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Em nenhuma outra cidade brasileira encontram-se registros tão profundos e abrangentes de uma cronologia histórica do patrimônio edificado urbano como na cidade do Salvador, desde os primórdios da colonização brasileira até as suas contemporâneas manifestações. Nascida cidade - fortaleza (1549) e cercada por uma paliçada, Salvador, viveu seus primeiros momentos sob a égide de uma arquitetura de taipa e palha, ainda tão em voga na sua periferia, paralelamente ao processo de desenvolvimento urbano.
Vista do Morro Ipiranga Seus primeiros edifícios, públicos e privados, religiosos ou profanos, de moradia ou de comércio, foram singelos, desprovidos de apuro arquitetônico e sentido de perenidade. Notadamente, bem como o Paço dos Governadores e a Casa da Câmara e Cadeia, foram produto do barro moldado, da taipa de mão e de pilão, do teto de palha, tão distantes da monumental cantaria portuguesa, d´além-mar. A cal, resultante da queima de crustáceos na Ilha de Itaparica, a partir de 1551; o arenito proveniente de Boipeba; o lioz português que servia de lastro nas embarcações e a madeira-de-lei da Mata Atlântica atualmente quase exinta foram conquistando, pouco a pouco, os canteiros de obras que se multiplicavam na construção da metrópole.
Desse primeiro encontro restam, além dos registros históricos, o traçado urbano da cidadela do mestre de cantaria Luís Dias, arquiteto-mor desta soterópolis, com a sua malha viária reticulada e confinada e a Praça do Palácio ou dos Mercadores, onde se implantou o primeiro guindaste condutor de mercadorias entre o porto e a cidade-alta. Iconografias e relatos nos dão conta da precariedade dos edifícios, públicos e privados, só superada após as sucessivas tentativas de invasão da cidade por parte dos holandeses (1599-1649), quando a estabilidade política e a prosperidade econômica permitiram o desenvolvimento de um padrão arquitetônico monumental, português por excelência, com a importação de projetos, mão-de-obra e materiais necessários ao vultoso empreendimento.
A arquitetura militar foi a primeira a se beneficiar da conjuntura político-econômica do século XVII, com a ampliação das fortalezas existentes e a construção de novas, a exemplo do Forte de São Marcelo, no porto da cidade, sobre um banco de areia emergente da maré baixa e dos Fortes de Santa Maria e São Diogo, na defesa do então vulnerável Porto da Barra.
Os Fortes de Santo Antônio da Barra, São Felipe (Monte Serrat) e Santo Alberto completavam o cerco à cidade, sob a mira das baterias e baluartes da sua muralha e do seu porto. A arquitetura religiosa ganhou em requinte e monumentalidade na 2ª metade do século XVII. As ordens religiosas aqui instaladas no século XVI foram Jesuítas (1549), Beneditinos (1585), Carmelitas (1586) e Franciscanos (1587). A Santa Casa de Misericórdia e o Clero Secular (Arquidiocese Primaz, 1551), por sua vez, construíram novas sedes ou ampliaram as suas primitivas, adaptando-se à nova configuração conjuntural. O Sr Macário de São João foi o autor de inúmeros projetos, os mais expressivos do seu tempo, Hospital da Santa Casa de Misericórdia, além da Casa de Câmara e Cadeia.
A cantaria, local e portuguesa, arrematam as caixas murais, nos seus contornos mais elaborados: portadas, cercaduras, cunhais, beirais, frisos, frontões, bacias, pináculos, soleiras, colunas ou mesmo a ensilharia.
A arquitetura civil de função pública teve os seus melhores exemplos na Casa da Câmara e Cadeia (1660), no Paço dos Governadores (1663), na sede da alfândega (cidade-alta), nos prédios assobradados com amplos salões - onde o mobiliário luso-brasileiro começava a apresentar sinais de uma prosperidade precursora do seu apogeu no século XVIII. Os solares, residências senhoriais, mostravam o seu vigor no panorama urbano, tendo a "loja", no plano térreo, e o pavimento "nobre" superior conectados por imponente saguão e escadaria. São vários os exemplos deste período, com pátio central, azulejos portugueses no seu interior, forros em caixotões, portas almofadadas, janelas com postigo, sacadas com os muxarabies, beirais encornijados (tipo "beira-soleira" ou encachorrados), portadas em cantaria, brasonadas ou dotadas, sobrelojas ou entressolhos, alcovas, chaminés, cocheiras e capelas particulares.
Dentre eles, destacam-se o Solar Brequó, a Casa das Sete Mortes, o Solar do Ferrão, o Solar São Damaso, o Paço do Saldanha, a casa natal de Gregório de Mattos, além de dois sobrados na esquina do Cruzeiro de São Francisco.
Este período configurou uma imagem urbana com exponência monumental, entremeada pela singeleza de uma arquitetura vernacular, distribuída em lotes urbanos estreitos, ao longo de becos e ladeiras
O século XVIII foi o século do ouro, do apogeu econômico, do barroco e do rococó do Vice-Reinado (1714), da expulsão dos Jesuítas (1759) e da mudança da capital para o Rio de Janeiro (1763).
Salvador transformou-se no maior porto do Atlântico Sul e na segunda maior cidade do Império Português (antes eram Lisboa e Goa). Freguesias foram criadas e a cidade extrapolou os limites da sua muralha e, conseqüentemente, da mancha matriz, ampliando o seu território pelas colinas adjacentes ao
Norte (Carmo e Santo Antônio), ao Sul (São Bento, São Pedro, Piedade, São Raimundo, Mercês) e a leste do Rio da Vala (Palma, Lapa, Desterro, Santana, Saúde), além do seu porto, estendendo-se da Preguiça à Jequitaia e da península de Itapagipe (Boa Viagem, Bonfim, Penha).
Nunca se construiu tanta igreja (capelas, matrizes, irmandades seculares e de ordens 2ª e 3ª), uma barrocada de luxuria e ostenção de religiosos católicos. O barroco dominou o cenário religioso baiano, pródigo em entalhes dourados, ouro, prataria, ourivesaria, pintura, azulejaria, cantaria, transformando a cidade do Salvador em importante e qualificado canteiro de obras, que atraía mão-de-obra especializada portuguesa e formava "escolas" de artífices.
A arquitetura militar ganhou novo plano de defesa baseado na arquitetura de Vaubainne, introduzido pelo arquiteto militar francês Jean Massé (1714-1720), quando foram reformados e reequipados os fortes existentes e construídos novos, estabelecendo-se, desta forma, um sistema articulado e amplo para a defesa do novo território.
O extremo sul da cidade foi guarnecido pelas baterias dos fortes de São Pedro, Aflitos e São Paulo da Gamboa; o extremo norte, pelas baterias dos Fortes de Santo Antônio (Além do Carmo) e N. S. do Carmo (Barbalho) e, a defesa da cidade, como um todo, pela bateria do Quartel Central (Mouraria) complementada pelo apoio da Casa da Pólvora (no atual Campo da Pólvora). As antigas fortalezas completavam o sistema de defesa de Salvador, eficiente e bem equipado. A arquitetura civil acompanhou os ditames do século com requinte e ostentação. Os lotes continuavam estreitos (casas geminadas) e profundos (grandes quintais), assim como as ruas (casas nas testadas nos lotes).
Predominava o partido assobradado, com loja, saguão com escadaria monumental - às vezes externa (Solar Conde dos Arcos-Garcia) -, sacadas, sótão, beirais e modenaturas ricamente trabalhadas. O vidro só vai ser introduzido nas esquadrias no último quartel do século XVIII, em substituição aos muxarabies que predominaram até o início do século XIX.
O mobiliário apresentava-se requintado, em madeira-de-lei (jacarandá e vinhático) e de influência lusitana. Os serviços domésticos dependiam diretamente do trabalho escravo, não havendo infra-estrutura sanitária. As famílias eram numerosas e pródigas em agregados e a vida social girava em torno das celebrações e compromissos religiosos. A cidade era insalubre, com a maioria das ruas sem pavimentação, deslizamento de terra nas encostas, hortas plantadas nos vales onde eram despejados os dejetos urbanos, sem transporte público, com a predominância dos negros nas ruas, palco para punições (pelourinho e forca) e manifestações lúdicas. O comércio era próspero (importações e exportações) e a Baía de Todos os Santos, pontilhada de embarcações a vela (naus e saveiros), com o porto em franca expansão (aterros para construção dos trapiches).
A configuração do centro histórico de Salvador (que, em grande parte, data desse século) confere à cidade uma atmosfera barroca, com destaque para a arquitetura religiosa, cujas torres sineiras marcam as freguesias e bairros da cidade, sendo os seus mais relevantes pontos de referência urbana.
O século XIX foi revolucionário e transformador. Revolucionário no campo das idéias e transformador do ponto de vista social e urbano. Os reflexos da Revolução dos Alfaiates (1798), a chegada da família real (1808), a abertura dos portos (1808), a assinatura do 1º tratado de comércio com a Inglaterra (1810), a criação do Colégio Médico-Cirúrgico da Bahia (1810), a independência do Brasil (1822), a independência da Bahia (1823), a Revolta dos Malês (1835), a fundação da primeira casa bancária (1834), o gradativo processo de industrialização, a gradativa abolição da escravatura e a Lei Áurea (1888), a crise econômica que se abateu em função da seca (1870-1877), a gradativa separação Igreja/Estado (1873-1891), a implantação de serviços públicos (a partir de 1850) e a Proclamação da República (1889) foram fatores fundamentais na transformação do panorama urbano da cidade do Salvador ao longo do século XIX.
A cidade importou costumes, produtos, mão-de-obra e idéias. Os novos lotes urbanos tiveram seu padrão ampliado; a casa passou a ser construída isolada do vizinho e recuada em relação à rua. Surgiu o padrão de porão alto, acesso lateral, platibanda com acrotérios, revestimento de azulejos nas fachadas, vidros nas esquadrias, instalações sanitárias (externas ao corpo da casa) e o estilo neo-clássico, como o estilo oficial do Império, após a Missão Artística
Francesa de 1816. Novos bairros surgiram: Campo Grande, Canela, Garcia, Vitória, Graça, arrabalde da Barra, Nazaré, Lapinha, Liberdade, Calçada, Ribeira, Caminho de Areia, Plataforma, Brotas, Matatu, Baixa dos Sapateiros, Sete Portas e as ampliações do porto com sucessivas aterros.
Nesta época, surgiram a licença para a implantação de indústrias (1810); a fundação da Praça do Comércio (1811) - depois transformada em Associação Comercial da Bahia (1840) -; a inauguração do 1º trecho da linha férrea (1860); o serviço regular de transportes urbanos; gôndolas (1862); o bonde de burro (1866); o bonde a vapor (1869); o bonde elétrico (1897); a inauguração do
Parafuso da Conceição, do atual Elevador Lacerda (1873), do Plano Inclinado Gonçalves (1874) e do Elevador do Taboão (1895); o sistema de abastecimento de água através dos chafarizes da Companhia do Queimado (1853-1857), o sistema de iluminação pública com lampiões (1829), o gasômetro da Calçada para iluminação pública a gás carbônico (1862), a iluminação elétrica (1885), o serviço de telegrama da Western Telegraph Company (1871),
o serviço telefônico em Salvador (1883), o serviço de limpeza urbana municipal (1867), o serviço do Corpo de Bombeiros (1894) e o serviço de guardas municipais permanentes (1834); a construção da ladeira da Montanha (1881), da rua da Vala e da atual Baixa dos Sapateiros (1851); a inauguração dos Teatros São João (1812), São Pedro de Alcântara (1832) e Politeama Bahiano (1886); a criação da 1ª typographia (1811); a fundação do "Jornal Idade D´Ouro" e publicação da Revista
"As Variedades" (1812); a construção dos cemitérios (1836-1851); a criação dos asilos, orfanatos, hospícios e hospitais; a criação do Liceu Provincial da Bahia - atual Colégio da Bahia (1836) - , e do Imperial Liceu de Artes e Ofícios (1872); a fundação da Academia de Belas Artes (1877), da Faculdade de Direito da Bahia (1891), da Escola Politécnica da Bahia (1897), da Empresa de Navegação Bahiana (1836) e do Gabinete Português de Leitura da Bahia (1863); a inauguração da Penitenciária da Conceição (1863); a criação da Faculdade de Medicina da Bahia (1832); a inauguração do fórum (1863); o aterro do Campo Grande (1851-1856); a inauguração do Passeio Público (1812); o fim do pelourinho (1835); e a inauguração do Monumento ao Dois de Julho (1895).
A sede da Associação Comercial da Bahia, inaugurada em 1816, representou um marco no padrão arquitetônico da cidade, introduzindo o estilo neo-clássico.
O arquiteto português Cosme Damião da Cunha Fidié inspirou-se na obra do arquiteto inglês Robert Adams, numa celebração de "colônia comercial" à grande potência econômica de então (responsável pelo processo de abertura dos portos do Brasil pela pressão que exerceu sobre Portugal).
Com a chegada da Missão Artística Francesa em 1816 ao Rio de Janeiro, sob a liderança de Grand Jean de Montigny, o Brasil e, em particular, a Bahia, adotaram o estilo neo-clássico como linguagem oficial da arquitetura urbana e rural do século XIX.
Pastiches e regionalismos proliferaram, conferindo um ar todo brasileiro a essa linguagem universal. Em Salvador, os edifícios públicos e privados, bem como os religiosos, trataram de substituir sua aparência barroca pela "elegante e internacional" postura diante de um novo conceito de viver urbano: laico, internacional, palco de uma burguesia ascendente e dinâmico no seu processo transformador. A cidade do Salvador reúne um rico e vasto acervo desse período, quando a sua população cresceu de 45 mil para 180 mil habitantes, aproximadamente, no decorrer do século, ocupando as cumeadas radiais ao centro histórico, ao longo do século XVIII.
Em 1887, uma reforma conduzida pelo arquiteto Francisco de Azevedo Caminhoá, conferiu à Casa de Câmara e Cadeia (1660) uma nova fachada, neo-clássica, ornada por modenaturas, acrotérios e gradis de ferro. Em 1890, foi demolido o Paço dos Governadores (1663) para a construção de um novo palácio, também em estilo neo-clássico, inaugurado em 1900.
Estes novos edifícios públicos completaram o cenário proposto para a Praça do Palácio, cujo "aformoseamento" foi realizado entre 1874-1878 com a demolição da Casa da Moeda e mais quatro propriedades particulares e a instalação da gradaria de ferro com 19 estátuas alegóricas de mármore, candelabros para iluminação público e calçamento de paralelepípedos, compatível ao recém-inaugurado Parafuso da Conceição (1873) - para cuja construção também foi demolida a antiga Casa do Tribunal da Relação da Bahia (1871), com passadiço ligando ao Palácio do Governo, desde a sua construção em finais do século XVII. A Praça do Palácio representou, ao final do século XIX, o paradigma de modernidade e embelezamento urbano na cidade do Salvador. Referencias Biblioteca publica Ache Tudo e Região Não estamos sozinhos, é vital dividirmos espaço com outras criaturas ou seremos também eliminados do planeta. Proteger as árvores, os animais, rios e mares são dever cívico de cada cidadão. Seremos todos responsabilizados, pelo mal que estamos fazendo a natureza. Conheça o Ache Tudo e Região o portal de todos Brasileiros. Cultive o hábito de ler, temos diversidade de informações úteis ao seu dispor. Seja bem vindo, gostamos de suas críticas e sugestões, elas nos ajudam a melhorar a cada ano.
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