O chamado Transtorno Obsessivo-Compulsivo
("TOC") (na literatura em inglês Obsessive-Compulsive
Disorder – "OCD") é uma doença em que o indivíduo
apresenta obsessões e compulsões, ou seja, sofre de
idéias e/ou comportamentos que podem parecer absurdas ou
ridículas para a própria pessoa e para os outros e mesmo
assim são incontroláveis, repetitivas e persistentes. A
pessoa é dominada por pensamentos desagradáveis que
podem possuir conteúdo sexual, trágico, entre outros que
são difíceis de afastar de sua mente, parecem sem
sentido e são aliviados temporariamente por determinados
comportamentos. O Transtorno Obsessivo-Compulsivo é
considerado o quarto diagnóstico psiquiátrico mais
freqüente na população. De acordo com os dados da
Organização Mundial de Saúde (OMS), até o ano 2020 o
Transtorno Obsessivo-Compulsivo estará entre as dez
causas mais importantes de comprometimento por doença.
Além da interferência nas atividades, os Sintomas
Obsessivo- Compulsivos (SOC) causam incômodo e angústia
aos pacientes e seus familiares.
Apesar de ter sido descrito há mais de um século, e dos
vários estudos publicados até o momento, o Transtorno
Obsessivo-Compulsivo ainda é considerado um "enigma".
Questões como a descoberta de possíveis fatores
etiológicos, diversidade de sintomas e como respondem
aos tratamentos continuam sendo um desafio para os
pesquisadores.
Estudos indicam que uma das dificuldades para encontrar
essas respostas deve-se ao caráter heterogêneo do
transtorno. Vários estudos têm apontado para a
importância da identificação de subgrupos mais
homogêneos de pacientes com Transtorno
Obsessivo-Compulsivo. Esta abordagem visa buscar
fenótipos mais específicos que possam dar pistas para a
identificação dos mecanismos etiológicos da doença,
incluindo genes de vulnerabilidade e, por fim, o
estabelecimento de abordagens terapêuticas mais eficazes.
Alguns subtipos de Transtorno Obsessivo-Compulsivo têm
sido propostos. Dentre eles, dois subtipos bastante
estudados correspondem aos pacientes com início precoce
dos Sintomas Obsessivo- Compulsivos. e o subtipo de
Transtorno Obsessivo-Compulsivo associado à presença de
tiques e/ou síndrome de Tourette (ST) Esses dois
subgrupos de pacientes apresentam características
clínicas, neurobiológicas, de neuroimagem, genéticas e
de resposta aos tratamentos distintos e que os
diferenciam de outros pacientes. É importante ressaltar
também que esses dois subtipos apresentam
características semelhantes, o que dificulta a
interpretação de sua natureza, ou seja, torna-se difícil
diferenciar se as características encontradas são devido
ao início precoce dos Sintomas Obsessivo- Compulsivos ou
à presença de tiques.
Compulsão é um comportamento consciente e repetitivo,
como contar, verificar ou evitar um pensamento que serve
para anular uma obsessão. Outros exemplos de compulsão
são o ato de lavar as mãos ou tomar banho repetidamente,
conferir reiteradamente se esqueceu algo como uma
torneira aberta ou a porta de casa sem trancar. Deve-se
deixar claro porém que para que esses comportamentos
sejam considerados compulsivos, devem ocorrer em uma
frequencia bem acima do necessário diante de qualquer
padrão de avaliação.
Acomete 2 a 3% da população geral. A idade média de
início costuma ser por volta dos 20 anos e acomete tanto
homens como mulheres. Depressão Maior e Fobia Social
podem acometer os pacientes com Transtorno
Obsessivo-Compulsivo ao longo da vida.
Sintomas
Freqüentemente as pessoas acometidas por este transtorno
escondem de amigos e familiares essas idéias e
comportamentos, tanto por vergonha quanto por terem
noção do absurdo das exigências auto-impostas. Muitas
vezes desconhecem que esses problemas fazem parte de um
quadro psicológico tratável e cada vez mais responsivo à
medicamentos específicos e à psicoterapia. As obsessões
tendem a aumentar a ansiedade da pessoa ao passo que a
execução de compulsões a reduz. Porém, se uma pessoa
resiste a realizacão de uma compulsão ou é impedida de
fazê-la surge intensa ansiedade. A pessoa pode perceber
que a obsessão é irracional e reconhece-la como um
produto de sua mente, experimentando tanto a obsessão
quanto a compulsão como algo fora de seu controle e
desejo, o que causa muito sofrimento. Pode ser um
problema incapacitante porque as obsessões podem
consumir tempo (muitas horas do dia) e interferirem
significativamente na rotina normal do indivíduo, no seu
trabalho, em atividades sociais ou relacionamentos com
amigos e familiares.
Epidemiologia
Estudos epidemiológicos recentes, realizados em
diferentes países, mostraram que o Transtorno
obsessivo-compulsivo tem uma prevalência atual em torno
de 1,0%. Em uma revisão sobre epidemiologia realizada
por Torres e Lima (2005) apontou uma prevalência de 2,0
a 2,5% ao longo da vida.
Esses dados atuais são bastante diferentes dos dados
publicados em meados do século XX, quando, por exemplo,
Rudin (1953) relatou uma prevalência do Transtorno
obsessivo-compulsivo em torno de 0,05%. Foi apenas na
década de 80 que outros estudos foram feitos, com
instrumentos de avaliação estruturados e critérios
diagnósticos específicos, e a prevalência do Transtorno
obsessivo-compulsivo foi reavaliada. Por exemplo, no
estudo epidemiológico americano Epidemiologic Catchment
Area (ECA), nos Estados Unidos, a prevalência anual do
Transtorno obsessivo-compulsivo foi de 1,5%, e ao longo
da vida, de 2 a 3%. Os estudos de prevalência no Brasil
ainda são insuficientes e pouco representativos. Uma
prevalência de 0,9% e 0,5% entre homens e mulheres,
respectivamente, foi encontrada em Brasília, e da mesma
forma, de 1,7% e 2,7% em Porto Alegre.[13] Andrade e
colaboradores (2002) estimaram a prevalência ao longo da
vida de 0,3% (0,3% em homens e 0,4% em mulheres).
A partir desses estudos com metodologia mais cuidadosa,
foi possível demonstrar que o Transtorno
obsessivo-compulsivo é um transtorno comum na população
em geral, inclusive em crianças. Estima-se que um terço
dessas taxas nos estudos sejam crianças e/ou
adolescentes,[15][16] e que cerca de 50% dos adultos com
Transtorno obsessivo-compulsivo tenham apresentado o
início dos SOC na infância.
Referente à prevalência do Transtorno
obsessivo-compulsivo nos diferentes Patologias, a
apresentação tem um perfil bimodal de acordo com a idade
de início do quadro, sendo que o Patologia masculino estaria
mais associado ao início mais precoce dos sintomas e à
presença de tiques. No estudo de Swedo e colaboradores
(1989), mais de 70% da amostra de crianças com
Transtorno obsessivo-compulsivo eram do Patologia masculino.
Este número praticamente se iguala com um aumento da
incidência do Patologia feminino na adolescência, chegando a
uma proporção de 1:1 na idade adulta.
Assim sendo, de acordo com esses dados, o Transtorno
obsessivo-compulsivo representa um transtorno de extrema
importância para a saúde pública. Além de bastante
freqüente, o Transtorno obsessivo-compulsivo apresenta
altas taxas de comorbidade com outros transtornos
psiquiátricos. Em uma pesquisa recente avaliando 8.580
indivíduos, Torres e colaboradores (2006) encontraram
114 portadores de Transtorno obsessivo-compulsivo, e
destes, 62% tinham alguma comorbidade. Essas taxas
chegam a 89%.
Este perfil bimodal de distribuição das prevalências de
Transtorno obsessivo-compulsivo, com dois picos
distintos, sendo um na infância, com incidência maior no
Patologia masculino, e outro na adolescência, com incidência
maior no Patologia feminino (igualando a prevalência na idade
adulta), reforçou a idéia de que o Transtorno
obsessivo-compulsivo é um transtorno heterogêneo e que o
início precoce do quadro poderia subdividir os pacientes
em um subgrupo mais homogêneo.
O diagnóstico é clínico, ou seja com base nos sintomas
do paciente.
De acordo com a quarta edição do Manual Diagnóstico e
Estatístico da Associação Psiquiátrica da América
(DSM-IV), o transtorno obsessivo-compulsivo é um
transtorno crônico caracterizado pela presença de
obsessões e/ou compulsões, que consomem ao menos uma
hora por dia, e causam sofrimento ao paciente e/ou seus
familiares. O Código Internacional de Doenças, da
Organização Mundial de Saúde, 10a edição, CID-10
apresenta os mesmos critérios diagnósticos, exceto pelo
fato de que o CID- 10 exige que as obsessões e/ou
compulsões estejam presentes na maioria dos dias por um
período de no mínimo duas semanas. Tanto no DSM-IV
quanto no CID-10 não existem diferenças nos critérios
para o diagnóstico de crianças, adolescentes e adultos.
Obsessões podem ser definidas como idéias, imagens ou
pensamentos que invadem a mente do indivíduo,
independentemente da sua vontade. Causam incômodo,
desconforto ou sofrimento para a pessoa, que embora
perceba o seu caráter irracional, dificilmente tem
sucesso em conseguir afastá-las.. Algumas obsessões em
casos mais sérios podem ser pensamentos e impulsos de
fazer alguma atrocidade indesejável, como agredir
crianças, atingir alguem com algo e quebrar objetos de
valor, causando medo de que se possa perder o controle.
Compulsões podem ser definidas como comportamentos e/ou
atos mentais repetitivos e estereotipados que o
indivíduo é levado a executar voluntariamente para
reduzir a ansiedade ou mal-estar causado por uma
obsessão ou para prevenir algum evento temido. O
indivíduo também reconhece o caráter irracional do
comportamento, apesar de dificilmente conseguir evitar
sua ocorrência.
Os temas das obsessões relatados pelos pacientes são
variados, já que estas podem ser criadas a partir de
qualquer substrato que possa aparecer na mente, sejam
palavras, imagens, cenas, sons, preocupações e medos.
Dessa forma, não existem limites para a variedade
possível do conteúdo das obsessões.. Apesar disso,
alguns temas são considerados como mais freqüentes, tais
como: obsessões com temas de contaminação, de agressão,
pensamentos religiosos, sexuais, obsessões com simetria
e com colecionismo As compulsões também podem variar
bastante. Entre as mais freqüentes, podemos citar:
rituais de limpeza, de verificação, de repetição, de
contagem, colecionismo e ordenação, e arranjo. Alguns
exemplos de compulsões que muitas vezes são difíceis de
serem identificadas são os rituais mentais e os
comportamentos de evitação. Rituais mentais são atos
mentais, ou rituais que se fazem internamente, "na
cabeça", tais como rezar ou pensar um pensamento bom
para anular um pensamento ruim. Comportamentos de
evitação são realizados pelo paciente com o objetivo de
não entrar em contato com o objeto ou situação temida.
Por exemplo, o indivíduo evita tocar em lugares que
considera sujos, ou evita olhar para lugares que possam
desencadear obsessões.
O início dos sintomas pode ser agudo ou insidioso, não
havendo um padrão de evolução determinado. O quadro do
transtorno obsessivo-compulsivo freqüentemente inicia-se
apenas com uma obsessão e/ou compulsão, havendo
posteriormente uma sobreposição dos sintomas.
O curso da doença tende a ser crônico, com baixas taxas
de remissão completa, como demonstram estudos de
seguimento. A presença de comorbidades costuma ser mais
uma regra do que uma exceção. De acordo com o
Epidemiologic Catchment Area - ECA, 75% dos portadores
de transtorno obsessivo-compulsivo apresentam pelo menos
um diagnóstico psiquiátrico associado.
A qualidade de vida dos portadores de transtorno
obsessivo-compulsivo fica comprometida com o grau de
sofrimento e a interferência que este causa, também pelo
seu caráter crônico. Na literatura existem poucos
estudos que avaliam a qualidade de vida dos portadores
do transtorno obsessivo-compulsivo, com destaque o
estudo de Hollander (1997), com 701 pacientes, o qual
analisou a interferência do transtorno
obsessivo-compulsivo em três áreas psicossociais. A
baixa auto-estima foi relatada por 92% da amostra, e 63%
dos pacientes referiram melhora da qualidade de vida
após o tratamento. Em uma revisão recente sobre
qualidade de vida, Niederauer e colaboradores (2006)
concluíram que estudos que avaliaram o impacto do
transtorno obsessivo-compulsivo na qualidade de vida dos
portadores, apontam para prejuízos significativos em
diversos aspectos da vida, mas em especial nas relações
sociais e familiares e no desempenho ocupacional.
Tratamento
O tratamento deve ser individualizado, dependendo das
características e da gravidade dos sintomas que o
paciente apresenta. Em linhas gerais, contudo, utiliza-se
a psicoterapia de orientação dinâmica ou
cognitivo-comportamental associada com tratamento
farmacológico às vezes, em doses bem mais elevadas que
as utilizadas no tratamento da depressão. Entre os
fármacos preconizados, destacam-se os Inibidores da
Recaptação de Serotonina (IRS), tanto os seletivos como
os não seletivos. A Clomipramina é a droga padrão-ouro,
e muitos Inibidores Seletivos da Recaptação da
Serotonina (ISRS), como fluoxetina, sertralina e
paroxetina, são utilizados com boa eficácia.
Heterogeneidade do TOC
Atualmente, ambos os manuais de classificação
diagnóstica - DSM-IV e CID-10 - abordam e descrevem o
transtorno obsessivo-compulsivo como uma entidade única.
Apesar disso, vários estudos apontam para o fato de que
os sintomas são marcadamente diversos, e sua expressão
clínica pode variar entre os pacientes, e até no mesmo
portador ao longo dos anos.. Esta variabilidade na
expressão fenotípica reforça a idéia de que o transtorno
obsessivo-compulsivo seja mesmo um transtorno
heterogêneo, não apenas do ponto de vista clínico, mas
também em relação aos fatores etiológicos e de resposta
ao tratamento
Já em 1970, os autores Robins e Guze propõem que o
avanço no entendimento dos transtornos psiquiátricos é
mais provável de ocorrer se trabalharmos com grupos mais
homogêneos. Afirmam que:
Subgrupos de diagnósticos mais homogêneos fornecem a
melhor base para estudos de etiologia, patogênese e
tratamento. O papel da hereditariedade, interações
familiares, inteligência, educação e fatores sociais são
mais simplesmente, diretamente e confiavelmente
estudados quando o subgrupo estudado é o mais homogêneo
possível.
Essa heterogeneidade dificulta a interpretação dos
resultados das pesquisas. Um possível caminho para
superar esta dificuldade seria identificar componentes
específicos do fenótipo, reforçando a necessidade da
busca por subgrupos mais homogêneos de pacientes. A
identificação de subgrupos mais homogêneos de pacientes
com o transtorno e a correta identificação de fenótipos
que sejam hereditários e válidos do ponto de vista
genético, são etapas fundamentais e necessárias para se
conseguir localizar e caracterizar os genes de
susceptibilidade do transtorno obsessivo-compulsivo,
assim como para identificar fatores de risco e de
proteção, e o desenvolvimento de estratégias mais
eficazes de tratamento.
A heterogeneidade do transtorno obsessivo-compulsivo é
reconhecida desde sua descrição mais antiga pelos
clínicos. Como citado por Hantouche e Lancrenon (1996) e
Mataix-Cols (2006);, em 1866 Falret já dividia a
síndrome em dois subtipos: folie du doute e délire du
toucher. Outros autores propuseram subdividir o
transtorno obsessivo-compulsivo em classificações de
subgrupos mais homogêneos e mutuamente exclusivos:
início precoce versus início tardio dos sintomas
associado à presença de tiques versus não tiques (Pauls
e cols., 1986); lavadores versus verificadores;
impulsivos versus não impulsivos; infecção por
estreptococo versus não infecção; Patologia masculino versus
Patologia feminino; colecionadores versus não colecionadores,
entre outros. De todos os subgrupos estudados, os de
pacientes com transtorno obsessivo-compulsivo de início
precoce dos sintomas e o transtorno obsessivo-compulsivo
associado à presença de tiques são os que têm recebido
bastante atenção na literatura e são foco do presente
estudo.
As tentativas de subdivisão do fenótipo de transtorno
obsessivo-compulsivo poderiam ser agrupadas em
abordagens categoriais e abordagens dimensionais.
Abordagem Dimensional
Abordagens dimensionais têm sido utilizadas para
caracterizar com mais precisão as diferenças clínicas
encontradas entre os pacientes. O objetivo desta
abordagem é a identificação de dimensões de sintomas
obsessivo-compulsivos. Além do transtorno
obsessivo-compulsivo, outros transtornos também têm se
beneficiado com esta abordagem, como por exemplo,
transtornos de humor, transtornos alimentares, síndrome
de Tourette,[45] transtornos de aprendizagem (Grigorento
e cols., 1997) e esquizofrenia.
A abordagem dimensional dos sintomas foi descrita em
mais de 20 estudos até o momento, envolvendo mais de
3.000 pacientes na área do transtorno
obsessivo-compulsivo; o primeiro estudo foi realizado
por Baer, em 1994. Os resultados encontrados em várias
análises fatoriais realizadas até o momento descreveram
de três a cinco dimensões de sintomas, que chegaram a
explicar 70% da variância. A consistência destas
dimensões é considerável, mesmo que os instrumentos
utilizados para avaliar os sintomas tenham sido
diferentes. Além disso, as dimensões de fatores
encontrados são semelhantes em adultos e crianças. A
abordagem dimensional ganhou amplo espaço na literatura
para avançar no conhecimento que a abordagem categorial
tem trazido. De todos os estudos, os fatores já bem
replicados são: contaminação/lavagem; ordem/simetria e
colecionismo.
De acordo com Leckman (2006), dados preliminares indicam
que a abordagem dimensional dos sintomas pode ter um
valor heurístico para estudos genéticos, de neuroimagem
e de resposta ao tratamento, além de sua importância
para a clínica. No transtorno obsessivo-compulsivo, os
estudos genéticos têm reportado que o uso da abordagem
dimensional pode trazer pistas importantes para detectar
os genes de vulnerabilidade que podem contribuir para a
apresentação heterogênea do transtorno.. Uma implicação
direta na vida do paciente é que cada vez mais,
pesquisadores e clínicos, estão desenvolvendo
tratamentos específicos para cada tipo de dimensão
Alguns pontos são importantes para serem discutidos
dentro da abordagem dimensional: a maioria dos estudos
que investigaram dimensões ou fatores foi conduzida
baseada em categorias de sintomas, especialmente pela
escala Y-BOCS, e por meio de recursos estatísticos,
chegaram-se às dimensões descritas acima. A análise
fatorial é a técnica mais utilizada para a obtenção
destes fatores e baseia-se em técnicas "arbitrárias".
Além disso, os instrumentos utilizados para estas
análises não foram desenvolvidos para medir a
quantificação dos sintomas, pois se baseiam em
categorias, à priori. Outra questão importante refere-se
às amostras a partir das quais foram realizadas estas
análises fatoriais: eram muito pequenas para se
trabalhar com esta abordagem estatística, o que limita
bastante os resultados encontrados,. Também vale apontar
que apenas um estudo dentre vários que investigaram os
fatores, utilizou-se dos itens contidos em "miscelânea",
e assim, importantes sintomas (exemplo "superstições" ou
"dúvidas obsessivas"), são também subestimados na
composição dos mesmos.
Embora estes pontos sejam importantes para serem
refletidos, os resultados encontrados nos estudos com
abordagem dimensional foram replicados em diferentes
amostras e têm demonstrado estabilidade ao longo do
tempo.
Outros estudos se aprofundaram no tema e trouxeram
contribuições importantes. Por exemplo, estudos
genéticos familiares também investigaram dimensões de
sintomas. O primeiro estudo familiar foi realizado por
Alsobrook e colaboradores (1999) e encontrou familiares
de probandos com escores altos nas dimensões de simetria/ordem
com maior risco de desenvolver transtorno
obsessivo-compulsivo. Em 2005, Hanna e colaboradores
replicaram este achado encontrando 45% dos familiares
dos probandos com sintomas de simetria/ordem com
diagnóstico de transtorno obsessivo-compulsivo ou
transtorno obsessivo-compulsivo subclínico. Com relação
à resposta ao tratamento, escores altos na dimensão de
colecionismo foram associados à pior resposta a
inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS),
terapia cognitivo-comportamental (TCC) e ISRS + TCC
comparado a outras dimensões Erzegovezi e cols., 2001;.
Escores altos na dimensão sexual/religioso foram também
associados com a pior resposta à combinação de terapia
cognitivo-comportamental mais inibidores seletivos de
recaptação de serotonina no estudo de Alonso e
colaboradores (2001), e pior resposta a terapia
cognitivo-comportamental. Esta dimensão também se
mostrou mais saliente nos pacientes com transtorno
obsessivo-compulsivo refratário a todos os tratamentos
convencionais.
Desta forma, a abordagem dimensional dos sintomas pode
contribuir com a investigação de transtornos
heterogêneos, como é o caso do transtorno
obsessivo-compulsivo.
Abordagem Categorial
Apesar de a abordagem dimensional ser bastante
promissora, os estudos com esta abordagem ainda não têm
o embasamento científico das abordagens categoriais
tentando subdividir pacientes com transtorno
obsessivo-compulsivo de acordo com a idade de início dos
sintomas e a presença de tiques. A abordagem categorial
propõe a identificação de subgrupos específicos de
pacientes com transtorno obsessivo-compulsivo,
mutuamente excludentes. A partir da abordagem categorial,
alguns subgrupos de pacientes com transtorno
obsessivo-compulsivo têm apresentado resultados
relativamente consistentes nos estudos, com
características clínicas e fenomenológicas apresentando
associação com maior risco familiar. Dentre estas, pode-se
citar o subgrupo de início precoce de sintomas e o
subgrupo de transtorno obsessivo-compulsivo associado a
transtornos de tiques.
Etiologia
A etiologia (causas) do TOC ainda é desconhecida. O TOC
é provavelmente resultante de fatores causais diferentes.
Algumas formas de TOC são familiares e podem estar
associadas a uma predisposição genética. Outras
apresentam-se como casos esporádicos. Entre os casos
familiares, parte parece estar relacionada aos
transtornos de tiques, como por exemplo a Síndrome de
Tourette (ST). O TOC de início precoce está associado
com uma preponderância masculina e um risco aumentado de
transtornos de tiques.
Estudos neuroquímicos (com mensageiros químicos que
transmitem os impulsos nervosos) têm implicado
neurotransmissores conhecidos como monoaminas e
neuropeptídeos na fisiopatologia (mecanismo que
estabelece a doença) do TOC, ST, e doenças relacionadas.
A principal evidência disponível relaciona-se com a
eficácia bem estabelecida dos Inibidores Seletivos de
Recaptação da Serotonina (ISRS) no tratamento do TOC. A
dopamina (outro neurotransmissor) e substâncias
conhecidas como opióides também têm sido implicados.
Recentemente, surgiu a hipótese do excesso de atividade
de um sistema cerebral envolvendo o hormônio ocitocina
(OT) em pacientes com TOC sem tiques. Especula-se que
pacientes com TOC associado à OT podem ser mais
responsivos aos ISRS do que os pacientes com TOC
associado a tiques. Levando-se em conta os diversos
estudos de neuroimagem (tomografia e ressonância
magnética), observa-se um padrão de ativação cerebral no
TOC que sugere disfunção de um circuito neural que
inclui as seguintes estruturas cerebrais: cortex
orbitofrontal, núcleo estriado, cortex anterior do
cíngulo e tálamo. Assim, o funcionamento anômalo de um
circuito que envolve os gânglios da base (caudado), o
tálamo e o cortex frontal (região orbito-frontal), tem
sido sugerido como importante na fisipatologia do TOC.
Existem diversas teorias para explicar o envolvimento
desse circuito. Interessantemente, um grupo da
Califórnia liderado por Lewis Baxter, acreditam que os
circuitos cortico-estriato-tálamo-corticais evoluiram
nas diversas espécies animais, no sentido de direcionar
a atenção para as ações necessárias (por exemplo, diante
de ameaças), e depois desencader atitudes para a sua
preservação até o perigo ser considerado como passado.
Nesse sentido, sugerem que um déficit no funcionamento
do núcleo caudado levaria a uma filtragem (repressão)
inadequada de preocupações (pensamentos violentos ou
medos de contaminação) originadas no cortex
órbitofrontal. A ausência de inibição desses pensamentos
pelo caudado teria um papel de reforçar a importância
daquela preocupação indevida, provocando então a
necessidade do cortex orbitofrontal desencadear uma ação
adaptativa: as compulsões.
TOC com idade de início precoce dos sintomas
Como já descrito acima, o perfil bimodal de prevalência
do transtorno obsessivo-compulsivo de acordo com o Patologia
e idade de início dos sintomas reforçou a idéia de que o
transtorno obsessivo-compulsivo de início precoce
poderia representar um subgrupo distinto de pacientes.
É importante ressaltar que não existe consenso na
literatura acerca de qual a idade que poderia ser
considerada "início precoce" dos sintomas. Alguns
autores propõem diferentes limiares para estudos
clínicos, genéticos, neurobiológicos e de resposta ao
tratamento. Alguns consideram precoce a idade inferior a
sete anos,; dez anos outros anterior a 15 anos e ainda
anterior a 18 anos.
Outra controvérsia refere-se à própria definição de
idade de início. Em alguns estudos considerase como
idade de início a idade em que o paciente ou familiar
percebe pela primeira vez qualquer sintomas.[21][31]
Outros consideram idade de início quando o paciente
apresenta prejuízo ou sofrimento significativo associado
ao sintomas.
Rosário-Campos (1998) investigou a hipótese de que a
idade de início dos sintomas seria uma característica
determinante para a formação de um subgrupo de pacientes
distintos, independentemente da idade na data da
entrevista ou da presença de comorbidade com tiques.
Desta forma, foram avaliadas as características clínicas
e psicopatológicas de 42 pacientes adultos ambulatoriais.
Estes foram divididos em dois grupos, de acordo com a
idade de início dos sintomas, sendo considerado início
precoce se anterior aos 11 anos e início tardio a partir
dos 17 anos.
Foram encontrados os seguintes resultados:
Aumento na freqüência de tiques e/ou ST entre os
pacientes de início precoce (48%) em relação ao grupo de
início tardio (grupo de início tardio);
Idade média do início das compulsões menor que a idade
média do início das obsessões (7,8± 1,6 comparado com
9,3± 3,6). No grupo de início tardio não houve esta
diferença, com idades médias para obsessões e compulsões
praticamente iguais (23,9 e 24,0);
Média de pontos na Y-BOCS mais alta no início precoce
(30,3) do que no grupo de início tardio (26,6);
Aumento de freqüência de fenômenos sensoriais precedendo
ou acompanhando as compulsões no início precoce;
Aumento na média de comorbidades no início precoce (3,0)
do que no grupo de início tardio (1,8);
Diferenças estatisticamente significantes entre os dois
grupos para obsessões e compulsões de colecionismo
(p=0,05), compulsões de repetição (p=0,05) e compulsões
do tipo tic-like;
Resposta significativamente pior no início precoce ao
tratamento de curto prazo com clomipramina em relação ao
grupo de início tardio.
Nesta mesma linha de investigação, Diniz e colaboradores
(2004) estudaram a associação entre idade de início e
duração dos sintomas com comorbidades. Foi encontrado
que idade de início precoce dos sintomas estava
associada a transtornos de tiques, enquanto a duração da
doença estava associada a comorbidades como o transtorno
depressivo e fobia social. Novamente os dados evidenciam
que o subgrupo de início precoce dos sintomas apresenta
características distintas.
Atualmente, encontram-se na literatura vários estudos
que reforçam a especificidade deste subgrupo. Algumas
dessas características fenotípicas estão resumidas na
tabela a seguir:
Características clínicas mais freqüentemente encontradas
em pacientes com TOC de idade de início precoce dos
sintomas Características fenotípicas TOC de início
precoce dos sintomas Estudos
Predominância do Patologia masculino Zohar e cols., 1997;
Geller e cols., 1998; Tukel e cols., 2005
Maior número de comorbidades Geller e cols., 1996
Maior freqüência de transtornos de tiques Swedo e cols.,
1989, 1992; Zohar e cols., 1992; Hanna e cols., 1995;
Leonard e cols., 1995; Miguel e cols., 2001; Rosário-Campos
e cols., 2001; Delorme e cols., 2004; Hemmings e cols.,
2004; Chabane e cols., 2005; Morer e cols., 2006
Maior freqüência de compulsões do tipo tic-like Riddle e
cols., 1990; Rosário-Campos e cols., 2001
Maior gravidade dos sintomas Rosário-Campos e cols.,
2001; Miguel e cols., 2001; Fontenelle e cols., 2003.
Maior número de compulsões do que de obsessões Honjo e
cols., 1989; Rettew e cols., 1992; Millet e cols., 2004;
Morer e cols., 2006
Maior número de obsessões e compulsões Sobin e cols.,
2000; Fontenelle e cols., 2003; Millet e cols., 2004
Maior freqüência de fenômenos sensoriais Miguel e cols.,
1995, 1997, 2000; Geller e cols., 1998; Rosário-
Campos e cols., 2001
Maior proporção de obsessões somáticas, com simetria e
medos supersticiosos Sobin e cols., 2000
Maior proporção de compulsões de limpeza, contagem,
tocar/esfregar Sobin e cols., 2000
Outros estudos que reforçam a hipótese do TOC de início
precoce representar um subgrupo específico de pacientes
com TOC são os estudos genéticos nos quais se encontram
freqüências aumentadas de TOC e SOC nos parentes de
primeiro grau de crianças com o diagnóstico de TOC,
quando comparados com as freqüências na população em
geral e em familiares de pacientes com início dos SOC
após a puberdade;Gonzalez, 2003; Rosário-Campos e cols.,
2005;.
É importante ressaltar que os estudos genéticos também
têm reforçado a hipótese da associação entre TOC e os
transtornos de tiques; tanto estudos familiares de
pacientes com tiques relatam freqüências aumentadas de
SOC e TOC em familiares, quanto os estudos de famílias
com TOC relataram taxas aumentadas de tiques nos
familiares. Nesses estudos, formas sub-clínicas do
quadro também foram transmitidas e o início precoce dos
SOC nos probandos também aumentava o risco de tiques e/ou
ST em seus familiares de primeiro grau.
Esses achados sugerem que ao menos um subgrupo de
pacientes com TOC teria associação clínica e genética
com tiques, e isto reforçou ainda mais a hipótese do
subtipo TOC associado a tiques, descrito a seguir.
TOC associado a tiques
Estudos familiares, estudos com gêmeos e estudos
moleculares apontam para a importância dos fatores
genéticos na etiologia do Transtorno
obsessivo-compulsivo e síndrome Tourette (Mercadante e
cols., 2004). Um possível subgrupo de Transtorno
obsessivo-compulsivo baseia-se em evidências de que
algumas formas do transtorno são associadas aos tiques
ou síndrome Tourette. Este subgrupo é bastante estudado
atualmente e diferentes estudos demonstram que este
subgrupo exibe características clínicas específicas
quando comparado a pacientes com Transtorno
obsessivo-compulsivo sem tiques.
A seguir, uma breve descrição sobre transtornos de
tiques:
De acordo com o DSM-IV, os transtornos de tiques
compreendem o transtorno de tiques transitórios; o
transtorno de tiques motores ou vocais crônicos; e o
transtorno de tiques motores e vocais crônicos,
conhecido como síndrome de Gilles de la Tourette (síndrome
Tourette); além de uma categoria residual chamada de
transtorno de tiques sem outra especificação. É
necessário que os tiques causem comprometimento no
funcionamento familiar, social, escolar ou profissional.
Os transtornos de tiques, semelhante ao Transtorno
obsessivo-compulsivo, acometem os indivíduos
independentemente de raça, religião, estado civil, nível
sócio-econômico e nacionalidade. Em 1993, Apter e
colaboradores encontraram uma taxa de síndrome Tourette
de 4,5 por 10.000 adolescentes, lembrando que esses
números podem não refletir a realidade já que nos casos
leves ou moderados do transtorno os pacientes não
procuram por atendimento médico. Hornse e colaboradores
(2001) encontraram uma prevalência de 1,85% de síndrome
Tourette em escolares de 13 e 14 anos.
Os tiques são movimentos, sons ou vocalizações
repetitivos, abruptos e estereotipados que envolvem
grupos musculares distintos. São caracterizados pelos
clínicos pela sua localização anatômica, número,
freqüência, intensidade e complexidade. A intensidade de
um tique pode ser expressa pela força com que é
realizado e assim chamar mais ou menos atenção. Já a
complexidade refere-se a quão simples o movimento ou som
é feito, variando de breve, sem significado, fragmento
abrupto (tique simples), até movimento ou vocalização
maior e aparentemente com um maior significado (tique
complexo). Estes elementos foram incorporados em escalas
de avaliações clínicas as quais mostram proficuidade no
monitoramento da gravidade dos tiques.
A síndrome de Tourette é caracterizada pela presença de
múltiplos tiques motores e no mínimo um tique vocal, com
início antes dos 18 anos e duração mínima de um ano. Os
tiques não podem estar ausentes por mais de três meses
consecutivos. Alguns exemplos de tiques motores são:
piscar os olhos, chacoalhar os ombros e balançar a
cabeça (tiques simples); expressões faciais envolvendo
mais de um grupo muscular, movimentos com o tronco ou
região do quadril parecendo ter um propósito (tiques
complexos). Os tiques complexos podem ser intencionais,
como, por exemplo, tocar em um objeto, ou não
intencionais, como chutar com as pernas de forma
repetitiva (The Tourette Syndrome Classification Study
Group, 1993). Exemplos de tiques vocais são: tossir,
pigarrear, fungar, assobiar (tiques simples); repetir
sílabas, falar palavras obscenas, ecolalia, palilalia (tiques
complexos).
Tiques motores têm início usualmente entre as idades de
três a oito anos com períodos transitórios de piscar de
olhos intenso e alguns outros tiques faciais. Já os
tiques vocais podem aparecer com três anos de idade, mas
tipicamente começam após o início dos tiques motores (Leckman
e cols., 1998). Em muitos casos, a gravidade dos tiques
atinge um pico na segunda década de vida e apresenta uma
marcada redução por volta dos 19 ou 20 anos. Entretanto,
nos casos mais graves de síndrome Tourette, os sintomas
permanecem até a idade adulta. Em casos extremos da
doença os tiques envolvem movimentos de automutilação,
gritos, gestos e falas obscenas que acabam por trazer
uma interferência muito grande para o indivíduo nas suas
relações sociais. Os tiques podem ser realizados sem que
a pessoa os perceba, ou podem ser realizados no intuito
de aliviar sensações físicas ou mentais desagradáveis,
conhecidas como fenômenos sensoriais.. De 50 a 90% dos
indivíduos com tiques ou síndrome Tourette apresentam
sintomas de transtorno de hiperatividade com déficit de
atenção, transtorno de oposição desafiante e transtorno
de conduta A associação com o Transtorno
obsessivo-compulsivo também é bastante freqüente,
conforme descrito na abaixo.
Voltando para as evidências da associação entre
Transtorno obsessivo-compulsivo e tiques, esta já foi
descrita há bastante tempo. Charcot foi o primeiro a
considerar alguns comportamentos obsessivo-compulsivos
como parte dos transtornos de tiques. Itard, em 1825,
descreveu o primeiro caso que apresentou a combinação
entre tiques motores e vocais com pensamentos obsessivos.
Em 1885, Gilles de la Tourette descreveu uma paciente
que também apresentava a associação de tiques motores e
vocais com alguns pensamentos obsessivos.
Nas últimas duas décadas, alguns estudos mostraram a
sobreposição do Transtorno obsessivo-compulsivo ou
sintomas transtorno obsessivo-compulsivo com tiques.
Leckman e colaboradores (1994) relataram que 23% dos
pacientes com síndrome Tourette tinham também o
diagnóstico de Transtorno obsessivo-compulsivo e 46%
apresentavam sintomas transtorno obsessivo-compulsivo.
Similarmente, pacientes com Transtorno
obsessivo-compulsivo apresentaram freqüência de tiques
variando entre 7 e 37%. É importante lembrar que a
prevalência da síndrome Tourette é estimada em 1% e de
tiques entre 1% e 13%.
No ano de 2005, Mansueto e Keuler propuseram uma
terminologia para pacientes que apresentam tanto
sintomas do Transtorno obsessivo-compulsivo quanto
tiques: "Tourettic OCD". A colocação é feita em cima de
evidências de que, embora sejam entidades distintas
conforme manuais de classificação (DSM-IV), a
coocorrência destes transtornos e os resultados de
estudos familiares genéticos desafiam a atual categoria
em que se encontram. Na prática clínica, a distinção
entre tiques e compulsões nem sempre é uma tarefa fácil
(exemplo: um tique motor complexo pode ser
indistinguível de uma compulsão). Os autores defendem
que a utilização do termo "Tourettic OCD" diminui
algumas dificuldades encontradas na prática clínica com
relação às escolhas terapêuticas de tratamento. Esta
denominação surgiu a partir da observação de
características fenomenológicas similares entre os
transtornos (Leckman, 1993;), e da alta comorbidade
entre Transtorno obsessivo-compulsivo e síndrome
Tourette: de 20% a 60% dos pacientes com síndrome
Tourette apresentam algum sintomas. Em estudos com
Transtorno obsessivo-compulsivo, foram encontrados
tiques em mais de 50% da amostra infantil e 15% de
síndrome Tourette. Além disso, estudos genéticos dão
suporte para esta associação, com hipóteses de possíveis
substratos neurobiológicos em comum.
Reforçando a hipótese de associação entre TOC e tiques,
os estudos genéticos sugerem que pelo menos algumas
formas de TOC estão etiologicamente relacionadas com a
síndrome Tourette e devem, portanto, ser uma expressão
variante dos mesmos fatores etiológicos que são
importantes na expressão dos tiques,. Por exemplo,
estudos apontam para índices mais altos de TOC e
sintomas de TOC em familiares de pacientes com síndrome
Tourette e também freqüências maiores de síndrome
Tourette e tiques em familiares de primeiro grau de
pacientes com TOC. A sobreposição entre TOC de início
precoce e transtorno de tiques sugere que ambos possam
ser subtipos com uma etiologia comum.
A partir das evidências da associação entre TOC e tiques,
nosso grupo procurou investigar características
psicopatológicas e de comorbidades que pudessem
diferenciar os pacientes com TOC sem síndrome Tourette,
TOC com síndrome Tourette e síndrome Tourette sem TOC. A
característica fenotípica que melhor diferenciava os
pacientes com TOC associado com a síndrome Tourette e
TOC sem síndrome Tourette era a presença de fenômenos
sensoriais que ocorriam antes ou durante a realização
dos comportamentos repetitivos. A partir destes achados,
nosso grupo se empenhou em descrever e definir com mais
precisão estes fenômenos ditos sensoriais, para então
investigar a hipótese de que os fenômenos sensoriais
seriam mais freqüentemente relatados em pacientes com
síndrome Tourette e TOC associado à síndrome Tourette,
quando comparados a pacientes com o diagnóstico de TOC
sem síndrome Tourette. Para esta investigação, foi
elaborada a "Entrevista sobre comportamentos repetitivos
USP-Harvard".. Devido à necessidade de um entrevistador
muito especializado e o tempo longo necessário para
aplicação da entrevista foi realizada uma versão
reduzida da escala, chamada USP-SPS, e sua validação é
objeto de estudo em nosso grupo Portanto, a presença de
fenômenos sensoriais que precedem ou acompanham os
comportamentos repetitivos em pacientes com TOC e tiques
sugere a hipótese de este ser outro subgrupo do TOC com
características fenotípicas distintas.
Os fenômenos sensoriais foram inicialmente descritos em
pacientes com transtornos de tiques:, mas sabe-se que
podem estar presentes também em pacientes com TOC, mesmo
que os tiques não estejam associados). Eles são
definidos como sensações, sentimentos ou percepções
desconfortáveis que precedem ou acompanham a realização
dos comportamentos repetitivos). Esses fenômenos podem
ser divididos em dois tipos: sensações físicas (focais
ou generalizadas) ou mentais. As sensações físicas podem
ser táteis, músculo-esqueléticas ou viscerais,
dependendo da sua localização (pele, músculo ou órgãos
internos). Já as sensações mentais são descritas como
sensações generalizadas e desconfortáveis e podem ser
agrupadas em quatro tipos principais
1.- percepções de "estar em ordem" ou just-right;
2.- sensação de incompletude;
3.- necessidade de "ter que";
4.- sensação de energia interna.
Ainda em nosso grupo, Diniz e colaboradores (2005),
investigaram as possíveis diferenças entre TOC sem
tiques, TOC + síndrome Tourette e TOC + transtorno de
tiques motores ou vocais crônico (TMVC) em uma amostra
de 159 pacientes. Os resultados sugeriram que o grupo do
TOC + transtorno de tiques motores ou vocais crônico
possa apresentar um fenótipo intermediário entre TOC
puro e TOC + síndrome Tourette. Os pacientes com TOC +
TMVC tiveram algumas características mais parecidas com
TOC + síndrome Tourette e mais freqüentes do que TOC sem
tiques: freqüência de sons intrusivos, comportamentos
repetitivos, contagem e compulsões do tipo tic-like. Os
achados deste estudo reforçam ainda mais que o TOC
ligado a tiques seja um subgrupo distinto, com
características específicas dentro do macro-fenótipo do
TOC.
Características clínicas mais freqüentemente encontradas
em pacientes com TOC associado a tiques e/ou ST
Características fenotípicas do TOC associado a tiques e/ou
ST Estudos
Predominância do Patologia masculino Holzer e cols., 1994;
Leckman e cols., 1995
Início mais precoce dos sintomas obsessivo-compulsivo
Holzer e cols., 1994; Leckman e cols., 1995; Miguel e
cols., 1997; Rosário-Campos e cols., 2001
Maior freqüência de fenômenos sensoriais Leckman e
cols., 1994; Miguel e cols., 1995, 1997, 2000
Obsessões com temas sexuais e de agressão,
colecionamento, rituais de contagem e simetria Rasmussen
e cols., 1986; Pitman, 1987; George e cols., 1993; Baer,
1994; Holzer e cols., 1994; Petter e cols., 1998;
Leckman e cols., 1995; Eapen e cols., 1997; Zohar e
cols., 1997
Maior freqüência de compulsões do tipo tic-like George e
cols., 1993; Holzer e cols., 1994; Leckman e cols.,
1994, 1995, 1997; Miguel e cols., 1997; Eapen e cols.,
1997; Petter e cols., 1998; Diniz e cols., 2006
Maior carga genética Rosário-Campos e cols., 2005;
Maior número e variedade de sintomas
obsessivo-compulsivo Miguel e cols., 1997
Maior comorbidade com tricotilomania, transtorno
dismórfico corporal, transtorno bipolar, transtorno de
hiperatividade e déficit de atenção, fobia social e
abuso de substâncias Coffey e cols., 1998; Diniz e
cols., 2004
Até o momento, alguns estudos compararam o perfil de
pacientes com TOC associado a tiques e TOC sem tiques.
Porém, estes estudos têm como foco avaliar poucas
características clínicas, em sua maioria apenas o perfil
dos SOC. O presente estudo apresenta algumas vantagens
em relação aos demais: possui uma amostra maior de
pacientes comparado aos estudos anteriores, avalia um
maior número de características demográficas e clínicas,
além de ser o primeiro a investigar dimensões de
sintomas.
Os dois estudos mais recentes que investigam o perfil
dos sintomas de pacientes com TOC associado a tiques e
TOC sem tiques são os de Hanna e colaboradores (2002) e
Scahill e colaboradores (2003).[108] No primeiro estudo,
60 crianças ou adolescentes com TOC foram comparadas, e
destas, 15 tinham comorbidades com transtorno de tiques.
A comparação entre o grupo de pacientes com tiques
versus os pacientes sem tiques foi feita utilizando a
escala Children´s Yale-Brown Obsessive Compulsive Scale
(CYBOCS) para avaliar categorias de obsessões e
compulsões. Como resultado, os autores encontraram que
não havia diferença entre os dois grupos com relação às
sete categorias de obsessão, mas as compulsões de
organização, colecionismo e limpeza, foram mais comuns
no grupo de pacientes sem história de tiques. Os autores
confirmam que o TOC associado a tiques deve ser
diferenciado do TOC sem tiques em uma fase mais precoce
pela presença de certos sintomas obsessivo-compulsivos.
Um estudo recente realizado por Scahill e colaboradores
(2003) avaliou o impacto da idade e presença de tiques
no perfil de SOC em uma amostra pediátrica composta por
80 crianças com TOC avaliadas em relação aos tipos de
sintomas, idade de início do SOC, funcionalidade e
presença de tiques. Dos 80 pacientes, 48 não tinham
tiques e 32 tinham algum tique. Os resultados
encontrados mais uma vez sugerem que o TOC sem tiques
está mais ligado a sintomas de contaminação e lavagem, e
que a presença de tiques está associada com rituais de
repetição. Além disto, os resultados sugeriram que os
pacientes sem tiques tiveram maiores índices de
ansiedade. Um resultado bastante significativo deste
estudo foi a não associação aparente entre início
precoce dos sintomas (considerado menor que 10 anos) e
história positiva de tiques.
Os resultados dos estudos citados acima apresentam mais
semelhanças do que diferenças no perfil dos pacientes de
TOC associado a tiques e TOC sem tiques. Algumas
discrepâncias encontradas nesses estudos podem ser
atribuídas a diferenças no tamanho das amostras,
gravidade dos tiques e abordagens estatísticas
utilizadas. De todos os estudos, apenas os de Hanna e
colaboradores (2002) e Scahill e colaboradores (2003)
discriminam pacientes por grupos de idade de início dos
sintomas, avaliando pacientes que tiveram o início dos
sintomas do TOC até os 18 anos. Porém, nenhum destes
estudos avaliou apenas pacientes com início dos sintomas
até os 10 anos, como faz o presente estudo. Além disso,
este é o primeiro estudo que levou em consideração
características clínicas tão diversas como perfil de
comorbidades, dimensão de sintomas e história familiar,
em uma amostra mais significativa. A seguir, na Tabela,
estão dispostos os resultados destes estudos:
Estudos que avaliaram diferenças clínicas entre
pacientes com TOC com tiques versus TOC sem tiques
Estudos Pacientes TOC com Tiques Pacientes TOC sem
Tiques
George e cols., 1993 maior freqüência de obsessões de
simetria, sexuais e de agressão;
maior freqüência de compulsões de tocar, piscar e fixar
o olhar.
maior freqüência de obsessões de contaminação;
maior freqüência de compulsões de limpeza.
Holzer e cols., 1994 maior freqüência de compulsões de
tocar, piscar e fixar o olhar.
maior freqüência de rituais de limpeza.
Miguel e cols., 1995 maior freqüência de fenômenos
sensoriais
de Groot e cols., 1995 maior freqüência de obsessões
somáticas, sexuais e de simetria;
maior freqüência de compulsões de checagem, contagem,
necessidade de tocar e esfregar.
maior freqüência de obsessões de contaminação;
maior freqüência de compulsões de limpeza.
Leckman e cols., 1995 maior freqüência de obsessões de
agressão, religião e sexuais;
maior freqüência de compulsões de contagem, verificação,
organização, necessidade de tocar e colecionismo.
Miguel e cols., 1997 maior freqüência de fenômenos
sensoriais
Zohar e cols., 1997 maior freqüência de obsessões
sexuais e religiosas.
Petter e cols., 1998 maior freqüência de obsessões
relacionadas à aparência;
maior freqüência de compulsões de tocar, esfregar, fixar
o olhar.
mais obsessões de contaminação;
mais compulsões de limpeza.
Miguel e cols., 2000 maior freqüência de fenômenos
sensoriais
Cath e cols., 2000 maior freqüência de obsessões de
contaminação;
maior freqüência de compulsões de limpeza.
Hanna e cols., 2002 maior freqüência de compulsões de
organização, colecionismo e limpeza.
Scahill e cols., 2003 maior freqüência de rituais de
repetição.
maior freqüência de obsessões de contaminação;
maior freqüência de compulsões de lavagem.
Diniz e cols., 2004 maior freqüência de obsessões
somáticas
TOC pode ser genético
Estudos realizados por pesquisadores de diferentes
países mostram que mutações genéticas desempenham um
papel importante no desenvolvimento do transtorno
obsessivo-compulsivo (TOC). "Não temos dúvidas de que a
doença tenha origem genética. Inicialmente os
especialistas acreditavam que o distúrbio possuía origem
psicológica. Mas, atualmente, cresceu bastante o número
de evidências que mostram uma pré-disposição genética
para o TOC. Isso nos ajuda a compreender melhor a
doença, e, consequentemente, tratá-la do modo adequado",
analisa Humberto Correa, pesquisador da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG).
Transtorno obsessivo-compulsivo
Classificação e recursos externos
CID-10 F42.
CID-9 300.3
DiseasesDB 33766
eMedicine med/1654
MeSH D009771
O chamado Transtorno Obsessivo-Compulsivo ("TOC") (na
literatura em inglês Obsessive-Compulsive Disorder –
"OCD") é uma doença em que o indivíduo apresenta
obsessões e compulsões, ou seja, sofre de idéias e/ou
comportamentos que podem parecer absurdas ou ridículas
para a própria pessoa e para os outros e mesmo assim são
incontroláveis, repetitivas e persistentes. A pessoa é
dominada por pensamentos desagradáveis que podem possuir
conteúdo sexual, trágico, entre outros que são difíceis
de afastar de sua mente, parecem sem sentido e são
aliviados temporariamente por determinados
comportamentos. O Transtorno Obsessivo-Compulsivo é
considerado o quarto diagnóstico psiquiátrico mais
freqüente na população. De acordo com os dados da
Organização Mundial de Saúde (OMS), até o ano 2020 o
Transtorno Obsessivo-Compulsivo estará entre as dez
causas mais importantes de comprometimento por doença.
Além da interferência nas atividades, os Sintomas
Obsessivo- Compulsivos (SOC) causam incômodo e angústia
aos pacientes e seus familiares.
Apesar de ter sido descrito há mais de um século, e dos
vários estudos publicados até o momento, o Transtorno
Obsessivo-Compulsivo ainda é considerado um "enigma".
Questões como a descoberta de possíveis fatores
etiológicos, diversidade de sintomas e como respondem
aos tratamentos continuam sendo um desafio para os
pesquisadores.
Estudos indicam que uma das dificuldades para encontrar
essas respostas deve-se ao caráter heterogêneo do
transtorno. Vários estudos têm apontado para a
importância da identificação de subgrupos mais
homogêneos de pacientes com Transtorno
Obsessivo-Compulsivo. Esta abordagem visa buscar
fenótipos mais específicos que possam dar pistas para a
identificação dos mecanismos etiológicos da doença,
incluindo genes de vulnerabilidade e, por fim, o
estabelecimento de abordagens terapêuticas mais
eficazes.
Alguns subtipos de Transtorno Obsessivo-Compulsivo têm
sido propostos. Dentre eles, dois subtipos bastante
estudados correspondem aos pacientes com início precoce
dos Sintomas Obsessivo- Compulsivos. e o subtipo de
Transtorno Obsessivo-Compulsivo associado à presença de
tiques e/ou síndrome de Tourette (ST) Esses dois
subgrupos de pacientes apresentam características
clínicas, neurobiológicas, de neuroimagem, genéticas e
de resposta aos tratamentos distintos e que os
diferenciam de outros pacientes. É importante ressaltar
também que esses dois subtipos apresentam
características semelhantes, o que dificulta a
interpretação de sua natureza, ou seja, torna-se difícil
diferenciar se as características encontradas são devido
ao início precoce dos Sintomas Obsessivo- Compulsivos ou
à presença de tiques.
Compulsão é um comportamento consciente e repetitivo,
como contar, verificar ou evitar um pensamento que serve
para anular uma obsessão. Outros exemplos de compulsão
são o ato de lavar as mãos ou tomar banho repetidamente,
conferir reiteradamente se esqueceu algo como uma
torneira aberta ou a porta de casa sem trancar. Deve-se
deixar claro porém que para que esses comportamentos
sejam considerados compulsivos, devem ocorrer em uma
frequencia bem acima do necessário diante de qualquer
padrão de avaliação.
Acomete 2 a 3% da população geral. A idade média de
início costuma ser por volta dos 20 anos e acomete tanto
homens como mulheres. Depressão Maior e Fobia Social
podem acometer os pacientes com Transtorno
Obsessivo-Compulsivo ao longo da vida.
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