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  HISTORIA DE NOVA XAVANTINA PARTE 2  
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Aquela era mais uma tarde que aos poucos ia sendo consumida pelos primeiros sinais da noite. Era mês de abril e o céu apresentava os sinais de que as chuvas já estavam no fim.

Nuvens aqui e ali, formavam contornos indefinidos que João de Deus ia tentando decifrar.

Sua casa, construída com muito custo, tinha uma varanda, onde, todas as tardes, João de Deus se sentava para observar o movimento da rua. Era assim já há alguns anos, pois a idade já tomava conta há algum tempo.

Hoje, com 73 anos o corpo não consegue mais acompanhar o coração aventureiro que sempre foi jovem. E a imaginação instigada pelos impulsos do coração jovem, nessas horas de varanda, sempre voa. Voa longe, buscando na lembrança das experiências vividas, um alento para a melancolia do presente.

Ele, um eterno inconformado, um rebelde, buscando coisas novas, insatisfeito, talvez insatisfeito consigo mesmo, mas na sua juventude não havia hora para esses questionamentos. Quando colocava na cabeça que ia fazer algo, não havia cristo que conseguisse tirar. Ia até as ultimas conseqüências, mas realizava seu intento.

Quando as luzes da rua se acenderam para iluminar a noite que chegava, foi como um raio. Seu pensamento voou, voou longe; buscou na lembrança os fatos, os motivos que o levaram, ainda jovem, com apenas 22 anos de idade, a sair da casa de seus pais, naquela pequena fazenda de uma cidade do interior de São Paulo e aventurar-se pelo mundo, vir parar aqui em Nova Xavantina, constituir família e viver às margens daquele que um dia foi o lendário Rio Manso ou das Mortes.

No mesmo local onde viveram os temíveis índios Xavante, na região da Serra do Roncador que naquele tempo era completamente desconhecida, mas que sobre ela muitos contavam histórias fantásticas, que sempre o intrigaram muito, e onde hoje ele curte as suas lembranças.

As coisas e os fatos iam se tornando claros à medida que voltava ao passado, àqueles dias que antecederam sua tomada de decisão, isso, por volta do ano de 1940, de partir para uma nova vida, em busca de um lugar novo onde pudesse encontrar a paz que ficara distante, perdida em algum lugar.

Lembrou-se da figura do pai, Seu Juvenal, vestido em uma capa de chuva, chapéu de abas sobre a cabeça, esporas nas botas, chibata na mão, junto à porta da casa, preparando-se para sair para o trabalho, na lida com o gado. Havia discutido pouco antes com ele, pois não se conformava, nos seus 19 anos, que a vida só lhe oferecesse aquela rotina de todas as manhãs, antes do sol nascer, ir ao curral, apartar a bezerrama, ordenhar as vacas, coar o leite e colocá-lo na porteira da fazenda para que o carro viesse apanhá-lo.

Isso não o satisfazia mesmo, e por causa disso brigava com o pai e com os irmãos. Apenas sua mãe, Dna. Clarinda, nesses momentos, se colocava ao seu lado, pedia calma e compreensão a todos da família. Ela sabia, embora eles pouco conversassem, que seu filho trilharia outros caminhos, longe de sua terra natal. Coração de mãe é coração de mãe.

Naquele tempo, quando ia à cidade, ouvia noticias de uma guerra no estrangeiro. O alvoroço era grande, mas ele pouco entendia do que estava acontecendo. Havia estudado um pouco com sua mãe na fazenda. Sabia ler e escrever, mas do resto do mundo tinha poucas informações.

A DECISÃO

Nas conversas de botequim ficou sabendo que vários países do exterior brigavam com a Alemanha, comandada por um tal de Hitler, que, segundo contavam, queria conquistar o mundo.

Mas esses fatos eram distantes. O que ele queria mesmo, era conseguir um trabalho na cidade, para poder sair de casa e tocar sua vida sozinho.

Foi procurar o dono do armazém. Numa conversa amiga, Seu Juca, como era conhecido, lhe propôs trabalhar como ajudante, visto que seu empregado, que já trabalhava com ele havia muitos anos, decidiu seguir para a capital, levando sua mulher, muito doente, para um tratamento Médico. Era o que João de Deus precisava para se lançar e começar vida nova. E com toda a vontade do mundo, foi trabalhar no armazém.

Não gosta nem de lembrar da choradeira que foi o dia da despedida. Mas ele estaria perto de casa. A cidade ficava apenas a meio dia a cavalo de sua casa. Poderia ir nos dias de folga, visitar seus pais.

Mal sabia ele que com aquela mudança, sua vida se transformaria por completo.

Já estava na cidade havia algum tempo. Passou a estudar à noite e foi se interessando pelos mais diversos tipos de leitura. Conheceu Maria Rosa, a filha do açougueiro. Passaram a se encontrar sempre que podiam. E nos dias de folga, dividia seu tempo entre a família e ela.

Essa situação, que no começo era boa, por causa dos efeitos da guerra mundial, começava a ficar complicada.

Com o seu salário, podia fazer cada vez menos, e o desejo de adquirir coisas que nunca teve, faziam com que voltasse a pensar em buscar uma outra situação melhor.

Toda essa conjuntura fez despertar seu coração aventureiro na busca de novas perspectivas.

Podia ouvir o rádio todos os dias e ler os jornais que chegavam da capital.

Agora, as noticias sobre a guerra distante, ficavam cada vez mais próximas.

O Brasil já havia entrado na guerra e o exército brasileiro lutando na Itália eram o assunto de todas as conversas. Não se lembra bem de como ficou sabendo, mas pelos idos do ano de 1942, teve noticias de que estavam organizando uma expedição desbravadora, que ia penetrar a região central do Brasil. Precisavam de homens fortes e valentes, que tivessem a disposição e coragem de enfrentar o perigo de terras desconhecidas. E foram exatamente essa noticia que despertaram nele, um eterno aventureiro, a possibilidade de encontrar o seu novo caminho.

Essa noticia, que ficou ruminando em sua cabeça, despertou seu interesse pelo novo, pela aventuras.

De dia não conseguia se concentrar em seu trabalho, e à noite não conseguia pregar o olho, imaginando-se em terras distantes e desconhecidas, mas que prometiam um grande futuro, uma vida nova para ele e sua querida Maria Rosa. Conversou bastante com ela sobre tudo que pensava. Desenhou o futuro, mas ela, com todo carinho que passou a ter por ele, tentava demovê-lo dessa idéia maluca de enfrentar o desconhecido. Para ela, o certo estava em João de Deus construir sua vida ali mesmo, onde era conhecido e onde conhecia a todos. Mas todo o esforço de Maria Rosa em fazê-lo desistir foi em vão.

A visão de uma nova perspectiva para sua vida e o espírito sonhador o levaram a buscar o contato com aqueles que eram responsáveis pelo recrutamento do pessoal para essa tal expedição.

EM BUSCA DO NOVO

E em um certo dia de julho de 1943, já com 22 anos de idade, reúne seus poucos pertences, despede-se de sua família, e depois de muitas juras de amor e fidelidade a Maria Rosa, parte rumo a capital de São Paulo, na boléia de um pequeno caminhão que fazia o transporte de gêneros alimentícios para seu patrão, em busca de seu futuro, ainda desconhecido.

Chegando a São Paulo, dirigiu-se direto para a rodoviária, onde comprou uma passagem para a cidade de Uberlândia. De lá, no dia seguinte dirigiu-se para a cidade de Caiapônia, passando por Rio Verde e de lá para a Barra Goiana. Chegando na cidade foi conduzido ao escritório do recrutamento e depois da entrevista preliminar foi aceito para fazer parte do grupo, ocupando a função Chefe da Turma que abriria a primeira picada na mata.

Seu trabalho, enquanto se ultimavam os preparativos, foi cuidar de adquirir e embalar as foices, machados, pás, marretas, martelos, picaretas, enxadas, facões, serrotes e muitas outras ferramentas que seriam utilizadas na abertura das picadas no sertão desconhecido.

Aos poucos ficou sabendo que essa expedição tinha o interesse direto do então Presidente Getúlio Vargas, e que havia uma ligação com a situação da guerra. O fato que ficou sabendo depois, é que os alemães, italianos e japoneses queriam ocupar as terras internacionais inexploradas e por isso atacaram o Brasil já no ano de 1942.

Essa expedição tinha como objetivo desbravar e ocupar as áreas do Brasil central que ainda eram desconhecidas e despovoadas.

Logo em seguida partiu para a cidade de Goiânia, juntamente com mais alguns companheiros que também fariam parte da expedição, em busca do material que ficava sob sua responsabilidade, ultimando assim os preparativos da Expedição Roncador-Xingu. Esse é o nome que foi dado pelo Coordenador da Mobilização Econômica Ministro João Alberto. Ele não sabia bem porque, mas com o tempo entendeu que esse nome estava ligado diretamente aos locais por onde ela deveria passar.

 

Se apresentou para os chefes da Expedição. Conheceu o Coronel Vanique, um homem sério, mas cheio de energia e determinação, que o recebeu bem e lhe explicou quais seriam as suas responsabilidades a partir daquele momento.


Coronel Vanique

Seu superior imediato era o senhor Francisco Brasileira que passou a admirá-lo desde o primeiro instante que o viu, e com quem manteria contato direto durante os trabalhos.

Lembra que teve alguma dificuldade para se acostumar com a rotina tipicamente militar imposta aos membros da expedição.

Não havia servido o Exercito e por isso não tinha a menor idéia de como as coisas deveriam funcionar. No acampamento o horário para cada uma das atividades era rígido, desde a alvorada, horário das refeições, até o toque de recolher. Mas mesmo assim, teve tempo de saber mais sobre a região que iriam desbravar.

Conheceu pessoas de várias regiões do Brasil, e percebeu por esses contatos, que não era só ele que buscava um mundo novo, um mundo melhor, um local onde pudesse encontrar a felicidade perdida nalgum tempo muito distante.

Contavam, nas rodas de conversa que se formavam, que a extensa Serra do Roncador era muito rica em minérios, principalmente em ouro e diamantes. Que muitos, desde os bandeirantes paulistas, lá pelos idos de 1750, tentaram alcançar essa serra onde estaria localizada a mina dos Martírios.

Outros falavam que a Serra dos Araés, às margens do Rio das Mortes, é que seria a lendária mina. O certo é que muitos tentaram e poucos conseguiram penetrar nessa região.

Havia ainda aqueles que diziam ter a serra esse nome de "Roncador", pelo fato de, à noite, ela parecer estar roncando como se fosse o motor de uma grande máquina trabalhando sem parar.

Diziam também que existia uma tribo de índios loiros de olhos azuis, completamente diferentes daqueles com os quais os homens brancos tinham contato. Falavam ainda do temível Xavante, um índio aguerrido que ocupava toda extensão de terras a partir da margem esquerda do Rio Araguaia e que esses índios estariam protegendo a rica Serra do Roncador da cobiça dos homens.

MISTÉRIOS DO RONCADOR

Mas a história mais interessante que ouviu foi a de um certo oficial do exército Inglês, com o nome de Coronel Fawcett que juntamente com seu filho e um médico que os acompanhava, havia desaparecido em algum lugar, próximo ao rio Tanguro, em busca de uma ciclópica cidade, nas fraldas da Serra do Roncador. Essa cidade seria do tempo da famosa Atlântida, conhecida com o nome de Eldorado e que seria o berço das civilizações dos Incas e Astecas. Segundo consta o Cel. Fawcett sabia existir entre o Tapajós e o Xingu, vestígios evidentes de uma esplendorosa civilização. Testemunhos encontrados em esculturas e inscrições em baixo relevo demonstravam evidentemente a existência dessa civilização. E na sua idéia fixa de encontrá-la, embrenhou-se pela mata a dentro, sem qualquer tipo de segurança, acreditando ter encontrado esse famoso Eldorado. O certo é que nunca mais se teve notícias dele e daqueles que o acompanhavam.

E todas essas histórias que certamente causavam espanto e até medo a muitos, só faziam aguçar o seu desejo de viver a aventura de conhecer essas terras ricas em lendas.

Teve oportunidade de conhecer a cidade de Goiânia, nova capital do Estado de Goiás, que vivia um intenso desenvolvimento, contando com todo o tipo de apoio das autoridades do governo federal no desejo de consolidar a ocupação do Centro-Oeste brasileiro. Falava-se até em transferir a capital, do Rio de Janeiro para um local qualquer próximo a esse com o qual estava tomando os primeiros contatos e que cada vez mais abrigava todos os seus sonhos de jovem.

E esses mesmos sonhos eram partilhados com outros colegas da expedição que falavam ser essa região a redenção do Brasil no futuro. Soube de uma profecia de Dom Bosco que fazia referências à região central da América do Sul onde "correria o leite e mel", numa referência figurada, prevendo muita fartura nesta região do Brasil.

Todos esses conhecimentos novos o fascinavam. E enquanto trabalhava nos preparativos, procurava novas informações com todos aqueles que de uma forma ou de outra pudessem lhe oferecer.

Os preparativos para iniciar a expedição haviam terminado, e em uma manhã do mês de agosto de 1943, a caravana parte rumo a pequena cidade na barra Goiana do Rio das Garças com o Rio Araguaia.

Quando todos já estavam em Aragarças, souberam que a Expedição ganhava uma dimensão maior, transformando-se na Fundação Brasil Central, da qual todos aqueles que dela estavam participando, eram funcionários efetivos.

O ânimo e a expectativa eram grandes, mas sobrava pouco tempo para pensar nessas coisas. Havia muito trabalho.

João de Deus ainda encontrava tempo, e escrevia para Maria Rosa, contando o que acontecia e prometendo todo seu amor, alentando as esperanças de sua querida de um dia voltar para buscá-la.

A EXPEDIÇÃO RONCADOR - XINGU

Em dezembro, lembra bem, no dia 3, ele, juntamente com seus homens começaram a longa caminhada, abrindo a picada em direção ao Rio das Mortes. Saíram de Barra do Garças, cada um com seu animal e todo o apetrecho necessário para embrenhar a mata. Nos primeiras dias tudo ia bem, mas depois de avançarem alguns quilômetros, a mata começa a ficar mais espessa e ao final de cada dia poucos metros eram vencidos.

 

Tropeiros de abastecimento da Expedição Roncador-Xingu
 

Além disso, com o período das chuvas em pleno, as dificuldades aumentavam por causa do calor e dos mosquitos, muitos mosquitos. Cada um se protegia como podia. Esses insetos eram verdadeiros guardiões da mata. Enfrentá-los deixava qualquer um fora da razão. A única maneira de se proteger deles, principalmente quando a tarde caía, era improvisar uma pequena tenda individual, feita desses panos de mosquiteiros, mas que mesmo assim, às vezes não eram respeitados.

Alguns de seus homens, houve dia, davam sinais evidentes de que não iriam agüentar. Mas, com o passar dos dias, e do apoio da retaguarda, as energias se renovavam.

João de Deus lembra que as dificuldades não o abalavam, pois a cada noite as lembranças reascendiam o amor por Maria Rosa e a possibilidade de tê-la com ele num lugar onde os dois pudessem viver felizes, o animavam muito.

A formação para penetrar nesse grande desconhecido era a seguinte. Geralmente iam dois ou três homens à frente com facões, abrindo caminho entre as folhagens e os cipós. Logo atrás, também uns quatro homens com foices, limpando melhor o que foi aberto pelos primeiros. Evitava-se derrubar grandes árvores, pois esse trabalho atrasava muito. Apenas nos pequenos igarapés ou córregos é que buscavam uns dois ou três troncos maiores para fazerem a ponte que serviria de passagem para as tropas que os abasteciam. Algumas vezes chegavam a campos de cerrado ralo. E quando isso acontecia, o trabalho do dia rendia muito. Outras vezes, principalmente perto dos córregos, a mata se tornava espessa, difícil de ser vencida.

Para essa turma da frente não perder o rumo, a estratégia adotada foi a seguinte: a cada dia, um avião Focker comandado pelo Major Basílio, fazia um reconhecimento aéreo da etapa a ser realizada no dia seguinte. Com isso, faziam-se as correções.

Quando já estavam a uns 50 quilômetros do marco zero, as informações sobre as correções a serem feitas no rumo, eram escritas em um bilhete que era atirado do avião, dentro de uma garrafa ou de uma lata pesada.

Com esse apoio, praticamente não houve desvios significativos de rota.

O VALE DOS SONHOS

Muitos fatos pitorescos envolveram essa etapa da viagem. Um deles foi quando ao alcançarem o bico da Serra Azul, depois de terem aberto uma pista de pouso, precária ainda, e montado um pequeno acampamento, o Major Basílio fez um pouso no acampamento, e como já era tarde, ele ficou para passar a noite.

Naquela madrugada, o Major acordou todo o acampamento, aos berros. Todos levaram um grande susto. Foi um tal de pegar em armas, imaginando-se invasão de índios ou presença de onça no pátio. Muitas coisas passaram pela cabeça de todos. Mas na realidade o Major, que abusou da feijoada no jantar, havia tido um grande pesadelo.

Por causa desse acontecimento, os expedicionários passaram a se referir àquele acampamento, como o acampamento do Vale dos Sonhos.

Conforme os dias passavam e a coluna avançava, as dificuldades aumentavam, pois com a chuva enchendo os córregos, a tropa que fazia o abastecimento demorava cada vez mais para retornar com os novos mantimentos. O avião já não podia chegar até eles por dificuldades de abastecimento, e os homens de seu grupo, quando a dispensa ficava vazia, começavam a achar que não daria mais para continuar. A pesca tinha se tornado impossível, e a caça, que no começo era muita, começou a faltar. Mas, apesar do mau tempo e das adversidades, já estavam se aproximando do Rio das Mortes. Quando fizeram a travessia do córrego do Pindaíba, tiveram certeza disso.

Isso já no final de janeiro de 1944. Foi quando tiveram a primeira vítima fatal. O companheiro Zacarias da Silva Barros teve um ataque de coração e veio a falecer ali mesmo na frente de trabalho. O acontecimento deixou todos muito abalados. Mas como todos sabiam que a fatalidade poderia atingir a qualquer um deles, e esse não tinha sido nenhum acidente de trabalho, fizeram o enterro dele às margens de um córrego que todos passaram a denominar de ribeirão Zacarias, numa última e singela homenagem ao colega.

A CHEGADA AO RIO DAS MORTES

João de Deus lembra-se bem do dia em que avistaram pela primeira vez as águas do Rio das Mortes. Foi no dia 28 de fevereiro do ano de 1944.

Alguns de seus homens subiram num pau de óleo para tentar avistar o rio, e depois foi aquela gritaria e muitos tiros. Haviam alcançado o tão sonhado rio.

Aquela tarde foi de descanso e namora das águas do Mortes. Esse rio, afluente do Araguaia, era o primeiro ponto a ser alcançado pela expedição. Mas como havia necessidade de que o avião pousasse logo, a maior parte dos homens foram destacados para preparar a pista de pouso. Enquanto isso, alguns cuidavam de construir as primeiras casas do acampamento principal.

Expedição Roncador-Xingu - chegada ao Rio das Mortes

Rio das Mortes


Nessa época, quando mais homens chegavam ao acampamento, havia mais tempo para os do primeiro grupo descansarem. E João de Deus lembra de ter colocado sua correspondência em dia e de ter realizado grandes passeios e feito boas pescarias no Mortes.

Na primeira oportunidade que um barco saiu em exploração do rio, ele foi um dos primeiros voluntários. Dessa viagem tem imagens vivas até hoje na lembrança.

PRIMEIRA VIAGEM PELO RIO DAS MORTES

Era uma manhã dos primeiros dias de Abril daquele ano de 44. Ele e mais 4 homens em uma canoa a motor, abastecidos com muito combustível, iniciaram uma descida de exploração.

Conforme desciam, as imagens de uma terra inexplorada, totalmente desconhecida, virgem, recebia o grupo de bravos bandeirantes modernos, oferecendo imagens que poucos nesta terra de Deus tiveram oportunidade de por os olhos. Não haviam muitas praias, que depois saberia que existiam, pois o rio naquela época do ano ainda estava cheio. Mas a revoada das garças, dos marrecos, das araras, os mutuns, jaós, pombas, codornas e gordas perdizes, os cantos das mais variadas aves, as quais João de Deus nunca imaginou ouvir, estavam ali, bem a sua frente, ao seu alcance. E nas barrancas, ao entardecer, a quantidade de veados, capivaras e tantos outros animais que ele nunca ouvira falar. Tudo isso era fascinante para os olhos daquele, que vindo do interior de São Paulo, tinha sob seu domínio, um espetáculo invejável a qualquer ser humano.

É certo que no final do dia, na boca da noite, o ataque dos insetos era quase insuportável. Mas João de Deus já tinha se habituado e encontrado uma forma singular de se defender deles, amarrando um pano ao redor da cabeça, como se fosse uma recatada senhora árabe.

Nos córregos que exploraram naquela altura, encontraram alguns jacarés e cruzaram com sucuris. Encontraram algumas lagoas ricas em peixes. Era lançar o anzol com boa isca que se pescava uma boa refeição.

Ficou conhecendo os peixes desta região, em especial os pirarucus, conhecidos como o "bacalhau brasileiro". Mas conheceu também a temível piranha, que tantos males causaram a alguns colegas seus. Era impressionante a quantidade desse peixe, principalmente nos pequenos afluentes do Mortes. Nesse primeiro passeio, não foram muito longe. Depois de uns três dias retornaram.

Fazem exatamente 50 anos que se passaram esses fatos. E naqueles dias que se seguiram João de Deus alentava cada vez mais o desejo de rever sua querida Maria Rosa.

Pelas cartas que recebera dela, ficou sabendo de um triste fato que muito lhe abalou.

Foi a morte súbita de seu pai em um acidente não muito bem explicado.

O fato é que ele aqui neste ''fim de mundo", enfrentando todo tipo de perigos continuava vivo, e seu pai vivendo a rotina da fazenda, não sobrevive a um acidente.

Considerou coisa do destino. E teve muito apoio de todos os companheiros de expedição.

Foi nesse tempo que colocou na cabeça que traria Maria Rosa para junto de si. Depois de pensar bastante, comunicou à sua amada os seus planos.

O DIA DA FUNDAÇÃO

Foi no dia 14 de abril de 1944, quando todos perfilados, hastearam a bandeira e cantaram o hino nacional lançando definitivamente o marco número um da Expedição, a Vila de Xavantina. Depois daquele dia, a pequena vila estava crescendo a olhos vistos.

 

Rancho base da Expedição Roncador-Xingu em Xavantina

Naquela altura, a descoberta de minas de barro muito bom para a confecção de tijolos e telhas, próximo do local escolhido para se fazer o campo de pouso de aviões, concorreu para ali ser construída uma olaria que iria fornecer o material necessária para a construção de casas de alvenaria.

Enquanto alguns homens eram destacados para esse serviço, outros completavam a construção da pista de pouso que demorou mais ou menos um ano para ficar totalmente pronta.

Primeiro pouso de avião em Xavantina.

As casas, o ambulatório, o almoxarifado onde trabalhava, e tantas outras construções em torno de uma praça, onde hoje é a Xavantina Velha, ganhavam aspecto de uma pequena cidade.

 

A primeira casa de alvenaria a ser construída foi a casa da chefia, residência oficial do chefe da expedição.

 

Expedição Roncador-Xingu - primeira casa.

A mesma casa nos dias de hoje.


Marco da fundação de Xavantina, erigido pela Sociedade Brasileira de Eubiose.


Placa comemorativa da fundação de Xavantina.
"Neste local, aos 14 dias do mês de abril de 1944, foi fundada a Vila de Xavantina pela Expedição Roncador-Xingu"

João de Deus lembra que no mês de maio de 1944, dia em que todos descansavam, no barracão que era destinado aos homens da expedição, o colega Armando Ferreira, ao fazer a limpeza em sua Winchester, calibre 44, dispara acidentalmente um tiro que pega o companheiro Benedito Massoni, seu colega, do qual tinha se tornado grande amigo, talvez por viverem os mesmos sonhos de encontrar aqui um futuro mais promissor. Tombava naquele momento o primeiro pioneiro em terras de Xavantina.

Mas esse episódio, bem como o do Zacarias não conseguiram apagar de seu coração o desejo ardente de se firmar aqui.

João de Deus ficava imaginando todo aquele cerrado sendo ocupado por pessoas como ele.

A cada dia se entusiasmava mais. Um dia procurou o Coronel Vanique e comunicou seu desejo de trazer Maria Rosa. Foi quando ficou sabendo que não só ele, como também muitos outros trariam suas esposas e famílias para viverem aqui como o próprio chefe já o havia feito. Pediu que o Coronel marcasse um pedaço de terra para que ele pudesse construir sua casa. E esse pedaço de chão, onde mora hoje, é aquele mesmo que foi marcado e separado para receber sua casa. Num ponto privilegiado, com vista para o grande rio, na parte de cima do barranco, próximo ao núcleo residencial que surgia.

Agarrou-se a essa oportunidade como ninguém. Tratou de iniciar a construção de uma pequena casa de cinco peças para poder abrigar sua futura família.

Umas três vezes por semana, ao final do expediente, com uma pequena carroça, dirigia-se para a olaria onde retirava os tijolos necessários para a construção de sua casa. O mesmo faziam mais dois colegas seus que pretendiam trazer logo suas companheiras para junto deles.

Nesse meio tempo, o Coronel Vanique havia trazido sua esposa Dna. Alda, para viver aqui. Todos estavam entusiasmados em trazer também as suas esposas. Mas com o falecimento de Dna. Alda, que se suicidara depois de passar um período em depressão, foi como uma ducha de água fria em todos. Esse fato provocou o afastamento do Coronel Vanique da chefia da Expedição. Em seu lugar ficou o senhor Orlando Vilas Boas, que passou a ser chefe da Expedição, do posto da Vila de Xavantina e responsável pelo prosseguimento da penetração para além do Rio das Mortes.

João de Deus não deixou-se abater. Continuou, como sempre, obstinado com a idéia de trazer Maria Rosa.

Ocupava todo seu tempo disponível em levantar a sua casa, com ajuda dos colegas.

Rapidamente o dia de voltar à casa de seus pais havia chegado.

Era o começo do ano de 1945. Pegou seu salário, mais um adiantamento para as despesas extras e colocou pé na estrada.

A VOLTA PARA CASA

A viagem até a capital de São Paulo foi feita de avião. Foi bem diferente de sua vinda. Bastou entrar nele, e em algumas horas já estava na capital paulista. De lá, até sua terra natal, foram apenas mais algumas horas de viagem.

Lembra-se da emoção que tomou conta tanto dele como de sua amada, quando chegou na casa dela.

Todos da família queriam saber sobre seu trabalho e suas aventuras desbravando uma região tão desconhecida. Através da imprensa sabiam alguma coisa do que estava acontecendo. As cartas que ele mandou, não falavam muito e deixavam todos ainda mais curiosos sobre tudo o que se passava.

Depois de fazer um extenso relatório de suas aventuras, dirigiu-se ao pai de Maria Rosa e comunicou seu desejo de tê-la como sua companheira e de levá-la para o Mato Grosso. Foi nessa conversa que resolveram organizar o casamento. Seria uma cerimônia simples e feita o mais rápido possível pois ele deveria voltar logo para auxiliar na segunda fase de penetração da expedição.

Foi também uma alegria para todos seus familiares quando chegou. Era como se algo de muito fantástico estivesse acontecendo. Todos choraram muito. Mas lembra-se em especial de sua mãe que, apesar de chorar muito, mostrava claramente estar muito feliz em rever o filho, demonstrando estar confiante de que o futuro que o aguardava era bom, não só para ele como para todos.

Ficou sabendo detalhes sobre o acidente que vitimara seu pai, quando ele estava fechando um gado no curral. Uma vaca recém criada, comprada há pouco, que ainda não havia se habituado com seu Juvenal, investiu contra ele, e por um acaso do destino, ao cair, seu Juvenal bateu com a cabeça em uma quina do curral e ali mesmo morreu. Mas tudo isso já estava distante e logo ele reuniu seus irmãos e comunicou a todos seu projeto.

E os dias que se seguiram foram todos ocupados com os preparativos do casamento, que se realizaria na capela da cidade.

João de Deus ficava entre a fazenda e a cidade. Organizando tudo para sua viagem de volta ao Rio das Mortes, agora, acompanhado daquela que escolheu como companheira. O dia do casamento chega.

É um sábado do mês de maio.

Embora tenha sido uma cerimônia simples, o fato é que a cerimônia passa a ser o acontecimento do dia. Todos da cidade queriam de alguma forma participar.

Continua



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