Um dos maiores debates da Paleontologia
atual refere-se aos hábitos alimentares do Tyrannosaurus rex, o
mais famoso de todos os dinossauros já descobertos.
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Quando foi descoberto o T.rex espantou os
especialistas da época. Seu tamanho avantajado, suas mandíbulas gigantescas e
seus dentes como punhais faziam desse animal uma visão impressionante. |
A primeira imagem que passou para os paleontólogos foi a de um animal poderoso,
feroz e implacável, capaz de matar qualquer coisa viva que cruzasse seu
caminho. Todos o temiam menos (um) o
Nanotirano.
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O problema é que a ciência não pode
deixar-se levar por impressões. Até então não havia nenhuma prova científica
conclusiva que comprovasse que o tiranossauro era um predador. Ainda sim, a
imagem do vilão pré-histórico perdurou por décadas. |
Filmes, desenhos, em todos os lugares os
tiranossauros eram ferozes e cruéis dinossauros sempre prontos a liquidar uma
vítima indefesa.
Mas havia um homem que começava a duvidar
dessa imagem. Um paleontólogo norte-americano que começou a questionar a imagem
de "bad-boy" do tiranossauro. Esse homem era Jack Horner.
Horner já ficara famoso dentro da
Paleontologia graças a suas descobertas e seus estudos dos ninhos e do
comportamento maternal do Maiasaura, um dinossauro bico-de-pato do
final do Cretáceo. Mas agora ele pretendia ir à fundo no caso do tiranossauro.
Horner não acreditava em impressões e decidiu fazer ciência de verdade,
procurando provas reais e não simplesmente aceitando uma idéia imposta pela
aparência.
Depois de algum tempo de pesquisa Horner
trouxe uma nova idéia que chocou a comunidade científica: ele acreditava ter
encontrado provas de que o tiranossauro não era um predador, mas um necrófago,
um carniceiro, tal como abutres e urubus, só que bem maior.
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A maioria dos especialistas rejeita suas
idéias. Para comprovarem a teoria do tiranossauro como predador eles também
começaram uma verdadeira corrida para encontrar provas que contrariem as de
Horner. |
Hoje existe um grande debate, onde os dois
lados apresentam idéias bem fortes, o que equilibra o jogo. A seguir tentarei
resumir alguns dos pontos nos quais Horner baseia suas idéias e, logo ao lado,
as provas que podem não validar os mesmos:
Sobre os membros
dianteiros...
O que Horner diz:
O tiranossauro tinha braços muito curtos e
fracos, incapazes até mesmo de se tocarem um ao outro. Eram praticamente
inúteis. Sem ter braços fortes o tiranossauro seria incapaz de apanhar uma presa
ou segurá-la durante uma luta. Sem poder segurar o tiranossauro seria incapaz de
caçar.
O que dizem seus opositores:
O tiranossauro realmente tinha braços bem
pequenos que, provavelmente, eram vestígios quase inúteis. Mas mesmo que não
pudesse agarrar com eles o tiranossauro poderia usar suas mandíbulas poderosas.
Estudos demonstraram que o tiranossauro tinha uma mandíbula 3 vezes mais potente
que a dos grandes crocodilos e tubarões-brancos. Além disso seus dentes eram
especialmente desenhados para segurar firme. O pescoço curto e robusto era
também útil para resistir à grandes pressões. Tendo uma cabeça e um pescoço
preparados para resistir ao estresse de uma presa em luta o tiranossauro não
precisaria de seus braços. Hoje podemos observar essa situação em aves de rapina
e crocodilos.
Sobre a
capacidade de correr...
O que Horner diz:
O tiranossauro tinha costelas frágeis que
poderiam se partir com facilidade. Se um desses enormes animais, que poderia
pesar até 7 toneladas estivesse correndo e, de repente tropeçasse, o tombo
acabaria por provocar fraturas letais no tiranossauro, levando à morte. Assim o
tiranossauro não poderia se arriscar. Ele provavelmente não corria.
O que dizem seus opositores:
Fraturas podem acontecer com qualquer
animal de qualquer tamanho, mesmo numa queda ou num tombo. Cavalos e veados
podem fraturar uma perna com facilidade. Nem por isso deixam de ser corredores
incríveis. O tiranossauro, sendo bem mais pesado, também tinha seus riscos, mas
isso não poderia ser fator que o impedisse de correr.
Sobre a
velocidade...
O que Horner diz:
Os membros traseiros do tiranossauro
apresentam particularidades que levam a crer que ele era incapaz de correr. Os
ossos da canela e da coxa são praticamente do mesmo tamanho, o que difere da
maioria dos animais velocistas que apresentam ossos da canela levemente maiores
que os da coxa. O tiranossauro provavelmente era um animal adaptado para andar
por grandes distâncias, mas não para correr. Mesmo que corresse é provável que
não fosse muito veloz.
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O que dizem seus opositores:
A anatomia de um animal pode trazer
grandes pistas sobre sua agilidade. Mas a maneira mais confiável de se
estabelecer a que velocidade um animal poderia andar ou correr é estudando suas
pegadas. A partir delas um especialista pode determinar com mais precisão a
velocidade real com a qual o animal se movia.
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Durante anos nunca se soube de uma
pegada de tiranossauro. Por isso sua velocidade era apenas estimada, baseando-se
em terópodes menores. Nos anos 90 foi descoberta a primeira trilha de pegadas de
tiranossauro e a partir delas pôde-se estabelecer a velocidade real do animal
como tendo cerca de 15 km/h andando e 37 a 44 km/h correndo, o que é bastante
bom para um animal terrestre. Sendo assim fica confirmado que o tiranossauro
podia correr, e muito.
Sobre o olfato...
O que Horner diz:
Estudos internos utilizando tomografia
computadorizada demonstraram que o cérebro do tiranossauro apresentava um enorme
bulbo olfativo. Também mostraram que a cavidade olfativa do tiranossauro era a
maior entre todas as criaturas fósseis, em proporção ao tamanho da cabeça. Esses
dados indicam que o tiranossauro tinha um sentido de olfato excepcional, sendo
talvez o mais importante de todos.Tendo um olfato tão bom é provável que o T.rex
pudesse sentir odores à quilômetros de distância. Essa capacidade permitia ao
animal detectar carcaças muito distantes. É mais um indício de que ele, na
realidade, era um carniceiro.
O que dizem seus opositores:
Realmente o tiranossauro tinha um dos
melhores olfatos de todos os tempos. Mas não são só os carniceiros que possuem
bom olfato. Predadores também são munidos dessa capacidade, que pode ser de
extrema importância para a detecção de presas potenciais.
Sobre a visão...
O que Horner diz:
Ao estudar o cérebro do tiranossauro
Horner acredita que a região correspondente à visão era pequena demais. Para ele
essa é uma prova de que o tiranossauro não tinha uma boa visão. Sem uma boa
visão o tiranossauro teria dificuldade de conseguir caçar.
O que dizem seus opositores:
Muitos contestam as análises de Horner.
Eles não consideram o tamanho do lóbulo ocular como indício único de acuidade
visual. Eles lembram que o tiranossauro apresentava uma característica bastante
interessante que está relacionada com a posição dos olhos. No T.rex os olhos são
quase que totalmente frontais. Essa característica proporciona a chamada "visão
estereoscópica", que permitia ao animal ter uma excelente noção de profundidade,
distância e volume.
Apesar de não indicar diretamente a acuidade visual, a visão
estereoscópica nos dias de hoje está presente em animais cuja visão é muito
aguçada, como aves de rapina e felinos. A visão estereoscópica é característica
rara entre os animais e está presente em apenas dois tipos: predadores de e
animais arborícolas. No primeiro caso ela é importante para calcular melhor um
ataque.
No segundo é primordial para se calcular um salto de um galho para o
outro ou mesmo uma acrobacia, evitando uma queda iminente. O T.rex provavelmente
não era arborícola. Sendo assim o motivo de apresentar tal tipo de visão seria o
de ser um predador de em seu ecossistema.
Ainda sim, mesmo que sua visão
não fosse das melhores não estaria descartado como predador. A visão pode ser
uma ferramenta muito útil para um predador, mas não é a única. Crocodilos,
serpentes, sapos, algumas espécies de morcegos, botos, etc... não possuem uma
visão muito eficiente, mas são excelentes predadores. Esses animais
desenvolveram outros sentidos que suprem a carência de boa visão. Mesmo que não
enxergasse bem, o tiranossauro, com seu olfato e outros sentidos poderia suprir
essa necessidade.
Sobre as provas
fósseis...
O que Horner diz:
Já foram encontrados coprólitos (fezes
fossilizadas) de tiranossauro com restos de ossos de dinossauros e marcas de
dentes de T.rex em ossos da bacia de um Triceratops, o que prova
que o T.rex comia carne, principalmente de outros dinossauros. Mas não prova que
ele tenha abatido tais criaturas. A presença de ossos bem triturados indica que
o tiranossauro comia grande quantidade dos mesmos, característica de um
carniceiro que teve de se contentar com os restos deixados por outros
carnívoros, incluindo ossos.
O que dizem seus opositores:
Realmente é difícil comprovar se os
animais comidos pelo tiranossauro foram, ou não, mortos por ele. Mas existem
algumas provas fósseis que podem provar as capacidades predatórias do mesmo. Um
esqueleto de Edmontosaurus descoberto há alguns anos apresenta
uma clara marca de mordida de T.rex na cauda, o que levou a fratura de alguns
ossos. O que chamou a atenção é que a região da fratura foi calcificada. Isso
demonstra que o animal foi mordido ainda vivo e sobreviveu ao ataque, vivendo
tempo suficiente para a cicatrização do ferimento.
Por que um tiranossauro
atacaria um dinossauro herbívoro vivo e forte, sabidanente uma de suas fontes de
alimento, se não para abatê-lo? Nesse caso em particular o tiranossauro não teve
muita sorte, pois o herbívoro conseguiu escapar.Também foram encontradas marcas
de enormes mordidas em outros tiranossauros, o que mostra que tais animais
travaram lutas ferozes entre si, e, às vezes, comiam uns aos outros. A famosa
Sue, um dos maiores T.rex já encontrados provavelmente morreu graças ao ataque
feroz de outro de sua espécie. Tais provas são conclusivas no que se refere à
capacidade de matar outros animais do tiranossauro.
Com você pôde perceber as duas teorias têm
fortes indícios a seu favor. Eu procurei nesse resumo mostrar os dois lados da
moeda, permitindo a você tirar suas próprias conclusões.
O mais provável, na minha opinião, é que
o tiranossauro era, antes de tudo, um oportunista. Se observarmos os carnívoros
atuais, quase todos, com raras exceções, nunca são totalmente predadores ou
totalmente carniceiros. Isso se aplica a tubarões, crocodilos, leões, hienas e
abutres. Dependendo da situação eles podem agir de uma maneira ou de outra. O
que vale é conseguir a comida.
Acredito que para o tiranossauro a regra
também valia. Não duvido que um T.rex pudesse abater grandes hadrossauros ou
mesmo ceratopsianos, os maiores e mais abundantes herbívoros de seu tempo. Mas
caso tivesse azar na caça ele dificilmente dispensaria uma carcaça fácil e
disponível.
É possível que quando mais jovens, os
tiranossauros fossem mais ativos e ágeis. Provavelmente essa época seria sua
melhor fase como predador. Com força e rapidez os T.rex adolescentes, com cerca
de 10 metros de comprimento e 2,5 toneladas poderiam abater quase todo tipo de
presa que encontrassem, mesmo as mais ágeis. Podem ainda ter complementado sua
dieta com restos deixados por outros dinossauros carnívoros.
Conforme ficavam mais velhos, os
tiranossauros ficavam maiores e mais pesados, mas também mais espertos. Mesmo
que ainda capazes de caçar ativamente é possível que os T.rex adultos, os
maiores carnívoros de seu tempo, usassem seu tamanho e sua aparência assustadora
para espantar predadores menores, para roubar-lhes as presas. Esse tipo de
situação é bastante vista nas planícies africanas.
Os leões machos, grandes e
assustadores são experts em usar de terror para roubar presas de leopardos,
cheetas, hienas e até das leoas. Com sua atitude intimidadora eles quase sempre
conseguem o que querem. Os menores, sem ânimo para enfrentar os grandalhões,
quase sempre cedem seu prêmio conseguido à tanto custo.
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Essa lei pode ter sido válida há 65
milhões de anos, na época do T.rex. Não se sabe de nenhum dinossauro grande o
suficiente para enfrentar o rei naquele ecossistema. Com sua aparência rude,
seu enorme tamanho e seu urro assustador o T.rex poderia espantar qualquer um. |
Talvez, quando fosse muito velho, fraco
demais para assustar alguém, o tiranossauro sobreviveria de restos que, com
sorte, pudesse arranjar.
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