Como seu glitter no Carnaval chega aos peixes no
Oceano
O que o glitter que
você passa no rosto no Carnaval tem a ver com o
oceano? Para alguns pesquisadores, tudo.
As pequenas partículas
brilhantes que adornam o corpo dos foliões são
feitas de plástico, material que não é
biodegradável. Quando se lava o corpo ou rosto
coberto de glitter, as peças escorrem pelo ralo.
Pequenas demais para serem filtradas no sistema
de tratamento de esgoto, acabam parando em rios
e mares.
O plástico é o maior
poluente do oceano. E o glitter é um
"microplástico", como são chamadas as partículas
desse material com menos de 5 milímetros. Nem
todas têm o tamanho que o glitter tem
originalmente: parte delas são grandes produtos
de plástico que chegaram a esse tamanho depois
de sua deterioração por forças mecânicas no
oceano ou radiação solar.
O perigo das
partículas de microplástico no oceano é que
podem ser ingeridas pela fauna marinha.
"Pesquisas recentes
dão conta de que microplásticos perturbam o
início da cadeia de alimentação aquática, como
os plânctons. Também afetam ostras e mexilhões",
diz Trisia Farrelly, da Universidade de Massey,
na Nova Zelândia, especialista em ecologia
urbana.
"Os microplásticos
ingeridos por esses organismos podem afetar seu
crescimento e atrapalhar sua alimentação como um
todo - e consequentemente impactar toda a cadeia
de alimentação." Plânctons, por exemplo, são um
alimento dos peixes, que, por sua vez, alimentam
os humanos.
Trilhões de partículas
Não há estudos sobre o
glitter nesse contexto, especificamente, porque
não é fácil identificar a origem de um
microplástico. Mas o material é contabilizado
entre os microplásticos que poluem o oceano -
são entre 15 e 51 trilhões de partículas,
segundo um estudo de 2015 conduzido por
pesquisadores do Imperial College London, de
Londres, em parceria com especialistas da
Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos,
Holanda, e outros países.
Para Joel Baker,
diretor do Centro de Águas Urbanas da
Universidade de Washington, não se pode medir o
impacto dos microplásticos no oceano. "Não
sabemos se há um problema, mas não é um absurdo
ser cuidadoso e não querer colocar coisas no
meio ambiente que o degradem."
Parte dos
microplásticos são os microbreads, ou grânulos,
como os presentes em pastas de dentes e
esfoliantes.
"É plástico feito para
ter uma vida muito curta. Você limpa seu rosto
ou seus dentes, enxágua e eles vão direto para o
ralo", diz Farrelly. O uso de grânulos em
produtos como esses foi proibido no Canadá, nos
Estados Unidos e no Reino Unido. A Nova Zelândia
deve implementar a proibição no primeiro
semestre de 2018.
Embora não tenha sido
proibido, o glitter também entrou no escrutínio
público. Empresas no Brasil e no mundo começam a
fabricar glitter biodegradável.
"Eu gosto de coisas
brilhantes. Mas com 7 bilhões de pessoas no
planeta, não podemos usar as coisas só da
maneira como gostaríamos. Precisamos pensar no
impacto que causamos", diz Sherri Mason,
professora de química da Universidade do Estado
de Nova York em Fredonia e especialista em
poluição de plástico em ecossistemas aquáticos.
Ela observa que,
embora seja uma iniciativa positiva, "glitter
biodegradável não dará conta da demanda que
temos". "Então eu insisto que temos que reduzir
o uso de glitter."
Para ela, governos
podem tarifar mais os produtos de plástico para
embutir em seu preço o impacto no meio ambiente.
Farrelly, da Nova
Zelândia, diz que "o glitter, em si, não é o
problema". "O glitter é uma parte do problema. E
se está chamando atenção para o problema maior,
então ótimo."
Como o glitter é
produzido?
O glitter de plástico
como o conhecemos é produzido a partir de placas
de PET ou PVC que são metalizadas com alumínio
e, depois, tingidas com cores diferentes.
Depois desse processo,
explica o americano Joe Coburn, um dos
proprietários da fábrica de glitter RJA-Plastics
GmbH, as placas de plásticos são revestidas
novamente com uma camada transparente para
tentar "segurar" sua cor e dar consistência ao
alumínio.
Essas placas são então
cortadas em pequenas partículas e passam por uma
máquina que tem um cilindro com 60 dentes
rotativos de corte e uma faca - uma espécie de
combinação entre um triturador de galhos e um
triturador de papel.
Hexágono e outras
curiosidades
"Matematicamente, o
formato das partículas que causa menos
desperdício é o hexágono", diz Coburn. Por causa
disso, este é justamente o formato em que a
maior parte das partículas de glitter, segundo
ele, são trituradas.
"E isso também faz com
que as diferentes partículas de glitter nunca
caiam no mesmo ângulo. Quando não estão
uniformes, brilham mais, porque há mais chances
de receberem luz em diferentes partes."
Ele também explica que
há diferenças entre a durabilidade das cores: um
vermelho intenso não se mantém dessa cor ao
longo do tempo tão facilmente quanto o glitter
verde claro. E o tamanho também varia: o menor
tipo de glitter já produzido pela empresa tem
0.02 mm.
A fabricante empacota
o glitter em grandes sacos e exporta o produto
em caixas de 25kg, tomando o cuidado de não
misturar as cores.
"Uma fábrica de
glitter não é um país encantado. É para ser um
ambiente bem estéril", diz - o que não significa
que não aconteçam vazamentos.
Por causa da forma
como precisam operar a máquina, com testes antes
que seja ligada, funcionários ficam com o corpo
repleto das partículas.
"É uma infestação.
Fica nos seus ouvidos, nariz, embaixo das unhas,
no volante do carro. O volante do nosso carro
tem uma camada permanente de glitter", conta
Coburn. "A única solução possível para tirar
todo esse glitter é ar comprimido."
Coburn conta que, uma
vez, por causa da umidade, uma caixa de 25kg
cedeu, espalhando glitter por todas as partes.
Coburn e seu irmão
herdaram a fábrica de seu pai, morto em 2011.
Seu avô tinha uma fábrica de adesivos nos
Estados Unidos - "a família sempre trabalhou com
coisas brilhantes" - e duas máquinas de glitter
foram encontradas por ele e seu filho.
"Meu avô pediu que meu
pai as vendesse, mas meu pai descobriu como
funcionava e começou a produzir e vender", diz
Coburn. Na época, "era uma tecnologia secreta".
Em 2018, segundo ele,
a empresa começará a produzir glitter
biodegradável.
(BBC Brasil) |
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