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A QUESTÃO CHRISTIE

 

Guerra do Paraguai    

 

Um embaixador chamado Christie

Em 1858 uma comissão mista foi criada para tratar das questões pendentes entre os governos do Brasil e da Grã Bretanha. Esta última apresentou uma lista de reclamações contra o Brasil, somando a enorme quantia de 300 mil libras esterlinas. Grande parte do itens referiam-se a perdas parciais ou totais de cargas e navios ocorridas desde os idos de 1826. Da sua parte, o Brasil apresentou reclamações relativas à apreensão de cargas e navios brasileiros pela Royal Navy, acusados de traficarem escravos da África.

Embora fosse uma comissão bi-nacional, não era intenção do governo britânico discutir assuntos de interesse do governo brasileiro, embora este insistisse na matéria. Para os europeus, estes casos já haviam sido definitivamente julgados. O impasse levou ao encerramento da comissão em 1960.

As relações entre as duas coroas também possuíam outros "fronts". O Brasil insistia na revogação da Bill Aberdeen e em melhores condições de acesso ao mercado de suas monoculturas. A Grã Bretanha, porém, insistia na renovação dos tratados comercias de 1827, expirados em 1844. O impasse político e, porque não dizer econômico, estava criado. Somado à política imperialista britânica, tudo levava a crer que uma solução diplomática não viria.

O embaixador William Christie sobre um barril de pólvora segurando uma bomba com os dizeres: "direito das gentes".

Dentro deste contexto de relações bilaterais Brasil-Grã Bretanha chegou ao país um novo embaixador em 1859. William Dougal Christie era um homem totalmente alinhado com a política externa de seu país. Seus pensamentos e suas ações refletiam isso. Christie repudiava os princípios básicos das relações internacionais de reciprocidade e igualdade. Para ele, a coroa britânica estava acima das outras nações do mundo e os demais países deveriam se alinhar com a política do seu governo ou sofrer as conseqüências.


Logo de início o embaixador, franco e direto, começou a denunciar o comércio de escravos na capital brasileira. Enviou relatórios afirmando dispor de provas de que escravos haviam sido importados da África após a Lei de 1831. Defendeu os emancipados (escravos libertados por ingleses por ocasião do apresamento de navios negreiros), exigindo que os mesmos voltassem para a África ao invés de trabalharem em projetos do governo ou trabalharem como aprendizes de particulares. Num momento de relações tensas entre os dois países, um embaixador "linha dura" era exatamente o que o Brasil não precisava.

O naufrágio do Prince of Wales

No dia 2 de abril de 1861 o mercante inglês Prince of Wales partiu de Glasgow (Escócia) com destino à cidade argentina de Buenos Aires. Sua carga era composta de carvão de pedra, engradados de louças, caixas com lenços e fazendas, pipas e barricas com azeite e vinho. No início do mês de junho o navio inglês naufragou na costa da província do Rio Grande do Sul, num local ermo conhecido como costa do Albardão, próximo à fronteira com o Uruguai.

A notícia do naufrágio se espalhou pela região e alguns dias depois o cônsul britânico, acompanhado de autoridades brasileiras, foi vistoriar o local. O navio apresentava indícios de pilhagem e, de todos os tripulantes, somente quatro corpos foram encontrados. Não havia sobreviventes.

Era a história que o embaixador Christie procurava. Transformou um caso de polícia em um incidente internacional. As explicações das autoridades locais foram consideradas insatisfatórias. Além disso, elas foram acusadas de negligência e compactuação com o ocorrido. A posição da embaixada britânica no Brasil era de que o governo brasileiro era responsável pela pilhagem da carga e pela suspeita de assassinato (nunca comprovado) dos tripulantes. Segundo a visão britânica, esses argumentos eram suficientes para solicitar um pedido de indenização.

Semelhanças com o caso "Dom Feliciano"

Cabe aqui uma comparação do naufrágio do Prince of Wales com o "incidente Don Pacífico", ocorrido da Grécia em 1850. Don Pacífico era um cidadão português nascido em Gibraltar (colônia britânica) que morava na Grécia. Em 1847, Pacífico teve a sua casa atacada por vândalos. Descobriu-se posteriormente que os integrantes da ação eram filhos de um ministro de estado. A polícia local nada fez. Pacífico reclamou perante o governo grego, que não lhe deu satisfações. Decidiu então apelar para o Governo Britânico em 1848, que abraçou o caso.

Lord Palmerston, então Ministro das Relações Exteriores, pressionou o governo grego por uma compensação. Perante a negativa grega, Palmerston enviou uma frota da Royal Navy para o Mar Egeu. O navios britânicos realizaram um bloqueio naval por dois meses aos portos gregos. O governo grego só concordou em compensar Pacífico após a apreensão de alguns mercantes.

Houve manifestação contrária da França e da Rússia, mas estes governos, na prática, nada fizeram. Palmerston sofreu também muitas críticas internas. No seu discurso perante o parlamento, o ministro defendeu o império britânico comparando-o ao império romano.

"(...) As the Roman, in days of old, held himself free from indignity, when he could say, Civis Romanus sum [sou um cidadão romano], so also a British subject, in whatever land he may be, shall feel confident that the watchful eye and the strong arm of England will protect him from injustice and wrong. (...)"

O caso Don Feliciano demonstrou a notável intransigência de Palmerston diante dos interesses britânicos ou de cidadãos britânicos quando os mesmos eram afrontados por "nações periféricas". O parlamentar inglês não media esforços em lançar mão dos instrumentos de poder, como a marinha britânica, para fazer valer seu ponto de vista.

Desaparecimento de um soldado brasileiro

As discussões sobre o naufrágio do Prince of Wales ainda estavam acaloradas quando um outro episódio lamentável, envolvendo súditos dos dois países, tomou parte na capital federal. Na noite de 24 de junho, membros da fragata britânica HMS Emerald se estranharam com os tripulantes de um bote do tráfego do porto do Rio de Janeiro. O bote, tripulado por remadores, dois soldados e um marinheiro, ia do cais do Pharox para o forte de Villegaignon. Durante os desentendimentos o soldado do batalhão naval Vicente Ramos Ferreira foi ferido e lançado ao mar. Seu corpo nunca mais foi encontrado.

As autoridades brasileiras denunciaram dois ingleses, o oficial Francis May e o marinheiro Willian Langford. O governo brasileiro, através do Ministério dos Negócios Estrangeiros, solicitou junto ao embaixador Christie que os dois envolvidos fossem encaminhados à fragata brasileira Constituição, onde deveriam aguardar o julgamento. Christie informou que a Emerald estava de partida para a Europa, mas o oficial e o marinheiro seriam transferidos para a fragata Forte.

O tempo passou e os ingleses não se manifestaram. Quando indagada, a embaixada se desculpava sempre com a ausência temporária do embaixador Christie. No dia 16 de julho o diplomata Evan Baillie, encarregado interino dos negócios de Sua Majestade Britânica, informou que o contra-almirante Richard Warren, comandante em chefe da estação, deixou o porto do Rio de Janeiro levando os dois indiciados para a Grã Bretanha. Não havia outra alternativa ao governo brasileiro senão esperar pelo retorno da frota, que aconteceria no final do ano.

E assim o fato se consumou. Em novembro do mesmo ano (1861) o almirante Warren voltou ao Rio de Janeiro com a sua frota. Novamente a embaixada britânica foi indagada sobre os dois membros de sua marinha envolvidos na morte do soldado do batalhão naval. A resposta dada desta vez exprimia toda a arrogância do Império Britânico naquele período vitoriano. O Governo de Sua Majestade Britânica simplesmente não entregaria o oficial e o marinheiro e justificativas não eram necessárias para tal atitude. Porém, num ato de "benevolência", o almirante Warren estava disposto a discutir a indenização aos familiares da vítima.

O Brasil não poderia fazer muito diante dos fatos, mas subiu o tom da conversa e passou a tratar o assunto diretamente com sua representação em Londres. Os ânimos se acirravam de ambos os lados.

Oficiais britânicos presos no Rio

Na noite de 17 de junho de 1862 três tripulantes (um capelão, um tenente e um guarda-marinha) da fragata HMS Forte, totalmente à paisana, jantavam num hotel localizado no Alto da Tijuca. Ao término da refeição, e já bastante embriagados (versão negada pelos mesmos posteriormente), os três britânicos decidiram caminhar em direção à cidade. Ao longo do trajeto os mesmos molestavam as pessoas que por eles passavam. Por volta das sete horas da noite passaram pelo posto do destacamento policial da Tijuca e molestaram a sentinela. Após uma rápida batalha corporal, os três estrangeiros foram detidos com a ajuda dos demais soldados do destacamento.

Seria mais um simples caso de arruaça cometido por estrangeiros, não fosse o estado de nervos à flor da pele em que se encontravam os dois governos naquela época. O caso foi levado ao embaixador Christie e o mesmo solicitou explicações junto ao Ministro dos Negócios Estrangeiros. Os oficiais (sem qualquer tipo de identificação) foram liberados após uma noite no cárcere e nenhuma outra ação partiu das partes envolvidas. Mas o senhor Christie já preparava um final de ano bastante movimentado.



HMS Forte

A origem do nome "Forte" deriva da fragata francesa Forte, capturada em 28 de fevereiro de 1799 pela fragata britânica Sibylle na Baía de Bengala (Índias Orientais). O navio foi utilizado pela Royal Navy até junho de 1801, quando afundou no porto de Jedá, Mar Vermelho. Posteriormente, outros dois navios também utilizaram o mesmo nome sendo que esta terceira unidade fazia parte da frota britânica baseada no Rio de Janeiro entre os anos de 1827 e 1830.

National Library of Australia


A HMS Forte (em primeiro plano), juntamente com o HMS Ganges entrando na Baía de Guanabara em abril de 1827. A Forte apresentada nessa litografia foi a terceira unidade da Royal Navy a ostentar esse nome.


A fragata Forte, que operava na estação naval do Rio de Janeiro no início da década de 1860 era o quarto navio da Royal Navy a ostentar esse nome. Foi lançada ao mar em 29 de maio de 1858 pelo estaleiro Deptport, localizado nas margens do rio Tâmisa.

Embora fosse um navio de construção recente, seu desenho ainda exibia as características dos projetos britânicos anteriores à Guerra da Criméia, tais como ausência de couraça e propulsão mista (vela/hélice). Naqueles tempos, as armações veleiras garantiam a necessária autonomia de cruzeiro. Em outras circunstâncias, o velame era recolhido e a ordem "chaminé acima, hélice abaixo" era dada.

Dois anos depois do lançamento da Forte, a Grã Bretanha já estava construindo navios com casco de ferro e canhões de retro-carga. Era uma época de intensa inovação tecnológica no meio naval.

Em junho de 1861, assumiu o seu comando o capitão Thomas Saumarez. Neste mesmo ano o vice-almirante Warren tornou-se o comandante em chefe da estação naval do Rio de Janeiro e costumava arvorar o seu pavilhão na fragata Forte.

A ação naval britânica


Enquanto o governo brasileiro pensava que os assuntos recentes do naufrágio do Prince of Wales e a detenção dos oficiais britânicos tinham sido esquecidos pela coroa britânica, o Foring Office coordenava com a Marinha Real e com a sua embaixada no Brasil uma resposta definitiva aos "atos insolentes daquela exótica monarquia tropical".

A devida resposta ao governo brasileiro, e relativas exigências, bem como as ações em caso de negativa foram tramadas entre os meses de setembro, outubro e novembro. Com o plano pronto, o embaixador Christie pôde finalmente redigir sua nota. Na verdade foram três notas datadas de 5 de dezembro de 1862. A primeira delas tratava basicamente do naufrágio do Prince of Wales. A coroa britânica considerava o governo brasileiro como responsável pela investigação da morte dos tripulantes e pelo sumiço da carga. Sendo assim, foi estipulada uma indenização pelo carregamento e provisões e pelo frete. A quantia total era de 6.525,19 libras esterlinas.

Em relação ao incidente com os oficiais britânicos na Tijuca, a dura nota do embaixador Christie trazia as seguintes exigências:

que se desse baixa do serviço do alferes da guarda;

que a sentinela fosse adequadamente castigada;

que uma satisfação fosse dada ao governo de Sua Majestade Britânica;

que o chefe de polícia e o oficial que recebeu os militares britânicos fossem publicamente censurados.

Por último, numa curta e ríspida nota, o embaixador estipulava o dia 20 de dezembro (ou seja, 15 dias de prazo) como data limite para que o governo imperial brasileiro desse sua resposta às duas notas anteriores. Obviamente nada foi dito sobre o incidente do bote do tráfego do porto do Rio de Janeiro que resultou na morte de um soldado do batalhão naval.

O mês de dezembro foi marcado por diversas tentativas de reverter a situação imposta pelo ultimato britânico. No entanto, no dia 29 o marquês de Abrantes, novo encarregado da pasta dos Negócios Estrangeiros, emitiu nota oficial repudiando o ultimato e encerrando o texto da seguinte maneira:

"(...) por muito que deplore os males que desta sua deliberação poderão resultar, julga preferível e mais honroso sofrê-los do que sacrificar o decóro e a dignidade nacional (...)"

A resposta do embaixador britânico não tardou. No dia seguinte, Christie emitiu uma nota onde recusava categoricamente as explicações do governo brasileiro, bem como os memorandos que, na visão do embaixador britânico, não apresentavam nenhum fato novo. Em tom forte, a nota britânica do dia 30 anunciava uma amarga passagem de ano para o relacionamento entre as duas nações.

"(...) O governo de Sua Majestade, posto que esperasse vivamente que suas exigências terião sido aceitas, julgou acertado providenciar acerca da possibilidade de uma recusa; e o almirante Warren, comandante e chefe da esquadra nesse porto, procederá imediatamente, de conformidade com as instruções que lhe forem ministradas, a dar os passos necessarios para fazer as represalias em propriedade brasileira.
A propriedade que for apressada será retida como garantia, até que o governo de Sua Majestade obtenha a satisfação que o governo do Imperador tem total e peremptoriamente recusado, a não ser compellido por força superior.

Não careço dizer a V. Ex. que as represálias são um modo entendido e reconhecido pelas nações, de obter justiça, quando é esta de outro modo recusada, e que elas não constituem um ato de guerra.

As medidas que serão tomadas pelo almirante Warren estão no limites do estado de paz. Depende do governo do Imperador ficar nestes ou transpô-los. Na viva esperança de que a paz não será perturbada, e no ardente desejo de que voltem as cordiais relações que a Grã Bretanha procurou sempre cultivar com o Brasil, mas que não podem existir se o governo brasileiro recusa com perseverança a reparação das injurias feitas a súbditos britânicos, rogo a V. Ex. e aos seus colegas que se lembrem que pesará sobre o ministro uma grave responsabilidade se uma violenta resistência ás represálias, ou medidas de contra represálias, ou ofensas às pessoas ou propriedades britânica que residem no paiz, levarem a maiores e mais deploráveis complicações. (...)"


Estava claro que as palavras do embaixador britânico não eram parte de um blefe diplomático. Tudo caminhava para um desfecho militar, com o emprego de navios de guerra. A sombra do "incidente Don Feliciano" passou a pairar sobre a cidade do Rio de Janeiro.

Na tarde do dia 30, o vapor de guerra HMS Stromboli partiu silenciosamente do porto da cidade do Rio de Janeiro. Na manhã seguinte foi a vez do HMS Curlew desatracar sem maior alarde. Conforme instruções do almirante Warren, a missão desses dois navios era capturar aleatoriamente embarcações brasileiras até que o valor destas compensasse a reparação exigida pela coroa britânica.

Prevendo eventuais reações por parte da população brasileira (conforme demonstrado no combate de Paranaguá), o almirante Warren deu ordens para que os demais navios de sua frota fossem espalhados pelos principais portos brasileiros. Assim, o Sattelite foi enviado para a Bahia, o Dotterel para o Rio Grande do Sul e um terceiro para Pernambuco. Embora os Britânicos não tenham usado essas palavras, o que a frota da Royal Navy praticou no país foi um verdadeiro "bloqueio naval".

Enquanto o almirante Warren posicionava seus navios, o governo brasileiro agia por outros meios. De forma ardilosa, toda a documentação trocada entre os dois governos "vazou" para a sociedade. Num discurso público, o ministro da agricultura, comércio e obras públicas, atacou duramente o ultimato do senhor Christie, desqualificando-o e colocando-o como principal entrave entre as relações binacionais. O ultimato pegou a população de surpresa, que passou a olhar o embaixador Christie como "persona non grata". Seguindo nesta linha, o Diário Oficial publicou nos dias 1 e 3 de janeiro insinuações de que os procedimentos adotados pelo Sr. Christie não eram aprovados pelo de Sua Majestade Britânica. Toda esta campanha propagandista, muito bem arquitetada, tinha como pano de fundo jogar a opinião brasileira contra o embaixador britânico.

Museu Nacional de Belas Artes


População da capital Rio de Janeiro cerca o monarca D. Pedro II durante o episódio conhecido como Questão Christie.
Quando Stromboli , navio que participou do apresamento, retornou ao porto do Rio de Janeiro no dia 4 de janeiro de 1863 trazendo a guarnição e os passageiros daqueles barcos aprisionados, encontrou uma população ensandecida e revoltada. Ao todo, cinco embarcações foram capturadas: o vapor Paraíba, o patacho Chaves, as sumacas Áurea e Senhora do Carmo e o palhabote Trinta e Um de Outubro. As mesmas foram enviadas para a baía das Palmas e ficaram sob a guarda do comandante Forbes do HMS Curlew.

O Brasil não podia fazer muito mais. Diante de um adversário militarmente mais forte e apoiado por um governo belicista, coube ao país pagar, sob protesto, o montante solicitado pela Grã Bretanha para o caso do naufrágio do Prince of Wales. Em relação aos oficiais da fragata Forte, o caso foi deixado para o arbitramento internacional, a cargo do Rei Leopoldo I da Bélgica. Após a resposta, o embaixador Christie solicitou que o almirante Warren cessasse imediatamente as represarias e desse ordem para o "relaxamento das presas já feitas".

O estrago já estava feito. A campanha contra o embaixador britânico só cresceu no país e até adquiriu alguns adeptos na Inglaterra. Diante da situação insustentável, Christie deixou o Brasil. Seu posto foi assumido interinamente pelo Sr. Willian C. Eliot.

Mas o caso não havia terminado. O governo brasileiro, através da sua representação em Londres, ainda encaminhou um pedido de indenização em função da apreensão de embarcações feita pelo almirante Warren no início do ano de 1863, além da exigência de desculpas pela violação do território nacional. Em virtude da resposta negativa, o ministro brasileiro na Corte de Saint James encerrou sua nota de 25 de maio da seguinte forma:

"(...) Na situação em que esta recusa o colloca, não lhe resta outra alternativa senão, obedecendo ás ordens de Sua Majestade o Imperador, declarar ao muito honrado conde Russel que o governo imperial, não podendo sujeitar-se ao peso de uma offensa irreparável, cede á necessidade de interromper suas relações com o Governo de Sua Majestade Britannica; pelo que tem a honra o abaixo assignado de informar a S. Ex. que cessão também desde agora as suas funções officiaes, e pede-lhe que queira ter a bondade de mandar-lhe os competentes passaportes para si, para a sua família e para o pessoal de sua legação (...)"

Faltava, no entanto, o resultado do arbitramento internacional em relação à questão da prisão dos oficiais da fragata HMS Forte. No dia 21 de junho o representante do governo brasileiro em Bruxelas foi recebido na corte do rei Leopoldo I. O resultado do litígio era amplamente favorável ao Brasil. E o rei belga assim decidiu:

"(...) Nous sommes d´avis que, dans la manière dont les lois Brésiliennes ont été appliquées aux officiers Anglais, il n´y a eu ni préméditation d´offense ni offense envers la Marine Britanníque. [Na maneira por que as leis brasileiras são aplicadas aos oficiais ingleses não houve, nem premeditação de ofensa, nem ofensa á marinha britânica](...)"

O governo brasileiro insistiu em uma saída diplomática para a situação até às últimas instancias em que poderia chegar. Agiu da forma sempre elegante, mas sem deixar de endurecer quando a situação assim exigia. Não era interesse do país romper com a Grã Bretanha. O inverso também era verdade. Os laços que ligavam os países (políticos, econômicos, tecnológicos e até mesmo militares) eram muito fortes. Mas então o que deu errado?

Esta questão foi grandemente respondida ao longo do texto. A escalada de atritos, ocorrida ao longo dos anos e intensificada a partir de 1859 com a chegada do embaixador Christie, culminou com a ação naval britânica e a reação brasileira de romper relações.

O Governo de Lord Palmerston era o exemplo típico do imperialismo britânico e de suas peculiaridades no século XIX. Sempre que necessário, empregava-se a coerção como forma de impor sua vontade, seus costumes e seus acordos comerciais. A Guerra do Ópio, as revoltas na Índia (ver texto anterior) e o incidente Don Feliciano demonstram a forma como o império agia. Diante desses fatos, a ação naval britânica no Rio de Janeiro só pode ser entendida como uma extensão do imperialismo e não como um fato isolado, originado por um embaixador "linha dura".

Descarregar toda a culpa do episódio no embaixador Christie era uma das estratégias do governo brasileiro. Mas está longe de ser a verdade. O embaixador apenas cumpria as ordens do seu governo. Nem mesmo o fato de Christie estar intimamente alinhado com a política externa britânica é razão para jogar todo o fardo sobre suas costas.

Do lado brasileiro, a intransigência britânica levou a população brasileira a exigir um mínimo de ação. Caso o governo não tomasse nenhuma atitude, a população poderia revoltar-se contra o Imperador. Mas o rompimento de relações acalmou os ânimos mais afoitos. Tanto é verdade que, num primeiro momento, o rompimento de relações elevou em muito a aprovação do Imperador.

Mas por que não uma reação militar contra a esquadra britânica? Para responder essa pergunta é necessário primeiramente analisar a Marinha do Brasil nesta época.

A Marinha do Brasil em 1860

A frota brasileira surgiu do nada a partir da independência em 1822. Graças ao auxílio de estrangeiros (principalmente ingleses), ela foi capaz de expulsar os portugueses, apaziguar as revoltas e interferir nos países limítrofes (principalmente questões na Bacia do Prata). A Marinha do Brasil evoluiu para uma esquadra de porte respeitável em caráter regional já nos anos de 1830-1840.

A partir década de 1840 esforços foram feitos para dotar a marinha de embarcações de grande porte de propulsão mista vela/vapor (como o vapor D. Afonso, lançado ao mar em 1847). Avanços na parte de armamento surgiram somente por volta de 1850, com a introdução de canhões de aço (e não mais de bronze) e sistema tipo Paixhans (alma lisa). Já no final desta década, o Brasil teria sua primeira experiência com canhões raiados, carregado pela culatra (duas peças Whitworth instaladas na Niterói).



Mas toda essa tentativa de manter e atualizar a esquadra não poderia se igualar à dimensão do poder de fogo naval do Império Britânico. Os avanços citados acima já eram corriqueiros na Royal Navy nos idos de 1850-1860. Além disso, em 1860 a Grã Bretanha lançou mais um navio que revolucionaria a construção naval mundial, o HMS Warrior, primeira embarcação com o casco todo de ferro.

S. Walter

O vapor de rodas Dom Afonso era um exemplo típico dessa classe de navios na Marinha do Brasil nos idos de 1860. As rodas laterais reduziam muito o número de bocas de fogo.
Em termos de poder de fogo a fragata Constituição era o navio com maior número de peças, totalizando 28 a 33 bocas de fogo. Mas a Constituição, única fragata brasileira na época, já não tinha condições de navegar em função do péssimo estado do seu casco. Descendo na hierarquia, vinham as seis corvetas. Eram todas movidas a vela e possuíam entre 11 e 22 bocas de fogo. Os vapores de guerra dividiam-se em dois grupos: vapores a hélice e vapores de rodas. Ao todo, somavam mais de vinte embarcações e o seu armamento variava entre uma e dez bocas de fogo. Existiam ainda navios veleiros armados como brigues, escunas, iates, brigues-escunas e brigues-barcas.

Até 1861 a Marinha do Brasil distribuía suas embarcações em pequenos grupos alocados nas diversas estações. Assim, existiam sete estações (Maranhão, Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Rio Grande do Sul e Rio da Prata), além dos "navios soltos" (aqueles que não estavam designados para nenhuma das estações).

A partir de 1862 a frota foi separada em três "divisões", sendo que a 1ª divisão baseada no Rio de Janeiro e a 2ª e a 3ª divisões na região norte/nordeste. Mato Grosso e Rio Grande do Sul mantiveram suas respectivas forças navais, mas agora denominadas "flotilhas". A estação do Rio da Prata foi mantida, assim como os navios soltos.

As embarcações armadas que compunham a 1ª divisão na época em que os britânicos apresaram mercantes brasileiros na costa do Rio de Janeiro encontram-se listadas na tabela abaixo. Observar o número de unidades deslocadas para a região norte do país.

Comparando-se os navios da flotilha britânica com a 1ª divisão naval o Rio de Janeiro é possível observar uma inferioridade numérica das forças brasileiras. Além disso, o poder de fogo dos navios da Royal Navy era superior. Questões como prontidão dos navios, experiência da tripulação e tecnologia das embarcações também eram amplamente favoráveis aos britânicos.

Portanto, o não emprego da Marinha do Brasil no episódio em questão foi uma atitude sábia. Um conflito armado com a maior potência de sua época poderia reduzir, ou mesmo dizimar a Marinha do Brasil por questões de pequena monta. Outros interesses regionais eram mais importantes para a nação e a defesa deles dependia de uma marinha, senão ideal, pelo menos com uma certa capacidade bélica.

Conforme publicado por um jornal inglês da época, "três marinheiros bêbados e a abertura de algumas caixas lançadas ao litoral por um naufrágio" não podia ser motivo para um conflito militar entre duas nações amigas. A questão Christie é um bom exemplo de como as relações diplomáticas podem evoluir rapidamente do campo da diplomacia para ações bélicas.

Baia da Guanabara

Após a Questão Christie, as defesas da Baía de Guanabara foram modernizadas. Na foto, a fortaleza de Santa Cruz da Barra que recebeu a construção de casamatas em três pavimentos e moderno armamento estriado.

O lado positivo do episódio foi o despertar da população e do governo brasileiro para os assuntos relacionados à defesa do país. O exército recebeu verbas para reformar e reaparelhar diversas fortificações espalhadas pelo litoral brasileiro, principalmente no entorno da capital federal.

Através de subscrição pública, foi levantada uma quantia suficiente para adquirir um moderno encouraçado (o primeiro da marinha) na França, denominado Brasil. Assim que sua construção foi concluída em 1865, o Brasil seguiu direto para a bacia do Prata, onde já estava em andamento a Guerra do Paraguai.
 

 

 

Copyright © 1999 [Ache Tudo e Região]. Todos os direitos reservado. Revisado em: 01 março, 2017. Não nos responsabilizamos pelo conteúdo expresso nas páginas de parceiros e ou anunciantes. (Privacidade e Segurança) Melhor visualizado em 1024x768