi (q.v.) do país Gonduana;
as línguas drávidas falam-se até ao norte da Índia, e para o leste até
ao golfo de bengala, especialmente na província de Madia-Pradeche e nas
montanhas de Rajmahal.
Gondi – Relativo à linguagem e etnia dos Gondas, povos aborígenes da
região indiana de Gonduana, país montanhoso que se estende dos montes
Vindía, a norte, para sudeste até ao baixo Gondovari e aos Ghats
orientais; o Gondi não é uma das línguas escritas da Índia, e todos os
que ainda falam um dos dialectos chama-se a si próprios ku Itur (1) (‘Koitur’).
As terras altas gonduânicas de Bastar eram habitadas pelas duas tribos
mais importantes, os Múria e os Mária, estes divididos em Mária
lavradores (2) e Mária montanheses, que formavam clãs patrilineares
exógamos, ligados pela religião e reunidos em tribos (3) distintas. Os
montanheses são os de economia mais primitiva, praticando a agricultura
itinerante (slash-and-burn) nas florestas, enquanto os outros já
cultivam com boi e charrua nas faldas das montanhas; destes os mais
evoluídos desenvolveram uma organização feudal e conheciam-se dos outros
povos indianos por Raj Gonds.
Todos os Gondas veneram os antepassados e crêem na ‘alma dupla’, (4) da
qual uma parte regressa, após a morte do corpo, à terra de origem dos
antepassados, e a outra se reintegra no deus supremo, Bhagwan, de onde
se disponibilizará para incarnar num novo membro da família do morto.
1. Cf. nome da região de floresta montanhosa da divisória continental
Nilo-Conguesa, o Ituri.
2. Os ‘lavradores’ são os bison-horn Mahria dos etnógrafos ingleses, nome
relativo aos toucados que usam nas suas danças rituais.
3. Ou “unidades territoriais”, no texto da E.B.
4. Também uma crença comum aos Pigmeus e a alguns povos Sudânicos.
Negro – Um africano racialmente caracterizados por pele melânica,
prognatismo mais ou menos pronunciado, determinadas proporções dos
membros e alta frequência populacional do complexo sanguíneo Ro,
divididos, na Etiópia ocidental, (1) em três grupos que eram,
originariamente, muito distintos fisicamente: o Sudânico, ocupando a
savana, entre a faixa desértica do Saara e a floresta equatorial, da
costa atlântica ao rio Nilo: gente alta e de corpo delgado, tez muito
escura e fraca pilosidade, de nariz largo e crânio sub-mesocéfalo,
tipificada pelos Jalofos e os Aussá, descendidos das populações
nilóticas das baixas húmidas da confluência do Bahr-el-Ghazal com o rio
Nilo; o Hamítico, (2) da região da margem direita do alto Nilo, da
Somália ao Uganda: também gente delgada, alta, de tez escura e pouco
pilosa, mas com nariz afilado e proeminente, face longa de maxila
quadrada, ou ‘ortógnata’, e dolicocefalia pronunciada, tipicamente os
Somali, Massai (Quénia), Tutsi (Ruanda) e Hima (Uganda); o Pigmeu, gente
que habitava de preferência as florestas da faixa equatorial: de pequena
estatura, tez castanha e mais ou menos pilosa, nariz muito curto e
largo, ou ‘platirrínico’, tendência à braquicefalia e proporcionamento
acentuado dos membros, com duas populações distintas, os Batwa (tez
clara e muito pilosa, cabeça proporcionalmente grande, feições e
proporções dos membros extremas) e os Bambuti (fisicamente o Sudanês,
mas em ‘miniatura’). As populações sudânica e hamítica têm-se também
referido como ‘nigrícios’ e os Pigmeus como ‘negrilhos’.
Em teoria, os Pigmeus seriam o produto de cruzamento de populações védicas
(3) que entraram em África pelo estreito do Sinai, o Suez, c. 8000 a.C.
– e os povos coisanóides caçadores que há muito habitavam o continente:
o físico dos Bátua seria o resultado, com a característica tez clara e o
cabelo frisado herdado dos coisânicos, (4) e a pilosidade e proporções
antropométricas dos Vedas (q.v.); os Hamitas poderiam ter resultado de
miscegenação, em África, (5) entre populações védicas do nordeste de
África, hoje Somália, e os colonos caucasóides pré-históricos da margem
ocidental do mar Vermelho; (6) os Bambuti e Sudaneses representariam
estágios sucessivos de apuramento mesológico de uma população
originariamente lacustre, por cruzamento de Hamita e Bátua. A teoria
miscegenatória das – hoje – vastas populações negras de África, apoia-se
na evidência biológica geral, com referência ao forte efeito de
transferência e apuramento genéticos por cruzamento e isolamento
mesológico, de pequenas populações, como eram as humanas que existiram
na pré-história africana.
1. Ou seja, a África, em contraste com a outra Etiópia – terra de gente a
que os gregos se referiam como ‘de cara queimada’, Etíopes – a oriental,
isto é, a Índia e Oceânia.
2. Um grupo mestiço, isolado por razões históricas na África ocidental, os
Fulas ou Fulfulde, apresentam também as características métricas dos
Hamitas da África oriental.
3. Os Vedas, aborígenes típicos da Índia e Ceilão, descendidos de
populações negras da Oceânia e entre quem a falciformia é tão comum como
em África, pensa-se estarem ainda representados no Hadramaute da
península arábica.
4. Os Khoisan não são, obviamente, classificáveis no mesmo tipo
antropométrico e fisionómico dos Negros, conquanto uma moderna corrente
intelectual, impelida por forças mais políticas que antropológicas,
pretenda o contrário.
5. A arqueologia demonstra que o tipo hamita arcaico estava estabelecido
no Quénia muito antes do aparecimento de Negros de fisionomia massai na
região.
6. Ainda no século XX estava representada no Hadramaute uma população de
feições anatólicas, uma população branca caracterizada pelo nariz mais
proeminente de todas as variante da raça caucasóide.
Veda – Povo aborígene de Ceilão, antigamente espalhado até Jafna mas hoje
confinado às regiões montanhosa do sudeste da ilha: contando 5.300 almas
no censo de 1911, têm sido muito absorvidos na população singalesa e c.
1965 já não passavam de 800. Fisicamente um ramo da população mais
antiga da Índia meridional, sudoeste asiático e Indonésia, caracterizada
pela tez melânica e cabelo ondulado, pequena estatura de 5 pés e pouco,
e dolicocefalia; tradicionalmente falavam uma língua drávida (q.v.),
viviam em grutas, conheciam a olaria e faziam fogo com paus, vestiam-se
com tecido de casca de árvore, caçavam com arco e flecha e colhiam
plantas e mel. Os acasalamentos eram monogâmicos e o divórcio raro; (1)
os mortos eram depositados em grutas, a religião baseava-se no culto dos
antepassados, com espiritismo praticado por xamãs (2) e muito ligado à
prática da caça. (3)
1. Efeito da economia caçadora, como a dos boximanes e dos negrilhos.
2. O nome americano do perito religioso conhecido no sub-continente
africano por nganga.
3. Ambas características – xamânica espiritista e caçador-propiciatória –
comuns às culturas silvestres africanas, vejam-se a dos negrilhos e
mesmo a dos quiocos.
|