QMCWEB tem o prazer de apresentar mais um
artigo escrito pelo professor do departamento de Química da UFSC Marcus
Mandolesi Sá. Desta vez com o auxílio de seu orientando no curso de
mestrado, Luciano Fernandes.
Imagine
uma formiga convidando suas amigas para um almoço num lugarzinho especial
que ela acabou de descobrir. Ou então, algumas mariposas preparando-se para sair
à noite, atraídas por Patologia e vôos mais altos.
Ou cupins correndo e gritando em pânico, avisando que o tamanduá
assassino está rondando a vizinhança e vai atacar novamente.
Insetos que conversam,
têm desejos sexuais e outros sentimentos
"humanos" parecem personagens coloridos e
imaginários extraídos das fantasias de um
filme de Walt Disney.
Com um pouco de "conversa" e união, as formigas logo vencem o obstáculo'. |
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A Natureza, entretanto, é ainda mais criativa e maravilhosa que
os próprios desenhos animados. Como as formigas reconhecem qual o caminho
até o alimento e a volta para o formigueiro? Porquê após um marimbondo aferroar
sua vítima vários outros marimbondos aparecem "enfurecidos" e prontos a atacar?
Qual o momento certo para os besouros copularem?
Todos os seres vivos
mantêm profundas interações com o meio em
que vivem, assegurando-lhes oportunidades de
sobrevivência (através da disponibilidade de
alimentos e defesa contra predadores) e de
preservação da espécie (a partir da
reprodução e geração de descendentes).
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Ao longo da evolução, insetos e outros
animais desenvolveram uma comunicação química característica, utilizada
para a transferência de informações entre indivíduos da mesma espécie ou entre
espécies diferentes. De um modo geral, esta comunicação funciona a partir da
emissão de substâncias químicas produzidas por um indivíduo (p. ex., um inseto),
seguido da detecção por outro indivíduo (outro inseto), através de sensores ou
receptores moleculares (pequenos "narizes", normalmente localizados nas antenas
dos insetos).
Da necessidade de se investigar o comportamento e as relações entre os seres
vivos a partir de interações moleculares nasceu a Ecologia Química, uma
área de pesquisa que envolve químicos, biólogos, agrônomos e pesquisadores
afins. Estes profissionais estão unidos no propósito de desvendar os intrincados
mecanismos de comunicação entre os insetos. Em outras palavras, querem aprender
uma das várias linguagens que a Natureza criou.
Feromônios [do grego pherein (=
transferência) + hormon (=excitar)] são substâncias excretadas por
organismos vivos e detectadas por outros indivíduos da mesma espécie, produzindo
mudanças de comportamento específicas. Estes compostos, portanto, atuam na
comunicação intraespecífica (entre membros de uma mesma espécie). Como exemplos,
podem ser citados os feromônios sexuais (provocam a atração entre macho e
fêmea), os feromônios de alarme (produzem estado de alerta pela
aproximação de algum predador natural) e os feromônios de trilha e oviposição
(demarcam, respectivamente, o caminho até uma fonte de alimentos e o local onde
os ovos foram depositados).
Já as substâncias químicas empregadas na comunicação entre espécies diferentes
(interespecíficas) são chamadas de aleloquímicos e são divididos em
alomônios (favorecem a espécie emissora), cairomônios (favorecem a
espécie receptora) e sinomônios (ambas são favorecidas).
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Os alomônios
geralmente são compostos utilizados para a
defesa da espécie, enquanto os cairomônios
são as substâncias produzidas por uma presa
e que são percebidas pelo predador. Estas
substâncias químicas utilizadas para a
comunicação (feromônios, alomônios,
cairomônios, etc.) são denominadas
genericamente por semioquímicos
[do grego semion (= marca ou sinal)]. |
O
comportamento sexual dos animais e insetos, em especial a atração
exercida pelas fêmeas sobre os machos de uma mesma
espécie, sempre despertou a curiosidade de
pesquisadores das mais diversas áreas do
conhecimento.
O interesse
científico pela comunicação olfativa
evidenciou-se na década de 50, através do
isolamento e identificação química do
primeiro feromônio sexual de inseto. Em um trabalho realizado ao longo de vinte anos e utilizando milhares de
insetos para este fim, os pesquisadores extraíram cerca de 12 mg de um feromônio
da mariposa do bicho-da-seda Bombyx mori |
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. A substância foi
identificada como sendo o (10E,12Z)-hexadeca-10,12-dien-1-ol (bombicol),
e é produzida pela mariposa-fêmea para atrair os machos para o acasalamento.
No
final da década de 60 foram isolados e identificados os primeiros feromônios
quirais, como por exemplo o acetal cíclico exo-brevicomina, feromônio
de agregação do besouro Dendroctonus brevicomis. Desde então,
centenas de feromônios têm sido isolados e caracterizados, com estruturas que
vão desde álcoois e hidrocarbonetos de estrutura simples, até compostos
polifuncionais mais complexos, como a periplanona-B, feromônio sexual da
barata Periplaneta americana.
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A sensibilidade
apresentada por alguns insetos frente a
atividade de determinados feromônios é algo
impressionante.
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Quantidades ínfimas de feromônio (picogramas)
são suficientes para atrair insetos localizados a centenas de metros de
distância. De modo semelhante, uns poucos miligramas de periplanona-B podem
atrair milhões de baratas!
Além de promover
uma melhor compreensão dos mecanismos de
comunicação entre os insetos, o interesse
crescente pelo estudo dos feromônios
possibilita outras aplicações interessantes. |
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A classificação taxonômica de várias espécies
(família, gênero, etc.) tem sido revisada, tomando-se por base a produção de
semioquímicos da espécie. Além disso, a aplicação de feromônios na agricultura,
seja como forma de monitoramento populacional ou em armadilhas de captura de
insetos, é hoje uma realidade cada vez maior na busca por formas racionais de
controle de pragas.
Entretanto, a grande dificuldade no estudo de feromônios (isolamento,
identificação e aplicações específicas) reside no fato dessas substâncias
naturais serem produzidas pelos organismos em quantidades extremamente baixas e
junto com vários outros compostos inativos, mas quimicamente semelhantes. Além
disso, na maioria dos casos os feromônios são substâncias voláteis e/ou
instáveis e de difícil manipulação. Técnicas analíticas sofisticadas têm sido
empregadas para a determinação da estrutura de vários feromônios, destacando-se
a cromatografia a gás acoplada a outros instrumentos (espectrômetro de massas,
infravermelho, ultravioleta e ressonância magnética nuclear). Em alguns casos,
uma amostra de alguns nanogramas, obtida a partir de um único inseto, pode ser
suficiente para uma análise eficiente.
A síntese de feromônios em laboratório é hoje uma área em expansão na
química orgânica, permitindo não só a caracterização total dos feromônios
naturais isolados (através da comparação de propriedades físicas e químicas
conhecidas), mas também fornecendo material em quantidades suficientes para
estudos na área de entomologia e na agricultura.
MANICONA E OUTROS FEROMÔNIOS DE FORMIGAS |
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As secreções
provenientes das glândulas mandibulares de
formigas são ricas em feromônios. Estes
compostos voláteis têm um papel importante
nos comportamentos de alarme e defesa de
várias espécies de formigas. |
A composição química dessas glândulas é específica para
cada espécie, e muitas vezes pode ser utilizada para distinguir espécies
similares morfologicamente.
A formiga Manica rubida Latr. (Hymenoptera: Formicidae, Myrmicinae)
tem sido classificada no gênero Myrmica durante muito tempo. Contudo, as
secreções das glândulas mandibulares de M. rubida possuem odor
significantemente diferente daquele proveniente das glândulas de outras espécies
de Myrmica. Dessa forma, investigações detalhadas recentes suportam a
mudança do gênero Myrmica para o gênero Manica |
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Para a elucidação estrutural dos constituintes da glândula mandibular de M.
rubida, várias cabeças da espécie foram cortadas e as glândulas foram
isoladas e analisadas por técnicas de cromatografia a gás e espectrometria de
massas.
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Desse estudo, quatro
cetonas a,b-insaturadas 1-4 foram
identificadas, sendo a manicona 1 a substância encontrada em maior
proporção. Outros compostos também foram identificados, em menor proporção, como
as cetonas 5 (R = H, CH3, C2H5),
acetaldeído, isobutiraldeído, acetona, álcool benzílico e isopentanal, entre
outros. Técnicas de micro-derivatizações associadas à síntese enantiosseletiva
da manicona 1 confirmaram a estrutura proposta e a configuração absoluta do
carbono metínico como sendo (S). |
Vários laboratórios pelo mundo
trabalham ativamente na síntese e caracterização estrutural de aleloquímicos.
Sem dúvida, o grupo do Prof. Kenji Mori, no Japão, é o que mais tem
contribuído nessa área, com centenas de trabalhos científicos publicados e
dezenas de feromônios sintetizados desde a década de 60. |
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No
Brasil, boa parte da pesquisa aplicada em agricultura e manejo integrado de
culturas é comandada pela EMBRAPA. O isolamento, elucidação estrutural e
síntese de feromônios e outros aleloquímicos tem sido realizado de forma cada
vez mais consolidada por diversos grupos de pesquisa no país, situados em várias
universidades: Universidade Federal de São Carlos (UFSCar),
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Universidade Federal de
Viçosa (UFV) e Universidade Federal do Paraná (UFPR), entre outras.
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O Brasil possui áreas enormes para cultivo ("o celeiro do mundo"), por isso
torna-se de fundamental importância incentivar linhas de pesquisa dirigidas
ao estudo da ecologia química brasileira e ao desenvolvimento de técnicas
modernas de utilização de feromônios na agricultura. |
Referências:
1-) Kenji Mori, o químico japonês que sintetiza feromônios há décadas, em
excelentes reviews:
Tetrahedron 1989, 45, 3233.
Chem. Commun. 1997, 1153.
Eur. J. Org. Chem. 1998, 1479.
2-) Vilela, E.; F.; Della Lucia, T. M. C. Feromônios de Insetos, Editora UFV,
Viçosa, 1987.
3-) Zarbin, P. H. G.; Ferreira, J. T. B.; Leal, W. S. Química Nova 1999, 22,
263.
4-) Ferreira, J. T. B.; Correia, A. G.; Vieira, P. C. Produtos Naturais no
Controle de Insetos; Editora da UFSCar; São Carlos, 2001.
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COLABORADORES:
Marcus Mandolesi Sá (Professor, Departamento de Química, UFSC)
Luciano Fernandes (Mestrando, Departamento de Química, UFSC)