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O caso Wachusett
A Questão Christie é, sem sombra de dúvida, o exemplo clássico de uma
situação grave de crise externa na História do Brasil relacionada com o
Poder Marítimo em tempo de paz. Mas está longe de ser o único caso. Entre
1861 e 1865 os EUA travaram um conflito interno com reflexos mundiais. No
Brasil, esses reflexos foram duramente assimilados pela diplomacia.
Um país desigual
Até a segunda metade do século XIX os Estados Unidos eram um país
historicamente desigual. Pouco depois da sua independência em 1776, a Nova
Inglaterra e outros estados do norte/nordeste industrializaram-se
rapidamente. Além disso, a indústria se diversificava e um de seus segmentos
mais prósperos era a construção naval. Ironicamente, uma boa parte das
encomendas dos estaleiros do norte vinha dos estados do sul, que realizavam
comércio negreiro com a África. A mão-de-obra escrava era um dos pilares da
economia agrária dos sulistas, grandes plantadores de algodão.
Não interessava aos estados do norte fortalecer a economia dos plantadores
sulistas, pois isto aumentava o poder de barganha destes últimos junto às
fábricas do norte que processavam o algodão e o transformavam em produto
manufaturado. Estes produtos, por sua vez, não podiam ser vendidos para os
estados do sul, pois o regime escravista barrava a ampliação do mercado
consumidor.
T. Nash
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Partida do 8º regimento da União para o combate. A guerra civil expôs as
várias contradições sociais dos EUA, fruto de um desenvolvimento desigual.
A situação entre as duas regiões era bastante tensa em 1860 e foi agravada
com a eleição do republicano Abraham Lincoln como presidente dos EUA.
Lincoln, assim como boa parte dos cidadãos do norte, era um ferrenho
abolicionista. Em dezembro daquele ano a Carolina do Sul tornou-se o
primeiro estado a sair da União. Logo ela foi acompanhada por outros cinco
estados. Ao todo 11 dos 15 estados escravagistas declararam secessão da
União, e criaram um novo país denominado "Estados Confederados da América".
Em 12 de abril de 1861 forças confederadas atacaram o Fort Sumter, um posto
militar americano na Carolina do Sul. Começava assim a Guerra Civil
Americana.
As relações Brasil - Estados Unidos
Toda a pressão exercida pela Inglaterra sobre o Brasil era, até certo ponto,
amenizada pela atitude "compreensiva" e flexível do Governo dos EUA. Essa
atitude melhorou parcialmente as desconfianças que a classe dominante do
Brasil tinha em relação à participação dos norte- americanos nos movimentos
separatistas no Brasil entre o final do século XVIII e início do século XIX,
encerrandos com a Confederação do Equador em 1824.
A partir desta época, os laços entre os dois países estreitaram-se e os EUA
passaram a exercer uma presença discreta, porém crescente, no mercado
brasileiro. Suas manufaturas ganhavam mercado por aqui e técnicos
norte-americanos participavam de projetos ingleses como a própria ferrovia
D. Pedro II. Soma-se a este quadro o crescente consumo de café brasileiro
nos EUA.
Mas o relacionamento político começou a entrar em crise por volta de 1840.
Por um lado, os interesses norte-americanos no Prata contrariavam, em
algumas situações, a posição brasileira. Por outro, a política em relação ao
tráfego negreiro sofreu modificações e as medidas restritivas adotadas pelos
EUA atingiram em cheio a elite brasileira.
Atitudes precipitadas não eram as mais indicadas, e existiam fortes motivos
econômicos para tal. As exportações de café para os EUA cresceram em ritmo
vigoroso e a partir de 1850, uma década antes da Guerra Civil Americana, os
norte-americanos já eram o maior comprador do principal produto brasileiro.
Começava assim um longo ciclo de dependência econômica, embora a primazia do
capital britânico permanecesse no Brasil até a I Guerra Mundial.
A Guerra Civil Americana, iniciada em 1861, colocou em cheque o futuro da
mão-de-obra das lavouras no Brasil. Caso os estados Confederados perdessem a
guerra, o Brasil ficaria isolado internacionalmente enquanto formação social
escravista. Por outro lado, a maior parte das exportações de café seguia
para os consumidores livres dos estados do norte. O mais recomendável era a
adoção de uma posição diplomática neutra em relação ao conflito.
Medidas adotadas
Neutralidade. Esta era a regra adotada pelo Brasil diante dos conflitos
entre os "Estados Confederados" e o governo da União. Para isso, o país
recorreu a uma prática internacionalmente aceita naquela época, adotada
inclusive pela Grã Bretanha. Passou a tratar os Estados Confederados com o
título de "beligerantes", colocando-os assim em pé de igualdade com o
governo dos Estados Unidos (a União).
Era previsível que a escalada dos combates se estendesse pelos mares e, como
conseqüência, os navios de ambas as partes buscariam refúgio em portos
brasileiros. De imediato foram definidos procedimentos para orientar as
ações das autoridades brasileiras
Em 1º de agosto de 1861, os presidentes das províncias marítimas receberam
instruções do governo de Sua Majestade sobre os princípios gerais de
neutralidade. A princípio houve reclamação por parte do embaixador dos EUA
no Brasil, uma vez que este representava a União e seu presidente
democraticamente eleito. Mas coube ao Governo de Sua Majestade contornar
estas argumentações sempre que as mesmas voltavam à cena e declarar a mais
prefeita igualdade de tratamento entre as partes beligerantes. Dentre as
principais diretrizes adotadas estavam:
A utilização dos portos nacionais pelos navios beligerantes para a obtenção
de todos os artigos e gêneros necessários para prosseguirem sua viagem ;
A permanência dos navios nos portos segundo os prazos estabelecidos pelos
presidentes das províncias;
A proibição absoluta da utilização dos portos como base para ações
militares, venda dos produtos oriundos da captura e aprisionamento de outras
embarcações combatentes e obtenção de socorro ou armamento de qualquer
natureza com o propósito de hostilizar o inimigo fora do mar territorial.
O ministro dos negócios estrangeiros ainda enviou um Aviso aos ministros da
Marinha, da Guerra e da Justiça. Datado de 4 de agosto de 1861, fragmentos
do texto do Aviso encontram-se reproduzidos abaixo.
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"(...) Sua Majestade o Imperador, attendendo aos interesses do commércio de
seus subditos, e desejando observar uma restrícta neutralidade durante a
guerra que infelizmente existe entre os Estados Unidos e os Estados
Confederados da América, houve por bem, de conformidade com as princípios do
direito internacional, adotados no Império em circunstâncias análogas,
ordenar que fosse dirigida aos presidentes das províncias do norte do
Império a circular inclusa por cópia.
Se bem não reconheça o governo imperial a existência política dos Estados
Confederados, não lhes pode, no entanto, recusar o direto de belligerantes,
e é este o pensamento daquella circular.
De acordo com este pensamento, rogo a V. Ex. haja de expedir as convenientes
ordens e instruções às autoridades d Império, que lhes são subordinadas.
(...)"
Os primeiros "visitantes"
As diretrizes foram testadas na prática no mês seguinte. No dia 1º de
setembro o vapor de guerra CSS Sumter, pertencente à armada dos Estados
Confederados, chegou ao porto do Maranhão. Este solicitou o abastecimento
com "carvão de pedra", que foi prontamente fornecido. O mesmo deixou o porto
no dia 15 sob protesto do cônsul norte-americano, acusando o país de quebra
de neutralidade. Protesto este não atendido pelo auditor de marinha.
National Archives
CSS Sumter escapando do bloqueio imposto pela União aos portos confederados
(30 de junho de 1861). O Sumter foi um dos navios confederados que mais se
destacou, afundando 18 navios mercantes em 1862.
Uma semana depois chegou ao mesmo porto o vapor de rodas USS Powhatan da
União também com o propósito de abastecer-se de carvão. Na sua partida no
dia 28, o comandante Porter deixou um oficio reforçando o protesto do
cônsul. Por pouco um conflito naval não aconteceu no porto do Maranhão. No
ano seguinte não foram registrados eventos desse tipo nos portos
brasileiros.
O ano de 1863 começara de forma ruim para o Brasil. O triste episódio do
apresamento de mercantes brasileiros por navios ingleses, fruto da "Questão
Christie", ainda não havia terminado e as relações entre o Brasil e a
Inglaterra estavam bastante abaladas. Para piorar o quadro diplomático,
embarcações confederadas passaram a procurar portos do Nordeste nos meses de
abril e maio, provocando protestos dos representantes norte-americanos.
O CSS Florida chegou a Pernambuco no dia 8 de maio. Seu objetivo não era
apenas realizar reparos no maquinário e se abastecer de carvão, mas também
de desembarcar a tripulação do vapor norte-americano apresado Clarence e
vender os pertences capturados nas ruas da capital da província.
Já o CSS Georgia aportou na Bahia no dia 12 do mesmo mês quase
simultaneamente com o mercante inglês Castor, acusado de suprir os
confederados e auxiliá-los no trabalho de logística. O cônsul
norte-americano instalado na Bahia protestou junto ao Governo brasileiro
informando que foi "publicamente observado que [o mercante Castor] conduzia
também duas peças de 125 libras e outras munições de guerra", faina esta
realizada durante a noite. Um flagrante caso de desrespeito aos princípios
de neutralidade estabelecido pelo próprio governo Imperial. Mas este caso
foi de menor importância perto das ações do CSS Alabama.
O temido CSS Alabama, que havia afundado o USS Hatteras e feito várias
vítimas mercantes no Atlântico Norte (ver texto abaixo), passou a agir na
costa brasileira por volta de abril de 1863, utilizando a ilha de Fernando
de Noronha como base para suas ações. Essa informações chegaram até o
presidente da província de Pernambuco através das tripulações dos navios
apresados, que foram levados ao Recife por um mercante brasileiro. Ao todo
seis navios pertencentes à União foram aprisionados. Destes, dois foram
incendiados e toda a carga apreendida.
De imediato, o presidente da província instaurou um inquérito para averiguar
o ocorrido. Questionado sobre as atividades do vapor de guerra confederado,
o comandante do presídio de Fernando de Noronha foi sumariamente destituído
de seu cargo, além de responder a um processo de responsabilidade. As
investigações descobriram que o comandante do presídio tinha conhecimento
das atividades do Alabama; que a tripulação deste desembarcou várias vezes
na ilha abastecendo-se de objetos diversos e que tanto os eventos de captura
como o do incêndio dos mercantes ocorreram em águas territoriais
brasileiras. Mas acima de tudo, o comandante do presídio "desconhecia os
deveres de sua posição", pois nem sequer "protestou contra os atos
praticados pelo Alabama".
O presidente da província de Pernambuco encaminhou no dia 27 de abril um
solene protesto ao capitão do Alabama pelos seus "desacatos e ofensas à
soberania e direitos do Império" e que o mesmo estava intimado a deixar as
águas territoriais brasileiras em 24 horas. Quando esta comunicação chegou à
Fernando de Noronha, o navio confederado já não se encontrava mais ali.
No dia 11 de maio o Alabama aportou na Bahia e o presidente daquela
província comunicou ao comandante da embarcação confederada do completo
"desagrado" que as ações atribuídas a ele haviam causado. Porém, o
presidente não foi além dessa comunicação. O inquérito feito pela província
de Pernambuco foi concluído no dia 13 de maio, mas o Alabama deixou o porto
duas semanas depois sem que ações concretas tenham sido tomadas.
CSS Alabama
Diversos navios confederados destacaram-se por seus feitos, mas o mais
famoso de todos foi o vapor CSS Alabama. Construído por encomenda ao
estaleiro John Laird Sons and Company de Liverpool (Inglaterra), o Alabama
foi lançado ao mar em 24 de agosto de 1862 com o nome Enrica. Deslocava 1050
toneladas e possuía um armamento composto por seis canhões de 32 libras, um
de 68 libras e um de 110 libras.
Sob o comando do capitão Raphael Semmes, o Alabama passou os dois anos
seguintes capturando e destruindo navios por todo o Atlântico. No seu
primeiro ano, nada menos que duas dúzias de mercantes norte-americanos
trafegando pelo Atlântico Norte em direção à Europa foram capturados ou
queimados.
Pouco depois do ano novo, o Alabama acabou encontrando o USS Hatteras
próximo da cidade de Galveston, Texas. De forma ardilosa, o navio
confederado aproximou-se do Hatteras exibindo a bandeira da marinha
britânica. Atacando primeiro e dispondo de armamento mais poderoso o
Hatteras não teve chance de um contra-ataque eficaz e acabou a fundando em
11 de janeiro de 1863.
O Alabama ainda navegou por todo o Atlântico Sul ao longo de 1863, incluindo
a costa oeste da África e a costa brasileira. Depois de passar pela Cidade
do Cabo (África do Sul) rumou para as Índias Orientais e durante sua
patrulha de seis meses afundou mais sete embarcações. Retornou à Cidade do
Cabo e seguiu para a Europa realizar reparos de maiores proporções.
Em junho de 1864 o Alamaba chegou ao porto francês de Cherbourg para
realizar reparos no casco e no maquinário. O pedido de Semmes para que o
navio fosse docado foi negado e os devidos reparos não foram feitos. No
porto, Semmes recebeu a informação de que o USS Kearsage o esperava em águas
abertas. Prevendo um possível bloqueio do porto com a chegada de outros
navios da União, Semmes decidiu levar o Alabama para o mar e enfrentar o
Kearsage.
O Alabama tomou a iniciativa do combate e passou a disparar de longe. O
Kearsage aguardou até que a distância fosse inferior a 1000m. Aproximando-se
de direções opostas e descrevendo ambos uma trajetória circular, cada um dos
navios tentou cruzar a proa de seu oponente. Após uma hora e dez minutos de
combate, quando a distância entre eles era de aproximadamente 500m, o
Kearsage disparou uma salva mortal sobre o Alabama, afundando-o.
National Archives
Ilustração representando o combate entre o USS Kearsarge (navio da direita
com a bandeira dos EUA no do mastro) e o CSS Alabama ocorrido em 19 de
junho de 1864.
Durante os seus 22 meses de carreira o Alabama disseminou terror e
devastação na frota mercante dos Estados Unidos. Dos 447 navios abordados,
65 pertenciam à União e foram capturados. O resultado das atividades de
corso renderam aproximadamente 2000 prisioneiros e da tripulação de 120
praças e 24 oficiais, nenhum deles faleceu a bordo do navio por acidente ou
doença.
A melancólica conclusão do "episódio Alabama" foi seguida por uma dura nota
divulgada pela embaixada dos EUA em 6 de julho de 1863. Nela, o embaixador
J. Watson Webb demonstrou o tamanho do desapontamento do seu governo. Em uma
das passagens, o embaixador assim escreveu:
"(...) Quanto ao procedimento do presidente da Bahia e a sua justificação
por S. Ex. são compatíveis com as idéias de justiça que tem o povo do
Brasil, não compete ao abaixo assignado apreciar; mas não hesita elle em
dizer que nos Estados-Unidos divergimos tão profundamente desta nova e
extraordinária doutrina, que se pretende pela primeira vez inaugurar em um
Estado civilisado, que o governo de Washington não deixará de attribuir o
procedimento do governo imperial à uma premeditada recusa de justiça baseada
em princípios tão insustentáveis, como que para augmentar a desaffeição que
revela no próprio acto. (...)"
As lições do caso do Alabama originaram uma série de novas medidas,
expedidas em 23 de junho, que regulavam os casos onde julgava-se violada a
neutralidade. Além de reforçar as disposições contidas na circular de 1º de
agosto de 1861 e incluir outras diretrizes, as novas instruções incluíam:
"(...) usar a força e, na falta ou insuficiência desta, protestar
solenemente e energicamente contra o belligerante que, sendo advertido e
intimado, não desistir da violação da neutralidade do império; ordenando às
fortalezas e aos navios de guerra que atirem sobre o belligerante que
acommetter o seu inimigo no nosso território, e sobre o navio armado que se
dipuzer a sahir antes de decorrido o tempo marcado depois da sahida do navio
pertencente ao belligerante contrário. (...)"
Soberania e dignidade ultrajadas
O CSS Florida voltaria a visitar o Brasil em 1864. O navio confederado,
comandado pelo 1º tenente Morris, chegou ao porto de Salvador no dia 4 de
outubro por volta das 21:00h. Seu objetivo era abastecer-se de carvão e
provisões, além de realizar pequenos reparos no condensador. Logo depois de
fundear na baía, um outro navio estrangeiro passou pelo Florida e perguntou
pelo nome da embarcação confederada. Após o anúncio, um tripulante do outro
navio respondeu que aquele era o HMS Curlew.
National Archives
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Litografia representando o CSS Florida na Ilha St. George (Bahamas) em 1863.
Na manhã seguinte não foi visto nenhum navio de guerra britânico, mas sim o
vapor USS Wachusett da União fundeado ao lado do Florida. Após reunião com o
presidente da província e o comandante da divisão naval do Império, foi
sugerido ao tenente Morris que o mesmo manobrasse seu navio mais para perto
da costa, para que este ficasse entre o corveta D. Januária da Marinha do
Brasil e o navio norte-americano. E assim foi feito. O prazo inicial de 24
horas dado ao Florida acabou sendo estendido, pois um engenheiro brasileiro
observou que o reparo no condensador levaria quatro dias.
CSS Florida
Quando o oficial Bulloch (Marinha dos Estados Confederados) chegou à
Inglaterra em 1861, não perdeu tempo em encontrar um estaleiro para
construir o primeiro navio de guerra do Estados Confederados na Grã
Bretanha. Entendimentos foram feitos com o estaleiro William C. Miller &
Sons de Liverpool, com larga experiência na construção de navios com casco
de madeira para a Royal Navy.
A construção propriamente dita teve início em junho de 1861. Boatos foram
espalhados de que o navio era uma encomenda para uma empresa italiana de
Palermo e seria batizado com o nome Oreto. Um verdadeiro jogo de espionagem
e contra-espionagem passou a reinar em Liverpool, onde o cônsul
norte-americano começou a duvidar da nacionalidade do Oreto.
Por volta de fevereiro de 1862, o Oreto já estava na água. Suspeitas sobre o
real proprietário surgiram por parte do embaixador norte-americano. Na
verdade, não havia nada no navio que indicasse que o mesmo seria armado. A
situação recomendava a retirada do navio de Liverpool o mais breve possível.
Assim, em 22 de março o Oreto zarpou da Inglaterra. Seu destino oficial:
Palermo, Sicília. Na verdade o navio seguiu para Nassau, onde tudo já estava
programado. Nas Bahamas, o Oreto mudou de tripulação e recebeu um novo
capitão. Após algumas dificuldades, o navio foi finalmente armado e teve sua
bandeira confederada hasteada pela primeira vez na tarde do dia 17 de agosto
daquele ano. Seu novo nome: CSS Florida (em substituição ao inicialmente
previsto CSS Mannassas).
Pouco tempo depois a tripulação foi atingida por um surto de febre amarela e
muitos faleceram. Seguindo para a costa do estado do Alabama com metade da
tripulação, o navio foi atacado por nada menos que três unidades da marinha
da União. Por falta de pessoal, o Floria não pode responder ao fogo e
milagrosamente se arrastou até o continente.
O Florida só voltou novamente ao mar em janeiro de o ano seguinte. Sua
velocidade permitiu que o mesmo rompesse o bloqueio naval imposto pela União
e ficasse livre para realizar sua guerra aos mercantes norte-americanos,
tornando-se um dos mais famosos e bem sucedidos navios dos confederados,
capturando 37 embarcações.
Perto das 3:00 da madrugada do dia 7 de outubro o Wachusett deixou o seu
ancoradouro. Mesmo sob a escuridão da madrugada, o navio da União foi
observado pela tripulação que estava de guarda na corveta D. Januária. Ao
passar pela popa da corveta brasileira o Wachusett foi intimado para que
"desse fundo". A ordem foi ignorada e o navio seguiu na direção do Florida.
Por volta das 3:15h um dos tripulantes do Florida observou o Wachusett
aproximando-se. O alerta geral foi dado, mas antes mesmo que a tripulação
pudesse assumir "postos de combate", o navio norte-americano abalroou o
Florida pela alheta de boreste, derrubando a balaustrada sobre o convés e
arrancando o mastro da mezena. Seguiu-se um intenso tiroteio de mosquete
após a colisão, acompanhado por um (ou dois?) disparo de peça de artilharia
sobre o convés do Florida. O Wachusett recuou e exigiu a rendição do navio
confederado. Houve recusa e novos disparos partiram do vapor da União,
contra-atacado pelos tripulantes do Florida. Uma nova exigência foi feita e
o tenente Porter (do navio confederado) respondeu que se rendia, mas sob
condições. Ao ouvir o grito de "rendição", 15 tripulantes do Florida
lançaram-se ao mar. Somente seis chegaram à praia. Os demais foram mortos
por disparos provenientes do Wachusett. O comandante Collins enviou alguns
escaleres para tomar a embarcações confederada. Rapidamente, um longo cabo
foi amarrado ao Florida e o navio da União passou a rebocá-lo lentamente.
National Archives
O USS Wachusett conforme originalmente lançado.
A confusão toda foi ouvida pela guarnição brasileira, mas em função da
escuridão, nada foi visto. O comandante da divisão naval do Império mandou
então um oficial brasileiro a bordo do Wachusett com o propósito de intimar
o comandante norte-americano que os navios da divisão e as fortalezas de
terra fariam fogo caso ele atacasse o Florida. O navio norte-americano não
permitiu a entrada do oficial brasileiro. Porém, o comandante Collins
disse-lhe do portaló que aceitava a intimação e que nada mais faria a não
ser regressar para o seu ancoradouro. A intimação brasileira foi ratificada
com um "tiro de peça com bala".
O Wachusett passou pela proa da corveta brasileira, seguindo para boreste.
Tal foi a surpresa da guarnição brasileira quando, passado alguns momentos,
observou o Florida movendo-se. Ficou claro que o vapor de guerra da União
levava o navio confederado a reboque por um longo cabo.
Houve uma certa confusão após o flagrante desrespeito às ordens do
comandante da divisão e às diretrizes de neutralidade estabelecidas pelo
Brasil. A resposta brasileira foi dada somente no raiar do dia. A corveta D.
Januária, puxada por uma canhoneira a vapor (segundo relato do próprio
comandante Collins), deu caça ao Wachusett e sua presa. Percebendo que o seu
navio estava sendo seguido, o comandante Collins ordenou que as velas fossem
desfraldadas e o ganho de velocidade permitiu que a distância aumentasse
gradualmente em relação aos seus perseguidores. Vendo a impossibilidade de
alcançar o navio norte-americano, o comandante brasileiro desistiu da
caçada. Um sentimento de frustração total se abateu sob a tripulação dos
navios brasileiros.
Solução Diplomática
Como esperado, houve indignação popular quando a notícia espalhou-se pela
cidade de Salvador e o consulado norte-americano naquela capital foi vítima
de depredação. Mas o cônsul não se encontrava ali. Simplesmente abandonou o
consulado e fugiu com o navio da União.
O embaixador norte-americano tratou rapidamente de "botar panos quentes" na
situação. A quebra da neutralidade e a fuga do cônsul colocavam-no na
defensiva. Primeiramente tratou-se de desvincular a atitude do comandante do
Wachusett de uma possível articulação com um representante oficial do
governo dos Estados Unidos. O cônsul foi tratado, num primeiro momento, como
desconhecedor das intenções do comandante, que recebeu todo o ônus da ação.
A reação brasileira foi enérgica e tempestuosa. Em sua correspondência de 12
de dezembro de 1864, encaminhada ao secretário de estado norte-americano, a
representação brasileira em Washington afirmou que "este fato não tem
paralelo nos anais das guerras marítimas modernas ". Protestos também
sugiram na imprensa dos Estados Unidos e de outras nações européias.
As reais desculpas e satisfações vieram oficialmente em 26 de dezembro
daquele ano. O secretário de estado William Seward assim escreveu:
"(...) Está entendido, tereis a bondade de notar, que a resposta que ora se
dá à vossa representação, funda-se exclusivamente na declaração de que a
captura do Florida foi um acto não autorisado, illegal e indefensavel da
força naval dos Estados-Unidos praticado em um paiz estrangeiro, com
desprezo do seu governo estabelecido e devidamente reconhecido. (...)"
National Archives
Contra- almirante Napoleon Collins.
O cônsul fora demitido. Havia ainda a necessidade de julgar o
comandante Collins. Isto ocorreu em 7 de abril do ano seguinte,
a bordo do vapor Baltimore. Perante um tribunal, o comandante
Collins foi formalmente acusado de violar a jurisdição
territorial de um país neutro. A acusação foi aceita e Collins
recebeu sua sentença. Fora expulso da Marinha dos Estados
Unidos. |
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Estranhamente, a sentença não foi cumprida de imediato. A verdade
emergiu no ano seguinte. Numa carta datada de 17 de setembro de 1866, o
próprio secretário da marinha (Gideon Welles) recusou o resultado do
julgamento, inocentando o ex-comandante do Wachucett. Collins ainda
teria uma carreira promissora dentro da US Navy, sendo promovido a
contra-almirante em agosto de 1874. Só não galgou postos mais elevados
porque faleceu tragicamente aos 61 anos em Lima, no Peru, enquanto
comandava o esquadrão do Pacífico Sul.
Quanto ao CSS Florida, este seria devolvido ao Brasil, não fosse um
pequeno incidente. O navio estava fundeado em Hamptom Roads sob
vigilância e proteção naval quando subitamente afundou no dia 28 de
novembro de 1864. De qualquer forma, o governo Imperial deixou este
assunto em segundo plano, pois o Paraguai havia apreendido um navio
brasileiro no Mato Grosso no dia 12 de novembro. No mês seguinte o país
era invadido. Começava assim o maior e mais sangrento conflito armado do
continente Sul-americano.
Reflexões sobre o caso
O caso do Wachusett não pode e não deve ser visto de forma
individualizada. A atitude adotada de tratar os dois beligerantes
parecia muito reconfortante no começo, mas foi a origem de toda a dor de
cabeça. Obviamente que o primeiro navio confederado, quando aportou
aqui, não tinha idéia real de como seria recepcionado. No entanto, o
mesmo foi tratado de forma muito mais cordial do que deveria. A notícia
se espalhou e o Brasil foi considerado um ponto de apoio para as
unidades confederadas, caso estas necessitassem.
Os abusos começaram a surgir em 1863. Primeiramente o CSS Alabama passou
a utilizar o território nacional como base para suas atividades
militares. As ações ocorriam sob os olhares do comandante do presídio de
Fernando de Noronha que, ou compactuava com o confederado ou desconhecia
totalmente a noção de soberania territorial e seus deveres como
autoridade constituída naquele rincão do Império. Pode-se até acusar o
mesmo de ter sido subornado pelo comandante do Alabama (uma prática
secular neste país), mas não são conhecidas provas contra o comandante
do presídio. De qualquer forma sua atitude, ou a ausência dela, foi um
desserviço ao país.
Pior ainda foi a atitude do presidente da Bahia. Conhecendo as acusações
que pesavam sobre o navio confederado e de posse do inquérito do
presidente de Pernambuco, nada fez. Ainda permitiu que o fora da lei
permanecesse por duas semanas no porto de Salvador, gozando da
hospitalidade e das benesses da capital baiana. Na mesma época o CSS
Georgia recebeu munição dentro da baía de Todos os Santos, cometendo
mais um desrespeito às diretrizes do governo Imperial. Provavelmente o
presidente da província da Bahia não tinha noção de que uma guerra de
grandes proporções estava em andamento no norte do continente americano
e que essa guerra tinha desdobramentos mundiais e implicâncias
geopolíticas.
Todas estas ações foram observadas e receberam o devido protesto por
parte dos representantes da União no Brasil. Ficou a imagem de que aqui
vale tudo e não há respeito nem pelas próprias leis. Muito provavelmente
todo este "relaxamento" tenha contribuído para que, no ano seguinte, o
Wachusett atuasse da forma como agiu. É líquido e certo que o comandante
Collins foi instruído pelo cônsul norte-americano de como deveria
proceder. O cônsul, conhecendo o Brasil, suas autoridades e ainda
respaldado pela ausência de ações concretas no caso do Alabama, do
Georgia e do Florida, determinou uma ação tão ousada quanto arriscada.
Quanto à resposta militar brasileira, ficou evidente que a divisão naval
do nordeste, formalmente a 2ª Divisão, não possuía meios navais para
perseguir e combater o Wachucett. Em 1863 a corveta D. Januária, nau
capitânia e arvorando o pavilhão do comandante da divisão, era uma
embarcação ultrapassada e movida unicamente por velas. Foi necessário
que um vapor rebocasse a mesma para caçar o Wachusett. O quadro a seguir
resume a força da 2ª Divisão Naval da Marinha do Brasil por volta de
1863.
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Cabe aqui um parênteses. Interessante observar que o capitão do Florida
foi muito ingênuo quando o navio que passou por ele na noite do dia 4 de
outubro de 1863 se auto denominou HMS Curlew. Era público e notório que
Brasil e Grã Bretanha estavam com os laços cortados e que o Curlew, um
dos navios que participou do "bloqueio naval" no ano novo de 1863, não
era bem vindo. Além disso, os dois navios eram muito distintos um do
outro, sendo que o vapor norte-americano possuía praticamente o dobro do
deslocamento.
O desenrolar do julgamento do comandante Collins foi uma verdadeira
atitude paternalista de país de segunda classe, colocando em dúvida a
real "ação solitária" do ex-comandante do Wachusett. É possível que o
governo realmente tenha compactuado com a ação, pois nada justificaria
ignorar a sentença desferida pelo tribunal e, posteriormente, promover o
oficial até o generalato. Sobre a investigação do afundamento do CSS
Florida, nada mais ouviu-se sobre o assunto. Muito provavelmente o
senhor Gideon Welles, o mesmo que rasgou o sentença do comandante
Collins, tenha mandado afundar o navio para que o mesmo não voltasse
para o Brasil e fosse reclamado pelos confederados.
Em função de todos os acontecimentos lamentáveis que esta situação
gerou, não só do lado brasileiro, seria reconfortante e agradável
simplesmente esquecer os vexames e os desmandos. Mas não. Ela deve ser
novamente estudada, reavaliada e relembrada para que possamos conduzir
melhor nossas ações do presente e programar o futuro.
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