População de
jararaca-ilhoa despenca
AFRA
BALAZINA
A jararaca-ilhoa poderia estar no melhor dos
mundos: vive na ilha deserta de Queimada Grande,
no litoral paulista, e não tem predadores.
Pesquisadores apontam, porém, que a população da
serpente, que tem um dos venenos mais poderosos
do mundo, caiu pela metade. Eles afirmam ter
fortes indícios de que a causa seja o tráfico
desses animais.
Segundo Otavio Marques, biólogo e diretor do
Laboratório Especial de Ecologia e Evolução do
Instituto Butantan, entre 1995 e 1998 eram
encontradas, em média, 46 serpentes (Bothrops
insularis) por dia. E, entre 2007 e 2008, o
número caiu para 22 serpentes por dia.
Patrícia
Santos/Folha Imagem
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Pesquisadores do Butantan dizem que população da
serpente, que tem um dos venenos mais poderosos
do mundo, caiu pela metade
As informações estão publicadas na revista "South
American Journal of Herpetology".
A jararaca-ilhoa só existe em Queimada Grande.
Como na ilha não há pequenos mamíferos que ela
possa capturar, a espécie se adaptou a uma dieta
de aves, e desenvolveu um veneno ultratóxico
para evitar que o almoço escape.
Pesquisadores vão a Queimada Grande quatro vezes
por ano, com patrocínio da Fapesp (Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Ali
eles ficam na companhia da jararaca-ilhoa por
cinco dias, sempre com um médico a tiracolo e um
barco para garantir que chegarão a terra sem
demora caso sejam picados.
Nessas viagens, os próprios cientistas já foram
abordados por traficantes de animais. Em março
deste ano, por exemplo, a aluna de mestrado da
USP Karina Kasperoviczus recebeu uma oferta de
um homem em São Vicente. "Ele me ofereceu R$ 25
mil para cada exemplar que trouxesse. Disse que
ficaríamos ricos", contou.
Em outra visita, os cientistas foram informados
de que dias antes pesquisadores do Butantan com
caixas de isopor estiveram em Queimada Grande
para coletar serpentes --entretanto, ninguém do
instituto tinha ido ao local no período.
Na lista vermelha de ameaçados de extinção, a
espécie já consta como "criticamente em perigo".
A estimativa é que haja cerca de 2.000 animais.
Para deixar a contagem mais precisa, começam a
ser usados métodos como a marcação de animais
com microchip.
A Renctas (ONG que combate o tráfico de animais)
disse que já recebeu denúncias anônimas de
tráfico de jararacas-ilhoas e que alertou o
governo, mas nada foi feito. Elas seriam
vendidas para colecionadores de répteis na
Europa e Ásia. Alguns sites também ofereciam a
cobra. "Ela é considerada a jóia da coroa por
colecionadores", disse Dener Giovanini,
coordenador-geral da ONG.
Além disso, existe a possibilidade de a espécie
interessar a biopiratas. O veneno da jararaca
comum (B. jararaca) já originou drogas como o
regulador de pressão arterial Captopril. "Eu
tenho certeza de que há tráfico. Só não sei se é
um grupo organizado", disse Marques.
Antigamente, a ilha --localizada a cerca de 35
km da costa sul, entre Itanhaém e Peruíbe--
tinha moradores que mantinham um farol em
funcionamento. Hoje, o local é desabitado e o
farol é automático.
Para Marques, é inviável manter um barco
monitorando em tempo integral a ilha --os custos
são muito altos. Uma das saídas que ele propõe é
fazer da área um parque estadual ou federal e
incentivar o turismo para mergulho na região. Os
turistas poderia intimidar os traficantes.
Outro plano em negociação é instalar em Queimada
Grande câmeras que disparam automaticamente
quando alguém passa. Giovanini concorda que é
preciso de tecnologia para afastar os
criminosos, já que o risco de manter pessoas na
ilha é grande. Para prevenir a extinção da
jararaca-ilhoa, Marques pretende criar a espécie
em cativeiro. Mas ainda busca recursos para
concretizar a idéia.
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